Junho violeta e o alarmante número de violências contra a pessoa idosa

Junho violeta e o alarmante número de violências contra a pessoa idosa

A população idosa é vítima de violações de direitos de várias ordens, sendo, igualmente, vítima de violências de muitos tipos, há incontáveis anos.


O mês de junho é também conhecido como Junho Violeta, sendo o dia 15 do referido mês reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Mundial da Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa. Toda a população mundial, em especial à pertencente aos países que integram a ONU, busca por uma conscientização social e coletiva com relação à necessária garantia de direitos aos mais longevos.

Essa conscientização se faz necessária, no caso da população brasileira, com relação aos direitos daqueles que no Brasil têm 60 (sessenta) anos ou mais, e que são, portanto, considerados como pessoas idosas, de acordo com a Lei Federal nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto da Pessoa Idosa).

A população composta por pessoas idosas é vítima de violações de direitos de várias ordens, sendo, igualmente, vítima de violências de muitos tipos, há incontáveis anos.

De acordo com a ONU, a violência contra a pessoa idosa pode ser definida como um ato único ou repetido, ou ainda como uma omissão, que causa à vítima idosa algum dano físico ou aflição, e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança.

O Estatuto da Pessoa Idosa prevê em seu artigo 4º e no parágrafo primeiro do mencionado artigo que nenhuma pessoa idosa será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e que todo atentado aos seus direitos, seja por ação ou por omissão, será punido na forma da lei, disciplinando ser dever de todos, prevenir a ameaça ou a violação aos direitos de pessoas com 60 anos ou mais.

Observado o entendimento da ONU sobre a violência contra a pessoa idosa e considerada a disposição legal prevista no Estatuto da Pessoa Idosa, uma triste realidade nos cerca e nos faz refletir: a dos alarmantes números sobre os casos de violências praticadas contra as pessoas idosas já no início do ano de 2023.

De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, “nos primeiros três meses de 2023, as violações de direitos humanos contra pessoas idosas alcançaram 202,3 mil registros em todo o país. O número é 97% maior se comparado com o mesmo período de 2022, quando foram registradas 102,8 mil violações – esses números podem envolver um número menor de pessoas físicas, pois uma denúncia pode ser registrada a respeito de mais de uma violação”[1]

É absolutamente inaceitável o número evidenciado, em especial porque não há como afastar dele a afirmação de que se trata do reflexo de uma subnotificação de casos, o que pode torná-lo ainda maior.

Por haver entre as partes envolvidas nas práticas de violência uma relação na qual exista expectativa de confiança, de acordo com o que disciplina a ONU, muitas são as situações que não são levadas ao conhecimento das autoridades, o que tem como consequências mínimas a impossibilidade de registros de suas práticas, de suas apurações e de responsabilização dos seus autores.

A pessoa com 60 anos ou mais, em inúmeros casos, pode não realizar qualquer acionamento das autoridades competentes em busca da responsabilização de seu(s) agressor(e)(s) por incontáveis motivos, já que pode precisar e/ou depender dessa(s) pessoa(s) por razões absolutamente particulares ou porque simplesmente não possui condições pessoais, físicas e/ou psíquicas de realizar tal conduta, por exemplo.

Ademais, não há como se afirmar que todos os que são sabedores de práticas de violência cometidas contra a pessoa idosa, serem pessoas que buscam por medidas que se fazem necessárias à proteção dos mais longevos, já que a ação ou a inércia dos que tomam conhecimento dos atos de violência são fundadas em motivos igualmente particulares, como indiferença ou empatia, dentre tantos outros.

Porém, fato é que a população brasileira envelhece num processo cada vez mais crescente e irreversível, na medida em que os anos passam, e segue sendo vítima de etarismo – muito pelo não enfrentamento da velhice e do envelhecimento com a seriedade e com as particularidades que a questão envolve, por boa parcela da população – e sofrendo, em conjunto a esse cenário, com a prática de atos de violência em números cada vez mais alarmantes, na mesma dimensão de tempo e de espaço.

Pessoas com 60 anos ou mais no Brasil têm se tornado cada vez mais vítimas dos vários tipos de violência, a saber: violência física, violência psicológica, violência financeira /patrimonial, violência institucional/ abandono/ negligência e ainda violência sexual, sendo que a conscientização social e coletiva sobre esse assunto nunca se fez tão urgente.

Um maior conhecimento a respeito das disposições legais vigentes, em especial com relação ao que disciplina o Estatuto da Pessoa Idosa, a realização de campanhas de divulgação sobre o tema, por todos os meios de comunicação que o façam de maneira séria e isenta de Fake News, um compromisso real por parte do poder público com a Estratégia Brasil Amigo da Pessoa Idosa, tem como objetivo afirmá-lo e dar efetividade ao Estatuto da Pessoa Idosa, de modo a garantir o exercício dos direitos das pessoas idosas e propor políticas públicas para as especificidades deste grupo populacional[2], dentre outros, são algumas das alternativas.

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Ademais, cada cidadão, dentro da condição biopsicossocial que carrega consigo, precisa compreender com a máxima brevidade de tempo possível a respeito de particularidades fundamentais inerentes à condição humana de existência, em especial a de que envelhecer é parte do verbo viver e a de que respeitar é ato inerente a tudo o que acontece ao longo desse processo. Não há mais como se admitir ou buscar justificar esse cenário tão alarmante em pleno século XXI.

Somos parte de uma sociedade global que passou por duas guerras mundiais, por uma pandemia recente, que ainda enfrenta tantas guerras veladas e outras declaradas, seja do outro lado do mundo ou nas sociedades vizinhas, que tem acesso às tecnologias e às informações e da qual seguiremos integrantes mesmo após nossa morte, com o legado que deixarmos.

Que nosso legado não sejam números de violência. Precisamos compreender que o envelhecimento é uma das maiores conquistas de uma sociedade que sobreviveu a tantos percalços e que sobrevive, diariamente, a tantos outros, e tratar com a devida atenção as particularidades dessa etapa da vida.

Precisamos respeitar nossa história e nossas conquistas, e podemos fazer isso hoje, respeitando as pessoas idosas e, por consequência, a longevidade que nos é prevista.

Não é e nunca será o outro e/ou um problema de outrem. É, sempre foi e sempre será uma questão minha, sua e de todos os que nos são próximos.

Viver é envelhecer. E envelhecer precisa ser a concretização do respeito para com toda e qualquer existência.

Chega de etarismo, basta de violência. Ao menor sinal de qualquer prática nesse sentido cometida contra a pessoa idosa, denuncie, busque ajuda[3]. O longeviver agradece! 

Notas

[1] Fonte: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Brasil registra mais de 202 mil violações de direitos contra pessoas idosas no 1º trimestre de 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/brasil-registra-mais-de-202-mil-violacoes-de-direitos-contra-pessoas-idosas-no-1o-trimestre-de-2023. Acesso em 28 de maio de 2023.

[2] Fonte: Aderir à Estratégia Brasil Amigo da Pessoa Idosa – Sisbapi “Brasil Amigo da Pessoa Idosa”. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/servicos/aderir-a-estrategia-brasil-amigo-da-pessoa-idosa. Acesso em 28 de maio de 2023.

[3] Para buscar ajuda, telefone para o Disque 100 (serviço de denúncias e de proteção contra as violações de direitos humanos, que é gratuito, funciona durante 24 horas por dia, nos 07 dias da semana); vá até uma Delegacia de Polícia Civil mais próxima; ligue para a Polícia Militar (pelo número 190); busque pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Assistência Social e/ou pelo Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa que seja mais próximo(s).

Imagens: divulgação


Natalia Carolina Verdi

Advogada, Mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP, Especialista em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito, Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, Professora, Palestrante, Autora, Presidente da Comissão de Direito do Idoso para o ano de 2022, junto à OAB/SP – Subseção Penha de França. Instagram: @nataliaverdi.advogada www.nataliaverdiadvogada.com.br E-mail: [email protected]

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Advogada, Mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP, Especialista em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito, Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, Professora, Palestrante, Autora, Presidente da Comissão de Direito do Idoso para o ano de 2022, junto à OAB/SP – Subseção Penha de França. Instagram: @nataliaverdi.advogada www.nataliaverdiadvogada.com.br E-mail: [email protected]

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