O desamparo jurídico às pessoas trans na terceira idade: o lado cinza do arco-íris

O desamparo jurídico às pessoas trans na terceira idade: o lado cinza do arco-íris

A discriminação contra o público trans revela que as políticas públicas vigentes não são eficazes.


Jaqueline Galdino (*)

O mês do Orgulho LGBTQIAPN+, celebrado em junho, é de grande relevância para a comunidade. Além dos festejos que acontecem em vários países, o referido mês também é marcado pela organização de atividades de conscientização, como passeatas e eventos culturais, e pelas reivindicações por cidadania, representatividade e direitos, em geral, das pessoas trans.

A origem histórica dessa celebração remonta o contexto norte-americano da década de 1960, onde teve início as Revoltas de Stonewall. Em apertada síntese, naquela época, os EUA tinham uma legislação extremamente severa e contrária a relacionamentos LGBT+. Em razão disso, raros espaços aceitavam esse público com tranquilidade, à exceção do bar Stonewall Inn, localizado em Nova York. Em meados de 1969, membros da comunidade LGBT+ que se reuniam em Stonewall se rebelaram contra a opressão do sistema e deram início a uma luta amplificada que se espraiou por todo o mundo.

Na atualidade, o mês de junho, e mais precisamente o dia 28, é marcado internacionalmente não só por celebrações, mas é tido como símbolo de memória, resistência e conscientização em diversos países acerca das lutas e das conquistas encampadas pela comunidade LGBT+ ao longo do tempo. Em São Paulo, a primeira edição da Parada do Orgulho LGBT+ ocorreu em 1997 e a cada ano o evento busca trazer visibilidade para um determinado tema. Em 2016, por exemplo, a pauta da vez foi a “Lei de Identidade de Gênero Já! Todas as pessoas juntas contra a transfobia”.

O crescimento dessas relações tem apresentado, por um lado, o urgente e necessário respaldo jurídico em prol da efetivação dos direitos desses indivíduos, pois, nem sempre o legislador e o judiciário andam pari passu às transformações sociais e as novas demandas que se impõe. Com efeito, a comunidade LGBT+ tende a sofrer inúmeras discriminações em razão de leis obsoletas e de um judiciário que teima em não reconhecer essa nova realidade, o que resvala essa população, tida como minoria, às intempéries de se viver à margem de direitos.

A “cultura” da discriminação contra o público trans

A despeito disso, embora o Brasil – a duras penas – tenha apresentado algumas poucas, mas importantes, conquistas em termos de políticas públicas voltadas à comunidade LGBT+, resultados de pesquisas recentes revelam que o Brasil é o país que – há anos – lidera o ranking de assassinatos de pessoas trans e travestis.

Ainda, dados publicados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), em 2021, revelam que 90% dessa população tem o trabalho sexual e a prostituição como fonte de renda, o que demonstra que esse público não transita de maneira igualitária pela sociedade, pois grande parte dos espaços (públicos e/ou privados) seguem uma lógica pautada pela exclusão e pelo preconceito.

Em outras palavras, a “cultura” da discriminação contra o público trans, acrescida pela inacessibilidade à educação, ao mercado formal de trabalho e a todas as garantias e direitos decorrentes da formalidade laboral revelam, a um só tempo, que as políticas públicas vigentes não são suficientemente eficazes diante da complexa realidade socioeconômica que permeia as demandas – jurídicas, de saúde, de trabalho, dentre outras – da comunidade LGBT+ e, em especial, do público transgênero.

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O desmonte das políticas públicas e sociais voltadas para o público LGBT+ assumiu contornos ainda mais perversos desde a recente ruptura democrática perpetrada com o golpe de 2016, bem como, com a ascensão da extrema direita de Jair Bolsonaro (2019 – 2022). Nos últimos anos, vimos o aumento da letalidade contra pessoas trans, tal como restou demonstrado em pesquisa realizada pelo coletivo Grupo Gay da Bahia, em 2023.

Quando se fala em população transexual e travesti, um dos pontos críticos diz respeito à ausência de dados públicos, sobretudo no que tange aos inúmeros casos de violência. Ou seja, se não há dados oficiais, não há políticas públicas direcionadas.

Por não haver questionamentos que façam referência ao público LGBT+ ou, especificamente, à diversidade de gênero nas pesquisas governamentais (como o censo do IBGE), as informações mapeadas sobre essa população acabam partindo das próprias organizações da sociedade civil em estudos produzidos de maneira independente, fato que também limita – e muito – as inferências estatísticas. Tal cenário mostra, no mínimo, a desfaçatez e a consciente omissão do Poder Público frente às necessidades da comunidade LGBT+.

Nota
O presente texto faz parte de investigação apoiada pelo Edital Acadêmico de Pesquisa Envelhecer com Futuro, promovido pelo Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento. Resultados dessa pesquisa serão apresentados no I Congresso Internacional Envelhecer com Futuro (saiba mais abaixo).

Referências
ALVES, Andrea Moraes. Envelhecimento, trajetórias e homossexualidade feminina. Horizontes Antropológicos, 16 (34), 213 – 233.
ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil. Dossiê dos assassinatos e das violências. Disponível em: https://encurtador.com.br/lYFjh Acesso em: 22 jun. 2024.
BENEVIDES, Bruna G. 2022. Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2022. ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) – Brasília, DF: Distrito Drag; ANTRA, 2023. 109p.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292p.
ONU. Plano Internacional sobre o Envelhecimento. In: Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento. Viena: ONU, 1982.
ONG contabiliza 257 mortes violentas de LGBTQIA+ em 2023: Grupo Gay da Bahia cobra produção oficial de dados. Disponível em: https://encurtador.com.br/Lq1wz Acesso em: 25 jun. 2024.

(*) Jaqueline Galdino. Mestranda em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC/SP. Pós-Graduanda em Políticas Públicas pela Escola Superior de Gestão e Contas Públicas (EGC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM). Graduada em direito pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec/SP).

Foto de Alexander Grey/pexels.


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Serviço
I CONGRESSO INTERNACIONAL ENVELHECER COM FUTURO
Dias:  30 de setembro e 01 de outubro de 2024
Horário: das 9 às 16 horas
Valores: O evento é gratuito.
Público: Estudantes (graduação e pós-graduação), pesquisadores, professores, profissionais do setor público e privado, de diversas áreas e setores, que atuam com o envelhecimento, organizações da sociedade civil, empresas privadas, órgãos públicos, pessoas de diversas gerações que se interessem pelo futuro do nosso envelhecer.
Certificado: Será emitido certificado de participação para todos que estiverem presentes e devidamente inscritos.
Local: O Congresso Internacional será realizado dentro da VI Longevidade Expo+Fórum, no Distrito Anhembi, em São Paulo: Av. Olavo Fontoura, 1209 – Santana, São Paulo, SP.
Obs.: O site do evento estará no ar no dia 16 de julho. Aguardem!

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