Quando o mundo quebrou

Quando o mundo quebrou

A insegurança se instala principalmente no coração, independente de ser rico ou pobre, jovem ou velho, saudável ou doente. Neste mundo que quebrou, todos com medo. Medo de morrer, medo de sofrer e, sobretudo, medo do amanhã. O que vai acontecer? Ninguém tem a resposta.

Por Ione Almeida (*)


Viver é rasgar-se e remendar-se.” (Guimarães Rosa)


É incrível como um ser, invisível e diminuto, pode ser tão poderoso a ponto de quebrar o mundo, rasgá-lo aos pedacinhos. Quebrar a economia, as relações, as instituições, os governos, países, estados, cidades e vilas. Tudo quebra, para, todos isolados como forma de se precaver: escolas, comércio, indústrias, escritórios, shoppings, museus, enfim, tudo fecha, com exceção de supermercados, padarias, farmácias e serviços essenciais – vitais para a sociedade.

A insegurança se instala principalmente no coração, independente de ser rico ou pobre, jovem ou velho, saudável ou doente. Todos com medo. Medo de morrer, medo de sofrer e, sobretudo, medo do amanhã. O que vai acontecer? Ninguém tem a resposta. Isso é o mais chocante. Fica escancarada a fragilidade humana que, apesar de todo desenvolvimento tecnológico, vê-se nua como o imperador da fábula.

Diante da situação, as reações são diversas. Há os que obedecem as orientações da OMS e tomam todas as precauções; e os que continuam a sair, a se divertir e a se aglomerar, em sua grande maioria jovens que se acham invulneráveis; e a miríade de perfis humanos, que na nossa sociedade ocidental é caracteristicamente individualista. Temos os confiantes (comigo, não) e os cristãos que rezam e pedem em suas orações pela cura, pela serenidade no coração e, acima de tudo, pela força e a coragem para os que estão na linha de frente: médicos, enfermeiros e todos que trabalham em hospitais e serviços essenciais.

Com certeza, como tudo na história e na vida, a pandemia vai passar. Quando? Ainda ninguém sabe precisar. Da mesma forma, ninguém sabe dizer o que o vírus deixará como rastro, como aprendizagem, só ouvindo o próprio.

A quarentena faz as pessoas vivenciarem muitas coisas simples, mas que não faziam parte do seu dia a dia. Mães que nunca cozinharam, lavaram ou passaram têm, nesse momento, que se virar para dar conta de tudo isso, uma vez que estão em casa com seus filhos e sem suas ajudantes. E muitas, certamente, levaram trabalho da empresa para casa em regime de home office. A dupla jornada passa a ser tripla e até quadrupla. Famílias presas em casa sem poder visitar parentes e amigos descobrem novos programas para reuniões online, desenvolvem novas habilidades. A internet é a janela para o mundo. E por ela entram as notícias que a mídia rola e dança para produzir. E vem em cascata. É tanta história, tantas mensagens via aplicativos que as pessoas ficam mais doentes com as notícias do que com o vírus, pânico, ansiedade, depressão.

É melhor ouvirmos o Coronavírus: Desculpem, mas vim mesmo para bagunçar, para que todos reflitam sobre suas vidas e, sobretudo, seus valores. Mas não se preocupem, já vou embora, com certeza serei combatido por algum medicamento, alguma vacina, não me iludo, mas até lá o estrago está feito. Paciência, é a vida, aprende-se pelo amor ou pela dor, neste momento vocês aprendem pela dor, antes tarde do que nunca, pois já é tempo de vocês tomarem consciência do que fazem com a natureza e com seus irmãos, ou não? A escalada do consumo que gira em torno só dos lucros precisa mudar. Não sou contra o crescimento, a evolução, a indústria e o comércio necessário para qualquer sociedade, o que não gosto é de ver todo esse egoísmo exacerbado, a ânsia do lucro a qualquer preço, a concentração de poder e riqueza na mão de poucos enquanto a maioria sofre sem o mínimo para subsistir. Não tenho ideologia alguma, é bom que se diga, não sou vermelho, azul ou muito menos verde e amarelo, só espero que aproveitem esta parada e reflitam sobre um futuro mais humano, uma vida com equilíbrio, sei que é devastador o que faço, mas necessário para que façam uma pausa. Não vejo outra maneira de fazê-los mudar sem um tratamento de choque, sem quebrar o mundo que vocês construíram. No fim, serei vencido, aliás, conto com isso e espero que seja breve, mas o que mais espero é que vocês mudem, encontrem outros valores na hora de reconstruir suas vidas: que os políticos revejam suas práticas; que Deus esteja mais presente no coração de todos; que a humanidade seja, pasmem, mais humana; que tudo pelo qual estão passando não seja em vão. Não vejo a hora da minha morte, pois espero morrer feliz na certeza que vocês estarão honrando, com suas novas vidas, todas as mortes findas.

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(*) Ione Lucia Florêncio de Almeida, 70 anos, mestre em Administração de Empresas, lecionou na FGV, FIA e ESPM, executiva por mais de 25 anos na área de marketing, consultora em Marketing de Relacionamento, Marketing de Serviço, Inteligência de Mercado e Comportamento do Consumidor. Este texto foi inspirado em A menina quebrada de Eliane Brum.

Fotos: Magda Ehlers


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