O que sabemos sobre idadismo em pessoas vivendo com HIV?

O que sabemos sobre idadismo em pessoas vivendo com HIV?

Em 2030, aproximadamente 75% das pessoas vivendo com HIV serão maiores de 60 anos.


Vamos imaginar uma situação. Você vive com diabetes há 30 anos, toma direitinho suas medicações e por isso seus exames estão sempre bons, e agora, aos 80 anos, precisou ir morar em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI). E todas as manhãs a equipe de cuidadores vem e lhe diz: “Sr Milton, está na hora do seu remédio do diabetes!”.

Você sentiria vergonha? Medo? Pediria para o cuidador falar mais baixo para que seus amigos não ouvissem?

Pois bem, acredito que não. Mas agora peço que troque diabetes por HIV, e no lugar de insulina ou metformina, fosse oferecido seu antiretroviral diário.

Dados da UNAIDS[1] estimam que em 2030 aproximadamente 75% das pessoas vivendo com HIV serão maiores de 60 anos, com 40% com 75 anos ou mais. E é aí que nossa reflexão precisa avançar, em mais uma intersecção de discriminações, o idadismo e a sorofobia.

relogio com o simbolo de HIV em fundo rosa

Foto de Leeloo The First/pexels

O primeiro não é novidade para muitos de nós, que militamos pelos direitos das pessoas idosas. Porém, o segundo diz respeito ao desrespeito e preconceito contra pessoas que vivem com HIV, e juntos, sem falar em outras opressões como machismo, capacitismo, racismo e LGBTfobia podem impactar negativamente a saúde física e mental de pessoas idosas.

Por um lado, podem aumentar as chances de a pessoa desenvolver depressão, fragilidade e se isolar. Por outro, volto à situação hipotética do início do texto. Há relatos de pessoas idosas vivendo com HIV que em Instituições de Longa Permanência podem sofrer discriminação ou até reduzir a adesão à terapia antiretroviral e outros cuidados em saúde por conta do estigma relacionado ao vírus.

Tudo isso no século XXI, no qual a revolução tecnológica e científica do seu tratamento tornou uma situação fatal numa condição crônica de saúde. E, mais ainda, com carga viral indetectável, a chance de uma pessoa vivendo com HIV transmitir o vírus é ZERO! Repetindo para ser mais claro: ZERO CHANCES.

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Por isso, dizemos hoje que quem mata não é o vírus, e sim o preconceito. E infelizmente pessoas não se testam ou tem pouco ou nenhum acesso às estratégias de prevenção e tratamento por conta do estigma que ainda existe.

Nesse contexto, quero expressar todas as evidências científicas mostrando que conversar abertamente sobre sexualidade, oferecer estratégias de prevenção adequadas ao contexto de vida de cada um e garantir um cuidado geriátrico e gerontológico às pessoas vivendo com HIV apresentam robustos indicadores de melhores desfechos em saúde.

Por fim, enquanto o HIV continuar sendo tratado como a “Doença do Outro”, parafraseando o querido Ronaldo Serruya, continuaremos separando e hierarquizando pessoas como se algumas fossem mais cidadãs do que as outras. Todos somos diversos, envelheceremos (se tudo der certo) de maneira diversa e devemos ter garantia à cidadania e aos direitos.

Eu posso viver com HIV, você que está lendo essa coluna ou até mesmo sua avó. Dessa forma, vamos sair do caminho com a nossa sorofobia, para que os antiretrovirais passem pela porta das ILPIs e cheguem até você. 

Nota
[1] UNAIDS é o programa das Nações Unidas criado em 1996 e que tem a função de criar soluções e ajudar nações no combate à AIDS. Tem como objetivo prevenir o avanço do HIV, prestar tratamento e assistência, reduzindo o impacto socioeconômico da epidemia.

Foto destaque de cottonbro studio/pexels.


Milton Crenitte

Médico Geriatra, Doutor em ciências pela USP. Coordenador médico do ambulatório de sexualidade da pessoa idosa do HCFMUSP. Professor de curso de medicina da Universidade de São Caetano do Sul. Voluntário da ONG Eternamente SOU.

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Médico Geriatra, Doutor em ciências pela USP. Coordenador médico do ambulatório de sexualidade da pessoa idosa do HCFMUSP. Professor de curso de medicina da Universidade de São Caetano do Sul. Voluntário da ONG Eternamente SOU.

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