Trata-se de um clássico da literatura, no qual nos deparamos com uma história de amor que sobreviveu 50 anos, mas é somente na velhice que eles concretizam essa relação.
A maior dificuldade que uma pessoa idosa pode enfrentar na hora de expressar a sua sexualidade é o preconceito! Claro que existem mudanças corporais que ocorrem com o envelhecimento, como o ressecamento vaginal ou uma maior dificuldade para obtenção de ereção, mas é o receio de serem considerados uma “velha safada” ou um “velho assanhado” que os afastam desses temas em consultas ou em suas vivências cotidianas. Foi um pouco essa a reflexão que obtive após o término da leitura de “O amor nos tempos do cólera”, de Gabriel Garcia Márquez. E atenção, as próximas linhas contém SPOILER do livro!
Trata-se de um clássico da literatura que eu li recentemente, no qual nos deparamos com a história de um bonito caso de amor, que sobreviveu por quase 50 anos, entre o Sr Florentino Ariza e a Sra Fermina Daza. Há idas e vindas na relação entre os dois, mas é somente na velhice que eles concretizam essa relação.
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Porém, ao invés de conseguir desfrutar dos prazeres desse amor, Fermina Daza sente profundamente o julgamento e olhares da sociedade à qual pertencia e ficou muito incomodada com essa sensação. E eis que Florentino tem uma ideia: iria simular às autoridades sanitárias que o barco em que estavam navegando estava contaminado com cólera, e assim, nenhuma outra pessoa subiria a bordo e eles viveriam juntos livremente para sempre.
Não quero reduzir todo o realismo mágico do autor a esses dois parágrafos, mas aproveitei essa leitura para refletir o quanto que avançamos nos últimos 100 anos. Passamos de um “senso comum” em que o envelhecimento seria assexuado, para um processo de erotização da velhice, como discutido pela professora Guita Debert:
“Uma velhice sexualmente ativa vem se estabelecendo como um ideal defendido por gerontólogos e outros especialistas afins ao tema, e é intensamente propagado pelos meios de comunicação de massa”.
Porém, ainda existem muitas Ferminas por aí. E é por isso, portanto, que esse debate precisa continuar. Falar sobre sexo não pode ser um tabu e a sociedade precisa entender que não há uma única maneira de expressar a nossa sexualidade. Somos diversos e é isso que traz a beleza e a riqueza de acordar todos os dias.
Por isso, para além do idadismo estrutural que impede que pessoas idosas expressem sua sexualidade, há também que combatermos o racismo, o elitismo, o capacitismo e a LGBTfobia.
Assim, será possível viver sem (ou com menos) cólera, e com muito amor.
Referências
Debert, Guita e Brigeiro, Mauro. Fronteiras de gênero e a sexualidade na velhice. Revista Brasileira de Ciências Sociais. v. 27, n. 80, p. 37-54, 2012.
Garcia Marquez, Gabriel. O amor nos tempos do cólera. Rio de Janeiro: Record, 2022
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Foto destaque de Sh-Andrei/pexels