Cuidar é saber entrar e tocar o mundo de outra pessoa. É aprendizado… no fundo a relação de cuidar e ser cuidador tem um papel a cumprir…
É uma bênção inestimável receber amor. Mas, quando a gente dói, precisa cuidar da própria dor com o carinho com que gostaríamos de ser cuidados pelos outros. Com a atenção e a suavidade com que tantas vezes cuidamos de outras vidas. Os beijos bons precisam começar em nós. (Ana Jácomo)
Escrevi e reescrevi esse texto inúmeras vezes, na tentativa de parafrasear a filósofa francesa Simone de Beauvoir em “Não se nasce mulher…torna-se mulher”… em uma busca por mostrar que não se nasce cuidador… torna-se cuidador…, mas foi em vão.
Retornei ao início de nossas histórias, atrás de papéis que sinalizassem a semente do cuidado sendo plantada, inserida de alguma forma em cada um de nós. Encontro então, a grávida que, está à espera de seu filho e, enquanto espera… cuida para que ele esteja bem e com saúde; a garotinha que cuida de sua boneca como se viva estivesse, a carrega para todos os lados e se preocupando se está frio, com fome, com sono; o irmão mais velho que, por ser o ‘mais velho’, torna-se responsável pelo cuidado dos irmãos menores; o pai que sai para trabalhar, e deixa a filha mais velha tomando conta da mãe doente; ainda há aqueles que cuidam de um animal de estimação como filhos.
CONFIRA TAMBÉM:
Muitas são as formas de cuidar, que me fazem refletir, sobre a maneira como elas são instaladas na nossa vida, desde muito antes de “sermos” no mundo, e a influência que essas sementes podem ter, na plantação adulta, quando frente a determinadas situações, somos convocados a … cuidar!
Preparados ou não, um dia todos cuidaremos de alguma forma… seja do que, e de quem for… ocuparemos essa posição que, nem sempre é uma escolha. Na maioria das vezes, essa posição é escolhida de forma automática, e quando vemos, já estamos ocupando esse lugar.
Fácil? Nem sempre. Difícil? Pode ser. Tudo se torna menos exaustivo quando o cuidador compreende que precisa e necessita estar bem para ofertar cuidado a outra pessoa, pois do contrário, alguém vai adoecer primeiro. É uma longa jornada de aprendizados… de cultivar paciência… resiliência… amorosidade… reciprocidade.
Do contrário, também temos as sementes que ninguém voltou para regar… e mesmo secas… insiste-se. Esse, é aquele cuidado sem afeto, sem proximidade, e muitas vezes por ‘obrigação’ do fazer. Não podemos romantizar o cuidar, pois ele é mais complexo do que muitos imaginam. Feliz para uns, tortura e peso para outros… aqui não nos cabe julgar a história de vida, tampouco a dor de ninguém.

E quem cuida, afinal?
Não me aprofundo em questões familiares, apenas pontuo o quanto o cuidado é feminino, e na maioria das vezes, solitário… são esposas, filhas, netas, sobrinhas, alguma figura feminina próxima, a qual a responsabilidade do cuidar se sobrepõe, principalmente dentro das famílias. Isso não quer dizer que, homens não cumpram muito bem o papel de cuidar… ele acontece…, mas ainda em pequena escala.
A família no seu tempo cronológico, passa a sofrer com as consequências naturais da evolução humana, destacando o envelhecer, com doença ou não, tomando para si a responsabilidade pelo cuidar, o cuidar dos mais velhos… aqueles que nos cuidaram um dia… então, tem-se a ideia de que seremos pais de nossos pais… Não … Espera!
Não seremos pais de nossos pais, não existe uma inversão de papéis ou funções familiares, por mais que, em algum momento, o cuidado seja comparado ao cuidar da infância, por exemplo. O que existe é troca… de afeto… de amor… de respeito encontrando um caminho de volta.
Cuidar é saber entrar e tocar o mundo de outra pessoa.
É aprendizado… no fundo a relação de cuidar tem um papel a cumprir… e cada um sabe qual a sua missão neste processo… Acertos e erros surgem para ensinar a fazer diferente. É preciso respeitar o tempo e a história de vida das pessoas envolvidas no cuidar. É preciso ouvi-las, compreendê-las, acolhê-las.
É preciso cultivar sementes para que a plantação seja contínua.
Fotos: Pixabay
