Somos atravessados pela sexualidade do nascer ao fim da vida, sempre lembrando que ela se refere a algo maior do que o ato sexual
A Dra Ana Claudia Quintana Arantes, médica geriatra e paliativista, tem um livro muito interessante: “A morte é um dia que vale a pena viver”. Nele, apesar do título falar sobre morte, sua principal reflexão se refere às nossas vidas e à busca constante de autonomia, dignidade e respeito, inclusive na finitude.
Sua especialidade, os cuidados paliativos, são uma abordagem multidisciplinar para manutenção de qualidade de vida e alívio de qualquer forma de sofrimento que a pessoa possa enfrentar frente a uma doença grave, incurável ou ameaçadora da vida.
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Mas será que há espaço para discussões relacionadas à expressão da sexualidade neste contexto? E já respondo: se for negativa a resposta, há uma urgência em mudarmos tal paradigma. Isso porque somos atravessados pela sexualidade do nascer ao morrer, sempre lembrando que ela se refere a algo maior do que o ato sexual.
Ao longo da vida podemos mudar nossos repertórios, descobrir partes desconhecidas de nossos corpos ou até mesmo deslocar interesses e desejos. O abraço, o banho, o carinho, a conchinha, a música que ouvimos juntos, o segurar na orelha, o beijo, as mãos, o creme nas costas e até mesmo uma relação sexual: tudo é expressão da sexualidade.
Mas imagine agora um casal que está casado há muitos anos e uma das pessoas, vivendo com uma doença grave, precise ser internada. Será que a equipe vai acolher, respeitar ou estimular as expressões sexuais deste casal? Ou até mesmo quantas serão as dúvidas que eles possam ter nesse quesito?
Alguns indivíduos podem ter receio de piorar a doença da parceria. Outros, geralmente os acometidos pela doença ameaçadora, apresentarão mudanças em sua autoimagem e também na sua capacidade em sentir prazer, estabelecer novas relações ou de sentirem-se desejados ou desejantes.
Nesta intersecção entre sexualidade, cuidados paliativos e finitude, eu gostaria de trazer uma premissa: “Não devemos atrapalhar”. Um comentário maldoso, um julgamento desnecessário ou uma percepção pessoal preconceituosa sobre o tema podem gerar mais sofrimento, em um momento permeado por tantas dificuldades físicas, psíquicas, espirituais e sociais.
Quanto antes esse assunto for abordado por algum membro da equipe, melhores serão os resultados. E todos os profissionais da saúde podem refletir sobre suas percepções e capacitações para acolherem, respeitarem e autorizarem a sexualidade de seus pacientes.
Voltando à pergunta iniciada no título, não sou eu quem vai trazer alguma resposta sobre se irei ou não ter relações sexuais na minha morte. Isso nunca saberemos. Porém, independente de eu ter ou não libido sexual em minha finitude, tenho a certeza de que gostaria de ser visto como um corpo com demandas, desejos, gostos e afetos.
E você, com quem irá transar no fim da vida?
Serviço
Podcast EnvelheSER caxt: https://www.youtube.com/@envelhesercaxt
Foto destaque de Sh-Andrei/pexels