Eutanásia: triunfo da empatia e da compaixão, ou cultura da morte?

O final da vida está em debate, assim como está em pauta a dignidade da morte quando Portugal acabou de aprovar a eutanásia, o suicídio assistido, pelo Parlamento, permitindo antecipar a morte a quem está em sofrimento.


Merecemos uma morte que nos humanize e em que tenhamos hipótese de morrer de forma que dignifique a nossa existência.” (Joacine Katar Moreira, deputada portuguesa)


A eutanásia continua em pauta. Vários jornais do mundo todo a estamparam em letras garrafais no dia de ontem (20/02) quando em Portugal o “sim” ganhou e finalmente a eutanásia foi aprovada pelo Parlamento. Foram aprovados cinco projetos de lei que despenalizam a eutanásia, ou seja, o suicídio assistido, para portugueses ou estrangeiros que lá residam. A palavra eutanásia significa “morte piedosa”, pois a ideia é antecipar a morte de alguém em terminalidade frente a um pedido dele ou de seus familiares para que possa morrer dignamente e seu sofrimento não seja prolongado. É o que fazemos com nossos queridos animais, que por compaixão, os sacrificamos quando estão sofrendo muito. Os projetos ainda dependem de sanção do Executivo.  E pelas leis atuais, a eutanásia é punível em Portugal com pena de até três anos de prisão.

No Brasil, não existe a tipificação da eutanásia como crime na Constituição de 1988, mas ela é enquadrada como homicídio, e pode também ser classificada como auxílio ao suicídio. O código de medicina considera a prática antiética, a qual consiste em um profissional da saúde, movido pelo sentimento de compaixão para com a situação clínica em que o paciente se encontra, antecipar sua morte, para que este não tenha que lidar com mais sofrimento. Mas não será antiético deixar uma pessoa vivendo como um “vegetal” por anos a fio, por exemplo? A quem interessa essas vidas? À indústria farmacêutica para prolongar a vida das pessoas mais velhas e em sofrimento?

Recentemente, o escritor Valter Hugo Mãe escreveu um artigo que foi publicado no JN,  no qual colocava sua opinião a respeito:

Não sou, naturalmente, contra a opção lúcida de alguém que, assistido por uma bateria de médicos especialistas, encontre apenas na morte uma solução. Não posso ser contra a liberdade das pessoas de mente saudável. O que me parece impossível de conter é a precipitação para a morte dos que se deprimem, dos que se fragilizam sobretudo por falta de um sistema de acompanhamento humano, afetivo e pragmático, que os manteria justificados na vida.”

No mesmo dia em que o artigo de Valter Hugo Mãe foi publicado, o Portal do Envelhecimento divulgou um artigo escrito por mim, intitulado Holanda debate comprimido letal a maiores de 70 anos “cansados de viver”, disponibilizando sem burocracia o comprimido Drion –  gratuitamente – às pessoas acima de 70 anos, que desejassem partir para outra dimensão uma vez que suas vidas aqui não têm mais nenhum sentido. Se por um lado identificamos em vários depoimentos de pessoas próximas com idades avançadas a vontade e o direito de partir, afinal, o prolongamento da sua vida significa sofrimento prolongado, e que, portanto, pode desejar terminá-la; por outro lado, Valter Hugo Mãe nos lembra que a “vulnerabilidade das pessoas, por doença ou velhice, favorece estados depressivos e de abandono que podem propiciar a fantasia da morte”. Por isso ele escreve que,

Tendo em conta o horrível que é a solidão, e tendo em conta o horrível de muitas famílias, pouco solidárias ou disfuncionais, confusas ou oportunistas, imagino bem que pelo cansaço ou pela fúria, por vingança ou ganância, muitos elegíveis para a eutanásia se verão encurralados, como se pedir a morte fosse a única coisa decente a fazer.”

O que está em jogo é na realidade a dignidade da vida e da morte, de quem vive e de quem quer partir, não de qualquer jeito, mas dignamente. E essa dignidade tem a ver com o significado que a vida tem, seja para o planeta, nação, família… Nascer, viver e envelhecer no Jardim Paulista, em São Paulo, é muito diferente de nascer, viver e envelhecer em Pederneiras (também em São Paulo), por exemplo, quando o fosso da expectativa de vida entre um e outro bairro é de 20 anos para cima.

Em terras brasileiras, o que vivenciamos a cada dia é o suicídio social. Vivenciamos a falência de políticas sociais que deveriam garantir a dignidade da vida. Verificamos que a cada dia há menos investimentos na saúde, na educação, nos serviços sociais básicos, levando-nos a crer que por aqui a vida vale cada vez menos. Ou como diz nossa colaboradora Maria do Carmo Guido Di Lascio em seu artigo Mistanásia da exclusão social: “A atual política econômica está promovendo uma eutanásia social. Sem cuidados básicos de saúde nos programas de atenção primária, sem perspectivas de envelhecer com a aposentadoria de pelo menos um salário mínimo, sem poder contar com benefícios sociais de transferência de renda por parte do estado…”. Ou seja, nós, brasileiros, estamos tendo uma morte infeliz em vida.

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Para Valter Hugo Mãe isso é claro, e por isso diz, “a mudança de paradigma, passando de uma humanidade de resiliência para uma de suicidas, só pode aproveitar a estados onde a dimensão social faliu e se espera abreviar encargos por folia com a morte”. Não tiro a razão do escritor e em muito concordo com ele, mas pessoalmente, identifico-me mais com a fala de um magistrado colombiano que me marcou muito quando por lá estive, Carlos Gaviria, que disse o seguinte: “O direito a viver de forma digna implica também o direito a morrer dignamente”. O que está em jogo para mim, repito, é a dignidade, seja da vida ou da morte.


Conteúdo:

1- Conceito, princípios e elegibilidade dos cuidados paliativos
2- Avaliação integral e multidimensional do paciente e família
3- Comunicação compassiva no processo de cuidado
4- Controle dos principais sintomas causadores de sofrimento
5- Cuidados de final de vida e pós morte
6- Cuidado ao luto
7- Cuidado ao sofrimento da equipe

Inscrições abertas: https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/cuidados-paliativos-2/

Beltrina Côrte

Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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