Da mesma forma que Magritte tensiona uma imagem afirmando que não é um cachimbo, imagine duas pessoas nuas e abaixo escrito “Isto não é sexo” ou “Isto não é sexualidade”.
Muitos devem conhecer ou já viram um dos quadros mais famosos do pintor surrealista belga René Magritte, no qual vemos um cachimbo e abaixo dele a seguinte frase: “Ceci n’est pas une pipe (Isto não é um cachimbo)”, o que nos leva a algumas reflexões relacionadas à linguagem, à realidade e às representações que aprendemos sobre o que existe ao nosso redor.
Mais do que um pintor, em alguns momentos ele se definia como um filósofo que pintava e através de sua arte podemos pensar que acessamos a realidade através da linguagem, a qual muitas vezes tem uma relação arbitrária e não orgânica.
CONFIRA TAMBÉM:
E com esse questionamento quero refletir hoje sobre o que é sexo e o que é sexualidade. Da mesma forma que ele tensiona uma imagem e sua representação afirmando que aquele não é um cachimbo, imagine duas pessoas nuas e abaixo escrito “Isto não é sexo” ou “Isto não é sexualidade”. Com toda a certeza, não é mesmo. Trata-se de uma representação do que seria sexo ou sexualidade, mas quero ir além nesse texto.
Se eu pedir para que você, caro leitor ou leitora, que feche os olhos e imagine uma representação do que seria sexo ou sexualidade, estariam duas ou mais pessoas idosas nuas se relacionando? É por isso que me inspirei muito nesse pintor belga para o artigo do mês.
Magritte questiona também em outras obras o que há de visível e invisível no visível. E pode parecer tudo muito confuso ou erudito, mas esses questionamentos vêm ao encontro de nossa caminhada contra o idadismo e para a liberação sexual de pessoas idosas.
Somos frutos da cultura na qual estamos inseridos e mesmo a nossa imaginação, nossos gostos e rechaços estão povoados por todo esse imaginário que não são meros acidentes, mas sim construídos ao longo dos séculos. Além disso, poderíamos discutir por horas e horas a respeito dessa relação entre linguagem, realidade e representações, mas um outro aspecto que gostaria de destacar é o de que nossa linguagem também está muito ligada às funções apresentadas, que aprendemos, de cada “coisa” ou “objeto”.
Por exemplo, se um estrangeiro perguntar a você o que é uma “mesa”, você responderia que seria um objeto no qual colocamos pratos e realizamos refeições. Mas será que se esse mesmo estrangeiro chegou ao Brasil após um naufrágio e no barco onde estava havia uma mesa e ela foi o que o salvou ajudando-o a flutuar até a costa, ele talvez definiria esse objeto como barco ou colete salva-vidas.
Pois bem, da mesma forma que “mesa” pode ser algo completamente diferente baseado na função que exerce para cada pessoa, os “órgãos sexuais” também caminham nesta direção. Por anos, fomos ensinados que apenas genitais seriam considerados aparelhos utilizados no sexo e na expressão de nossa sexualidade. Entretanto, o que Magritte ou nosso amigo náufrago podem nos indicar é que isso foi um conceito ensinado, e da mesma forma pode ser desconstruído e/ou expandido.
Nesse cenário, tanto as pessoas idosas podem e devem fazer parte das nossas representações do que seria sexo e sexualidade, quanto qualquer parte do nosso corpo como cabelo, pele, joelho, orelhas, ânus ou qualquer outro orifício pode ser chamado de “órgão sexual”.
Por mais arte, por mais vida e para que cada um possa ter a liberdade de decidir se “isto não é um cachimbo”, convido todes para essas reflexões que, uma vez iniciadas, nos levarão a novas descobertas cada vez mais prazerosas.
Podcast EnvelheSER caxt: https://www.youtube.com/@envelhesercaxt