A resistência aos antimicrobianos surge como uma pandemia silenciosa.
Por Gabriel Taddeucci Rocha, Raquel Regina Bonelli e Wellington Felipe Costa (*)
A Semana Mundial de Conscientização da Resistência aos Antimicrobianos, realizada em novembro pela Organização Mundial da Saúde e instituições de saúde animal, meio ambiente e alimentos, chamou a atenção da sociedade para este problema de saúde pública. Segundo estimativas de artigo publicado recentemente na revista científica The Lancet, 4,95 milhões de mortes foram associadas à resistência aos antimicrobianos somente em 2019, com 1,27 milhões podendo ser diretamente atribuídas a ela. Esses dados revelam a extensão do problema, que afeta países de todos os níveis de desenvolvimento, caracterizando a resistência aos antimicrobianos como uma pandemia silenciosa.
De fato, hoje não é raro que infecções hospitalares sejam causadas pelas chamadas “superbactérias”, capazes de resistir a todos ou quase todos os antibióticos que já foram eficazes contra elas. Mas pesquisas científicas já evidenciam a ocorrência de bactérias resistentes em indivíduos saudáveis e até em animais silvestres, além da presença em alimentos e águas contaminadas por esgotos ou dejetos humanos.
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A resistência aos antimicrobianos amplificada nos hospitais é um fenômeno conhecido; no entanto, é importante destacar que o uso de antimicrobianos na comunidade – em humanos, animais domésticos e de produção – também exerce pressão seletiva para a evolução da resistência. Resíduos de antimicrobianos presentes no ambiente, resultantes de descarte inadequado ou eliminação ativa após tratamentos, podem ter o mesmo impacto no meio.
A evolução da resistência ocorre ao acaso, por seleção de bactérias capazes de sobreviver, mutações acionadas sob stress ou aquisição de genes de outra bactéria. Esses são processos naturais amplificados pela ação humana; no entanto, a medicina moderna não pode abrir mão dos antibióticos. Assim, é importante que medidas sejam tomadas para preservar a eficácia destes medicamentos.
As medidas mais elementares são aquelas que previnem infecções, como práticas de higiene, vacinas e o acesso à rede de esgoto e água potável. O uso de antibióticos, quando necessário, deve ocorrer apenas com prescrição médica; e restos de medicamentos, mesmo vencidos, devem ser descartados apenas em farmácias ou postos especializados. Na agropecuária, boas práticas de manejo diminuem a dependência de antimicrobianos na saúde animal.
Para os dejetos hospitalares, são necessários sistemas eficientes para reduzir a carga de bactérias resistentes ou seus genes, evitando que estes persistam no ambiente. Além disso, é importante que haja um monitoramento da situação epidemiológica em cada hospital ou cidade, orientando escolhas terapêuticas e medidas de contenção sempre que necessário.
A resistência aos antimicrobianos é um desafio global de saúde pública que requer ações locais e comprometimento individual, alertam os especialistas em saúde e ambiente.
(*) Gabriel Taddeucci Rocha é microbiologista e pesquisador em nível de doutorado na área de resistência a antimicrobianos em humanos no Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Raquel Regina Bonelli é doutora em Microbiologia Farmacêutica, professora no Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora na área de resistência a antimicrobianos em alimentos e produção agropecuária. Wellington Felipe Costa é biomédico, doutor em Microbiologia e pesquisador na área de resistência a antimicrobianos em matrizes aquáticas na UFRJ.
Opinião
Resistência aos antimicrobianos: a importância da agenda política para combater ameaça à saúde global, por Juliana Silva Corrêa (*)
A resistência aos antimicrobianos é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma das dez maiores ameaças à saúde global. Um Plano de Ação Global de prevenção e controle foi publicado pela OMS em 2015 para orientar os países signatários a desenvolverem suas agendas.
A resistência aos antimicrobianos ocorre quando bactérias, fungos, parasitas e vírus experimentam alterações genéticas e não respondem mais aos medicamentos utilizados para o tratamento de infecções, como antibióticos, um fenômeno natural que intensifica-se devido ao uso excessivo e inadequado de antimicrobianos. Estimativas recentes demonstram que globalmente a RAM esteve associada a quase 5 milhões de mortes. No Brasil, mais de 33 mil pessoas morreram por infecções resistentes e 137,9 mil óbitos foram associados à resistência aos antimicrobianos.
O combate a resistências aos antimicrobianos envolve ações coordenadas sobre o uso de antimicrobianos, controle e prevenção de infecções na saúde humana, animal e ambiental. Algumas ações necessárias são: políticas de regulação sobre o uso, descarte adequado de antimicrobianos, investimento em capacitação para monitoramento e vigilância, desenvolvimento e inovação para produção de novos medicamentos e vacinas.
Recentemente, o Brasil produziu o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Saúde Única (PAN-BR), coordenado pelo Ministério da Saúde (MS) e desenvolvido em parceria com atores como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
No entanto, há inúmeros desafios para o avanço dessa agenda no país, que passou por um período de estagnação durante a transição político-governamental em 2019 quando houve a extinção dos comitês responsáveis pelo tema no MS, MAPA e ANVISA, além da pandemia de Covid-19 em 2020, que mobilizou de recursos e aumentou o uso de antimicrobianos entre a população.
E é urgente que o tema esteja na agenda de gestores, profissionais de saúde, pacientes e sociedade, para tanto, é necessário investir e disponibilizar evidências sobre os impactos clínicos, sociais e econômicos da resistências ao antimicrobianos no contexto nacional, envolvendo a participação social.
Em paralelo, a ação ministerial com envolvimento dos governos estaduais e municipais é essencial para avançar nos debates. Desde a publicação do Plano de Ação Global, o tema é abordado em todas as reuniões na área da saúde no G20. E, a Reunião de Alto Nível da Nações Unidas sobre resistência antimicrobiana é mais uma oportunidade para que o país se aproprie de fato dessa agenda, propondo soluções mais alinhadas ao contexto dos países de baixo e médio desenvolvimento, oferecendo alternativas e soluções para a prevenção de problemas.
(*) Juliana Silva Corrêa é pesquisadora em saúde pública na Escola de Administração de Empresas de São Paulo na Fundação Getulio Vargas e pesquisadora associada no Instituto Paulista de Resistência aos Antimicrobianos
Fonte: Agência Bori
Foto: Unsplash