O orçamento público deve refletir pensamentos coletivos que devem ser considerados pelos agentes públicos em seus processos orçamentários alocativos
No artigo “Philosophy, Budgeting, and the Information Age” [1], Thomas D. Lynch e Cynthia E. Lynch abordam um tema interessante: orçamento público como uma [importante] ferramenta no processo de tomada de decisão governamental. “Não é de surpreender que vários modelos conceituais, originários das teorias da filosofia política, expliquem como devemos tomar decisões de políticas públicas. Os reformadores do processo orçamentário levam a sério essas teorias ou modelos conceituais. Portanto, devemos entender essas teorias e modelos para compreender a complexidade do orçamento contemporâneo e das reformas orçamentárias. Um modelo conceitual é uma ferramenta que permite ao usuário entender e lidar com fenômenos complexos. Julgamos uma ferramenta como ‘boa’ ou ‘ruim’ em termos da finalidade do usuário. Um martelo, por exemplo, pode ser uma ferramenta perfeitamente boa para construir um galpão, mas é uma ferramenta terrível para cortar madeira”.
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Na sequência, destacam que “Assim, o orçamento e seus processos relacionados são nossos óculos que nos ajudam a ver claramente na formulação de políticas públicas. Como as decisões orçamentárias são a melhor articulação dos valores e crenças da sociedade, as práticas orçamentárias e as reformas adotadas pelos formuladores de políticas se tornam muito importantes, pois determinam as decisões políticas definitivas. As ideologias, que dominam uma cultura, induzem um paradigma lógico no qual os tomadores de decisão devem realizar suas tarefas e, assim, ajudar a definir o que é ‘bom’ e ‘ruim’”. Aqui, novo ponto importante: o orçamento público deve refletir pensamentos coletivos daquela época de forma que tais pensamentos coletivos devem ser considerados pelos agentes públicos em seus processos orçamentários alocativos, de quanto, como, quando e onde do dinheiro público deve ser alocado pelo governante.
Existe aí uma lógica – e uma premissa filosófica – que deveria ser clara a ser observada pelos governantes, de forma que o poder discricionário deles não é interminável: eles precisam buscar tomar decisões que tragam resultados adequados ao senso comum de que o que será feito atenderá bem a população-alvo. É sim limitado à premissa de alcançar o bem comum e desenvolver a municipalidade.
Com essa abordagem, Thomas e Cynthia trazem à tona uma diretriz que estrutura o pensamento orçamentário: o poder de transformação de uma realidade (que pode ser, entre outras, populacional, cultural, institucional, econômica, ambiental, urbanística, histórica, geográfica). Inicialmente, nos primeiros anos do pós Segunda Guerra Mundial, a teoria orçamentária adaptou a lógica do setor privado na relação custo vs. benefício para custo (quanto, como, quando e onde do dinheiro público foi alocado pelo governante) vs. efetividade (a avaliação ampla e complexa dos impactos e efeitos de uma política pública em determinada população-alvo[2]).
Tem-se aqui duas premissas que deveriam estruturar as ações governamentais de agentes públicos responsáveis, honestos e competentes: ao decidir alocar dinheiro público em determinada política pública, se espera que como resultado os bens ou serviços públicos ali disponibilizados tragam que melhoria na vida dos cidadãos, que são, também, pagadores de tributos?
Deixo a pergunta depois de ler sobre shows musicais com cachês milionários em cidades com menos de 20 mil habitantes. Mas poderia ser, por exemplo, aquisições de caminhões de lixo em cidades com 8 mil habitantes, que não dispõe de autossuficiência na gestão ambiental à coleta de lixo, sendo dependente de outros municípios para tal serviço. Teriam sido as duas decisões alocativas governamentais as mais adequadas às populações de duas cidades pequenas?
É relevante refletir a respeito, até porque, por diversas limitações institucionais – recursos financeiros, humanos, tecnológicos, de cultura institucional -, é mais comum que justamente que os menores municípios brasileiros não tenham capacidade adequada de informar com acessibilidade sobre os gastos públicos feitos pelos seus governantes. Na Era da Informação, no Brasil, ainda há o que evoluir quando o assunto é a adequada gestão do dinheiro público.
Notas
[1] Disponível em: LYNCH, Thomas D.; LYNCH, Cynthia E. Philosophy, Budgeting, and the Information Age. In: KHAN, Aman e HILDRETH, W. Bartley. Budget theory in the public sector. Westport: Quorum Books, 2002. Disponível em: blob:https://epdf.pub/030b4bff-6a62-412e-a1bb-c9e8d9296c3f.
[2] Disponível em: MARTELLI, Carla; COELHO, Rony. Avaliar o quê? Os vários sentidos de efetividade no campo de estudos da participação. Opinião Pública, v. 27, n. 2, p. 623-649, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/op/a/CshVfnq6hZkxLHtTxr9nd6f/?format=pdf&lang=pt.
Foto destaque de Karolina Grabowska/Pexels