Para quem tem um familiar com alguma demência sabe muito bem o quanto pequenas coisas têm um valor inestimável. No relato de hoje, Tatiana conta a importância de um sorvete para sua mãe com Alzheimer. Um sorvete, que custa tão pouco mas vale muito, e faz toda diferença na relação entre Francisca e sua filha.
Tatiana Maria Menezes (*)
Você sabe o valor de um sorvete? Provavelmente menos que 5,00 reais. E você sabe o quanto é valioso e provoca uma sensação de prazer, fazendo uma pessoa idosa sorrir? Pequenos gestos são importantes. E tenho aprendido isso nestes últimos anos com minha mãe, todos os dias. Seja por meio de um telefonema com as perguntas que se repetem, ou nos acompanhamentos às consultas. Todos os dias observo o quanto pequenas coisas que não damos importância têm um valor imenso e fazem toda diferença em nossa comunicação. Em nossa relação.
No ano de 2014 a situação de saúde da minha mãe começou a dar sinais de que os efeitos do processo de envelhecimento estava se acentuando. Sua memória já não era mais a mesma, as habilidades do dia a dia também estavam mais lentas e as dores pelo corpo começaram a serem mais frequentes. Para uma senhora de 77 anos ela estava muito bem, era sorridente e animada, de bem com a vida, sóbria de tudo, com leitura afiada, pois todos os dias lia a bíblia e cantava seus louvores sem esquecer nenhuma estrofe. Além disso usava o celular, fazia comida, se cuidava, porque a vaidade ela nunca perdeu…
Mas a estrutura física do ser humano começa a ficar mais frágil, e o corpo muitas vezes se descola da mente, avisando que chegou a hora de diminuir as atividades. “A história de Francisca”, nome de minha mãe, já foi contada aqui no Portal do Envelhecimento por mim no ano passado.
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Foi o que aconteceu com minha mãe. De pessoa superativa ela passou a ser outra, com o passar dos anos sua vida foi se modificando e fomos descobrindo, juntas, outros prazeres da vida.
No ano de 2015 foi diagnosticada com doença de Alzheimer em estágio leve, mas ainda continuava ativa, porém com alguns esquecimentos. E é nisso que quero chegar, onde o pouco vale muito.
O valor de um telefonema, por exemplo. Eu telefonava para minha mãe todos as manhãs e todas as noites e isso significava muito para ela e muito mais para mim, que era atendida com um “Bom dia filha eu sabia que era você”. Eu adorava essa frase porque sabia que ela não estava esquecendo de mim e que esperava essa ligação. Ela me perguntava como eu estava e eu falava e muitas vezes ríamos e a conversa se estendia.
Então ela perguntava de novo: “filha, como você está?”. E eu repetia e daqui a pouco de novo e de novo, mas para mim e para ela era importante, pois estávamos conversando, estávamos em contato, e Glória a Deus por isso!
Praticamente toda semana tinha consulta com a equipe interdisciplinar do hospital em que ela era atendida e o dia da consulta era um dia sempre esperado por ela, sabe por quê?
Porque era o dia do sorvete. Sim, o dia que saímos para lanchar depois da consulta.
Ela se arrumava, passava batom, colocava um perfume de bebê e me dava 20,00 reais.
– Toma filha, é o dinheiro da nossa merenda.
Tão pouco, mas com um valor imenso, pois isso ela não esquecia.
Quando entrávamos no carro ela logo dizia: “é agora o sorvete?”
Ríamos e íamos conversando até o shopping. Chegando lá me dava 20,00 reais e dizia “é o dinheiro do lanche”. Eu agradecia e colocava novamente na sua bolsa e daqui a pouco de novo. De novo. De novo…
O meu maior medo era que um dia ela se esquecesse e não pedisse mais o sorvete, por isso para mim era tão importante aproveitar esses momentos com ela. Sabia que a doença poderia progredir e provavelmente não teríamos mais esses passeios.
Um telefonema, uma visita, um abraço, um passeio no parque ou um sorvete, não importa o que for, o que importa é que o pouco vale muito.
E para você, que também cuida de uma pessoa querida com Alzheimer, o que é pouco e vale muito?
(*) Tatiana Maria V. de Menezes, serviço social, caçula de três, cuidadora principal. Fotos: arquivo familiar. E-mail: [email protected].