No filme “Meu Pai”, a sequência das cenas que inicialmente confunde o expectador, expressa a confusão do personagem (interpretado por Hopkins) com demência entre o que é fantasia e o que é realidade. Hopkins ganhou o Oscar 2021 de Melhor Ator por sua atuação.
O recém lançado filme “Meu Pai” reacende em nós temores em torno da possibilidade de perdermos a lucidez. Uma das preocupações que nos vem à mente, à medida em que envelhecemos, é a sempre possível dependência de um cuidador para nossas necessidades básicas de sobrevivência. Sabemos que demências do tipo Alzheimer e outras não eram tão prováveis num passado nem tão longínquo, em virtude da baixa expectativa de vida que o ser humano possuía.
No filme “Meu Pai”, o ator Anthony Hopkins, cuja performance é magistral e comovente, se mostra confuso em relação ao que é real e ao que é fruto de sua imaginação. A sequência das cenas que inicialmente confunde o expectador, expressa essa confusão do personagem entre o que é fantasia e o que é realidade.
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Inevitavelmente, o velho se vê perdido, confundindo pessoas, trocando suas identidades, desconhecendo o espaço em que se encontra, “esta é a minha casa?”, ou se perguntando, “quem é você?”. Nesse processo em que sua memória agoniza, finalmente, pergunta ao outro: “Quem sou eu?”
Como filho, passei por essa experiência angustiante e cada vez mais comum, ao acompanhar o lento, mas inexorável processo de morte psíquica causado pela doença senil em minha mãe. Experiência que nos faz pensar sobre a fragilidade humana em um mundo consumista e de cultivo obsessivo da vaidade. Fragilidade humana que também nos acorda para a interdependência de todos os seres, como enfatiza incansavelmente a filosofia budista.
A fragilidade humana é objeto de reflexão há séculos. Na antiga Grécia, a partir de Sócrates, as especulações deixam a natureza e a cosmologia de lado e passam a focar a atenção sobre o ser humano, sobretudo em suas contradições limitações, enfim sobre sua ignorância, o famoso socrático “Só sei que nada sei”. Hoje, a fragilidade assume contornos singulares se pensarmos nas condições atuais de existência. Os valores que nos regem parecem nos tornar mais frágeis para lidar com as adversidades da vida.
Lutar pelo estabelecimento e eficácia de políticas de direitos em defesa dos mais frágeis, como crianças e velhos, é, sem dúvida, um dever de cada um de nós. Mas, também, é sumamente necessário trazer essa questão para nossa vida cotidiana. É igualmente imperativo um comprometimento pessoal de cada um de nós no sentido de cuidarmos uns dos outros, não só no âmbito mais restrito de nossas famílias, mas no contexto maior da comunidade.
Meu Pai
O filme “Meu Pai” foi um dos recordistas de indicações do Oscar 2021. Recebeu 6 indicações e venceu em duas categorias: Melhor Ator (para Anthony Hopkins) e Melhor Roteiro Adaptado. Hopkins já ganhou um Oscar pelo filme O Silêncio dos Inocentes. O francês Florian Zeller escreveu a peça e ele mesmo fez a adaptação e dirigiu o filme, marcando sua estreia na direção de filmes.
A trama do filme é baseada em uma peça de teatro, cujo personagem, Anthony (vivido por Hopkins), aos 81 anos, recusa todos os cuidadores que sua filha, Anne (interpretada por Olivia Colman), contrata para ele, já que ele mora sozinho em seu apartamento em Londres.