Violência institucional contra pessoas idosas: quando o cuidado falha

Violência institucional contra pessoas idosas: quando o cuidado falha

Falar sobre a violência institucional contra pessoas idosas é essencial para dar visibilidade a uma forma de abuso muitas vezes silenciosa e invisibilizada.


Liga Acadêmica de Gerontologia – EACH USP (*)

O envelhecimento populacional é uma realidade crescente, observada em todo o globo. A Organização Mundial da Saúde estima que, até 2050, o número de pessoas com mais de 60 anos deve ultrapassar dois bilhões. No Brasil, segundo o IBGE (2023), já são mais de 32 milhões de idosos, o que representa 15% da população. Esse crescimento traz desafios importantes, especialmente no enfrentamento às diversas formas de violência contra a pessoa idosa, um problema social e de saúde pública reconhecido mundialmente. A ONU (2023) alerta que uma em cada seis pessoas idosas sofre algum tipo de violência a cada ano.

Essas violências podem ocorrer de diferentes formas: física, psicológica, financeira, sexual, negligência e abandono. Embora a violência intrafamiliar seja a mais frequentemente relatada, existe uma forma silenciosa e muitas vezes invisibilizada: a violência institucional. Ela acontece justamente nos espaços que deveriam oferecer proteção e cuidado, como hospitais, clínicas, repartições públicas e instituições de longa permanência. Revela, na sua manifestação, a linha tênue entre cuidar e violar. Quais são os limites ou as ausências? Por isso, nesta leitura, propomos a reflexão sobre este tipo de violência, ainda pouco discutida, mas de grande impacto na vida da pessoa idosa.

De forma simples, a violência institucional ocorre quando instituições públicas ou particulares, responsáveis pelo atendimento e cuidado de pessoas idosas, praticam ou permitem abusos, desrespeito, negligência ou maus-tratos. Isso pode acontecer, por exemplo, quando um idoso espera horas sem atendimento médico adequado, sofre humilhações em repartições públicas ou vive em instituições de longa permanência sem receber os cuidados básicos. O próprio Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil define esse tipo de violência como “qualquer violação exercida dentro do ambiente institucional público ou privado praticada contra a pessoa idosa”.

A violência em números

Infelizmente, os números mostram que essa é uma realidade preocupante. O Disque 100, canal oficial de denúncias do governo, registrou mais de 657,2 mil denúncias em 2024, o que representa um aumento de 22,6% em relação a 2023, quando foram registradas 536,1 mil ocorrências. A negligência, que inclui desde a falta de higiene, alimentação, medicação, até o abandono emocional, é o tipo de violência mais recorrente, com mais de 460 mil violações dessa natureza registradas no último ano.

Os casos de violência institucional manifestam-se no desrespeito, mal atendimento, falta de personalização, demora excessiva, tratamento desumanizado ou falta de acessibilidade e, até mesmo, em serviços bancários e de transporte, onde a burocracia e a falta de acolhimento desrespeitam a dignidade da pessoa idosa. Para entender este contexto de forma consolidada é possível olhar indicadores, a exemplo de uma pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF), realizada em 2023, que revelou que 53% das denúncias de violência contra idosos se concentram na região Sudeste, região mais populosa do país, onde também há maior número de instituições.

Entretanto, não basta apenas conhecermos a realidade da violência. Para sabermos como enfrentá-la com eficiência e eficácia, é preciso entender os motivos. Portanto, alguns fatores ajudam a entender esse cenário, como por exemplo a falta de formação específica dos profissionais para lidar com o envelhecimento; o preconceito etário (etarismo), que contribui para a exclusão e a desvalorização da pessoa idosa; as infraestruturas institucionais inadequadas, antigas ou sucateadas; a falta de recursos financeiros e humanos, que compromete a qualidade dos serviços e a deficiência de políticas públicas eficazes e de fiscalização sistemática. Soma-se a isso a ausência de políticas públicas que incentivem boas práticas e proíbam abusos. Em concordância com essa análise, Simone de Beauvoir, em sua obra A Velhice, já denunciava o apagamento social da pessoa idosa, alertando sobre o papel das instituições na manutenção desse cenário ao ignorarem a subjetividade e as necessidades desse público.

Além das consequências físicas, a violência institucional provoca sérios danos emocionais: queda na autoestima, sentimentos de solidão, medo, ansiedade e até depressão. Importante lembrar que a pessoa idosa tem seus direitos assegurados por lei, e deve ser tratada com respeito e dignidade em qualquer ambiente. O Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003) garante o direito à saúde, moradia, convivência familiar e comunitária, além do respeito. O Brasil também é signatário da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos (OEA, 2017), que reforça esses compromissos em âmbito internacional. Ainda assim, como aponta Camarano (2004), a fiscalização dessas legislações enfrentam sérios desafios, exigindo políticas públicas mais eficazes e um acompanhamento contínuo das práticas institucionais. Não basta apenas fiscalizar, é preciso o amparo de políticas educacionais e de apoio à gestão, de modo que as instituições tenham melhores condições estruturais de funcionamento. Nesse âmbito, é necessário inserir na agenda pública do Estado a emergência de qualificar, humanizar e dignificar o atendimento à pessoa idosa.

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Para isso, é fundamental aprimorar e efetivar políticas públicas já existentes, como as previstas nos artigos 21 a 24 do Estatuto da Pessoa Idosa, que reforçam a importância da educação para o envelhecimento desde as primeiras etapas da vida. Tais medidas promovem uma cultura de respeito, diminuem o preconceito etário e fortalecem a cidadania. Além disso, investir na capacitação contínua de profissionais da saúde, assistência social, segurança pública e atendimento ao público é essencial para garantir um acolhimento respeitoso e eficaz. Fiscalizações rigorosas em instituições de longa permanência e unidades de saúde, acompanhadas por apoio à gestão, devem assegurar condições adequadas de atendimento, dignidade aos residentes e cuidado individualizado. O acompanhamento psicossocial regular de pessoas idosas institucionalizadas também é uma estratégia importante para prevenir situações de violência e abandono, promovendo bem-estar emocional e social.

Outro ponto fundamental é o fortalecimento dos canais de denúncia, como o Disque 100 e as ouvidorias municipais e estaduais. No entanto, não basta que esses canais apenas existam, pois é preciso garantir que funcionem com acolhimento qualificado e encaminhamento efetivo dos casos. Campanhas educativas acessíveis e permanentes, que informem à população sobre os direitos da pessoa idosa e os meios de denunciar abusos, são igualmente essenciais para mobilizar a sociedade e romper com o silêncio que muitas vezes encobre essas violências. Por fim, é importante valorizar a escuta ativa e a participação dos idosos na construção de políticas públicas, especialmente nos conselhos de saúde e assistência social, como aponta a OMS (2021), assegurando espaços reais de representação e protagonismo.

Falar sobre a violência institucional contra pessoas idosas é essencial para dar visibilidade a uma forma de abuso muitas vezes silenciosa e invisibilizada. Instituições que deveriam ser espaços de proteção e cuidado podem se transformar em ambientes de sofrimento quando faltam preparo, respeito, sensibilidade e quando políticas públicas já estabelecidas deixam de ser efetivamente implementadas. Em um país que envelhece rapidamente, é urgente garantir que esses espaços cumpram seu papel de acolhimento e promoção da dignidade.

Como estamos tratando as pessoas idosas?

Que este texto sirva como um convite à reflexão: como estamos tratando as pessoas idosas? E como as instituições responsáveis por protegê-las estão, de fato, atuando e cumprindo o que a legislação e as políticas públicas já determinam? A violência institucional afeta diretamente a saúde física e emocional de quem já contribuiu tanto para a sociedade. Tornar esse problema visível e cobrar a efetivação de políticas existentes, como as previstas no Estatuto da Pessoa Idosa, é um passo indispensável para enfrentá-lo com responsabilidade. Construir uma cultura de respeito, valorização e cuidado com quem envelhece é sinal de uma sociedade mais justa, ética e verdadeiramente humana, dentro e fora das instituições.

Referências
BEAUVOIR, Simone de. A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1970. p. 265-290.
BRASIL. Estatuto da Pessoa Idosa. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003.
BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Relatório Anual do Disque 100, 2024.
CAMARANO, Ana Amélia. Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio de Janeiro: Ipea, 2004. Cap. 8, p. 287-289.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Global Report on Ageism. 2023.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). World Report on Ageing and Health. 2021.
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF). Mapa da Violência Contra a Pessoa Idosa no Brasil. 2023.

(*) Escreveram este texto, representando a Liga Acadêmica de Gerontologia – EACH USP:
Bianca Caroline de FelícioEstudante do Bacharelado em Gerontologia na EACH USP. Vice-diretora da Diretoria Científica da Liga de Gerontologia da EACH USP.
Henrique Salmazo da SilvaGerontólogo e docente do Bacharelado em Gerontologia na EACH USP.

Foto de Anton/pexels.


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