“Como bom jornalista que é, Ted C. Fishman gosta de uma boa história. Daí que começa Shock of Gray com uma muito próxima, a dos próprios pais, para ilustrar duas faces do mesmo dominó: a velhice. Enquanto a mãe, na casa dos 80, ainda rebola num concerto tributo ao Led Zeppelin e nada no Lago Michigan, o pai muito antes disso entrou num processo degenerativo, que o deixou totalmente dependente da família”, assim Mônica Munir inicia sua matéria “Invasão Grisalha” no jornal “O Estado de S.Paulo”.
Luciana H. Mussi *
As diferenças percebidas no processo de envelhecimento e/ou os dois lados da moeda chamada “velhice” somadas a relação que estabelecemos com aqueles que já chegaram “nos muitos anos de vida”, produzem histórias – algumas muito íntimas, quase familiares – que viram livros e que por competência, ou não, se transformam em verdadeiros best sellers. É o caso do livro de Ted C. Fishman, experiente jornalista econômico, autor de “China S.A.”, lançado em 2006.
O que torna esses livros tão fascinantes? Talvez, a proximidade deste “contar da vida” seja fator determinante para nos sentirmos tão íntimos do autor e de suas experiências, relatos e vivências. E quando o assunto é envelhecimento e família, todos; eu, você e mais alguns, temos algo para dizer. Sem falar que a velhice é democrática, chegará, queremos ou não.
O foco do trabalho de Ted é o “envelhecimento da população mundial e como ele coloca jovens contra velhos, filhos contra pais, trabalhadores contra patrões, empresas contra rivais e nações contra nações”, explica Mônica. Como diz a jornalista, “o choque grisalho traz expansões de civilidade, de círculos sociais e de investimentos na ciência em busca da expansão maior, a imortalidade”.
Shock of Gray foi lançado em 2010 e, na época, ainda não se cravava 1 bilhão de idosos em dez anos, dado que a ONU divulgou no mês de outubro. Mônica conta que “um pouco antes da entrevista o jornalista havia feito uma palestra para 1.100 executivos da segurança pública sobre como a polícia, os bombeiros e outros serviços de emergência devem se adaptar a um mundo em que, a cada segundo, duas pessoas celebram o 60º aniversário”.
Entrevista
Acompanhe a seguir alguns trechos extraídos da entrevista, em que Ted C. Fishman fala sobre seu livro (Shock of Gray) e, consequentemente, o futuro de nosso longeviver.
Quem sofrerá e quem se beneficiará com 1 bilhão de idosos daqui a dez anos?
Ted C. Fishman – Um mundo de idosos implica enormes desafios em diferentes frentes. O envelhecimento da população se propalou por dois motivos: o prolongamento da vida em si e o fato de muitas famílias serem menores do que há uma ou duas gerações. Se continuarmos construindo redes de seguridade social nos moldes dos anos 1930, 50 ou 80, os países irão à bancarrota e todos os cidadãos vão sofrer. E, se não encontrarmos maneiras de cuidar do crescente e imenso grupo de pessoas que não tem filhos, então centenas de milhões no mundo se encontrarão sozinhos e isolados quando mais velhos. Acho, no entanto, que o aspecto mais importante de um mundo envelhecido é que o benefício é maior que o sofrimento. O fato de as pessoas estarem morrendo mais tarde significa que a humanidade está ganhando o maior tesouro de todos: mais vida. É o que sempre desejamos desde que começamos a misturar ervas em tigelas e conversar com espíritos nas árvores. O economista Robert Fogel, Nobel de Economia, destacou que por 7 mil gerações não houve grandes alterações na longevidade. Isso começou a mudar a partir do século passado, e agora as pessoas normalmente vivem 40 anos mais. Isso é maravilhoso.
Mas ainda não alterou o tom pejorativo que cerca a palavra “velho”.
Ted C. Fishman – “Velho” é uma expressão escorregadia, usada de forma diversa pelas diferentes culturas. Quando se pergunta a um americano com quantos anos ele se sente, ele geralmente se dá 15 anos a menos que a idade, porque a valorização da juventude é muito alta aqui. Já um japonês responde com dez anos a mais, porque eles veneram a velhice e sentem que, com ela, ganham sabedoria. Há também uma divergência sobre quem é velho ou não no trabalho e fora dele. Quando empregadores e estatísticos tratam de trabalhadores mais velhos, tendem a pensar naqueles com mais de 50. Mas, na maioria dos estilos de vida, os 50 anos se encaixam na meia-idade. Claro que, se você joga futebol ou precisa dar um sprint na Olimpíada, ter 30 anos é muito. Mas, se aspira a ser papa, ainda é jovem de tudo.
Como preparar nossa sociedade para mais idosos e menos carrinhos de bebê?
Ted C. Fishman – Um caminho é melhorar o condicionamento físico para que os mais velhos continuem ágeis. Além disso, com pessoas vivendo tanto, teremos que redesenhar o espaço físico das nossas comunidades para torná-las mais acessíveis. Em Shock of Gray eu descrevo um lugar em Tóquio chamado Sugamo, algo como a Broadway ou os Champs-Élysées, só que dirigido à faixa dos septuagenários. A maior parte dos consumidores exibe uma forma física notável e consegue se divertir muito. Para tanto, as ruas se tornaram mais “suaves”, de tal forma que bengalas e andadores não se enrosquem nas calçadas, por exemplo. Os vendedores das lojas também foram treinados para lidar com uma clientela que tem dificuldade para ouvir e para enxergar de perto e que, às vezes, também parece um pouco desorientada. O transporte público é essencial em lugares assim, e criar meios de locomoção que os idosos possam usar confortavelmente e em segurança é essencial para ajudá-los no acesso aos serviços e à interação social de que precisam para se manterem saudáveis e felizes (…).
A medicina convencional sabe como tratar os idosos?
Ted C. Fishman – Sim, os avanços na medicina são um ingrediente chave para a longevidade. Ainda assim, pessoas mais velhas podem sofrer de tratamento excessivo. Em geral, sintomas que parecem estar relacionados à idade são, na verdade, resultado da sobreposição de medicamentos. Um bom geriatra muitas vezes começa o tratamento de uma pessoa de idade tirando todos os remédios que ela vem tomando até então.
Estamos mais próximos da imortalidade? Ou mais perto de um infinito controle de doenças crônicas?
Ted C. Fishman – Nem uma coisa, nem outra. Mas, se você vai frequentemente a consultórios médicos, sabe que leva uma eternidade para ser atendido.
No Brasil, que tem cerca de 23,5 milhões de idosos, a previdência é identificada como o principal problema decorrente do envelhecimento da população. O processo todo foi pensado como se fôssemos viver, no máximo, até os 70. Como isso se dá nos EUA?
Ted C. Fishman – Nos EUA, pesquisas mostram que a insegurança quanto à aposentadoria é o grande medo dos americanos. O tema é tão complicado que os políticos evitam discuti-lo, então se prorroga o problema ad infinitum.
Ao mesmo tempo, mais da metade dos mais velhos no Brasil sustenta a família.
Ted C. Fishman – Existe uma grande desconexão em relação à forma como os recursos são transferidos entre as gerações. Na maior parte dos países industrializados, pensões e custos com o sistema de saúde transferem recursos dos trabalhadores mais jovens para os mais velhos e dependentes. No entanto, no seio das famílias, a transferência se dá dos mais velhos para os mais novos. Uma das razões para as pessoas estarem tão preocupadas quanto à previdência social, a ponto de sair às ruas para protestar a respeito, é que desejam o dinheiro para contribuir com a saúde e a educação dos netos. Uma vantagem das famílias menores, com uma ou duas crianças, é que o dinheiro dos pais e dos avós pode ser direcionado para uma educação mais completa, em vez de uma educação parcial para quatro, cinco ou seis crianças. É um gasto privado que ajuda os países a desenvolver seu capital humano.
Você afirma no livro que o envelhecimento da população mundial pode acelerar a globalização. Como isso acontece?
Ted C. Fishman – O envelhecimento acelera a globalização porque os empregos e o dinheiro investido migram para os países mais jovens, nos quais a mão de obra é barata e as populações rurais ainda estão indo para as cidades. Uma vez que essa migração se dê, o tamanho das famílias passa a diminuir, as crianças têm uma educação melhor, mulheres podem frequentar as escolas e conseguir melhores empregos e o valor do mercado e da mão de obra local crescem. A partir daí aquele país promissor começa a procurar lugares nos quais investir e conseguir mão de obra mais barata, e o ciclo inteiro se repete. Nesse sentido, um mundo envelhecido é um mundo mais próspero.
Está prevista sua vinda ao Brasil na semana que vem para um simpósio de economia global. O que já sabe do País quanto a sua demografia?
Ted C. Fishman – O que sei é que o Brasil pode tirar vantagem do tão famoso “dividendo demográfico”. É quando o número de nascimentos está diminuindo ao mesmo tempo em que a população de jovens está chegando ao seu clímax e seus pais ainda continuam saudáveis. Juntas, essas tendências significam que o país tem muitas pessoas em idade produtiva e relativamente poucas pessoas dependentes, sejam crianças ou idosos. Para muitas nações, isso simboliza o período de máximo crescimento. Em geral acontece uma única vez. O Brasil pode capitalizar isso ou então desperdiçar a oportunidade por causa da corrupção generalizada e do planejamento econômico politicamente popular, porém instável. Mas acho que não é de forma alguma o pior caso – e ainda pode vir a ser um dos mais bem-sucedidos.
Shock of Gray foi publicado há dois anos. Que capítulos você acrescentaria a uma nova edição?
Ted C. Fishman – Eu acrescentaria mais dados sobre a América Latina, vista como um bastião da juventude, mas que está envelhecendo mais rapidamente que os EUA, por exemplo.
E como está sua mãe? Viajando?
Ted C. Fishman – Minha mãe acaba de voltar da Índia, para onde foi pela primeira vez, e sozinha. Ela fará 85 anos em janeiro.
Referências
HARNEY, A. (2010). This Old World. Disponível Aqui. Acesso em 03/10/2012.
MANIR, M. (2012). Invasão grisalha. Disponível Aqui. Acesso em 07/10/2012.
VÍDEO (2012). Ted Fishman, “Shock of Gray”. Disponível Aqui. Acesso em 03/10/2012