O envelhecimento é como a passagem das estações do ano, cada uma diferente da outra.
Nesta jornada como geriatra considero um grande privilégio encontrar pacientes em diferentes fases do envelhecimento, todos eles carregando o histórico de como viveram a sua vida adulta jovem e os desdobramentos de suas decisões. Tenho o privilégio de encontrar aqueles no início da sua jornada, na geriatria, aqueles no meio e aqueles que estão se despedindo.
Poder conhecer a história de vida de cada um deles, que os levou a se tornarem a pessoa que vem ao meu encontro, na minha visão, é uma oportunidade rara. Oportunidade de tentar aprender algumas lições que as decisões de suas vidas podem me ensinar e a oportunidade de fazer algumas reflexões para minha própria vida.
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De forma humilde compartilho algumas reflexões aprendidas dessas oportunidades, que o convívio e o acompanhamento das histórias destes pacientes me permitiram realizar sobre o envelhecimento.
Durante a vivência como médico é frequente a pergunta “como devo fazer para envelhecer bem?”. Mas a grande pergunta a ser respondida é o que é envelhecer bem e qual seu segredo.
A observação dos pacientes, nos anos de atendimento, me leva a extrair a seguinte conclusão: que aqueles que se consideravam satisfeitos com o envelhecimento foram os que tinham uma perspectiva de acolhimento quanto ao seu próprio processo de envelhecer.
Na minha visão o processo de envelhecer é favorecido pela perspectiva que precisa ser constantemente atualizada, à medida que o processo de envelhecimento acontece, pois, as mudanças inerentes do corpo com a passagem do tempo vão ocorrer; a maior chance de falhas nos mecanismos fisiológicos aumenta e o surgimento dessas falhas são conhecidas como doenças.
Vejo muitos temerem o envelhecimento, o insultarem e procrastinar com seu processo, ao analisarem apenas as perspectivas fisiológicas do processo do corpo. Porém, o que vejo é que este processo não envolve apenas o corpo, envolve a mente e, se me permitem a liberdade, a alma.
Se posso comparar com uma metáfora, diria que o envelhecimento, para mim, é como a passagem das estações do ano, cada uma diferente da outra, tão diferentes que não podemos afirmar que uma seja mais bonita que a outra, pois existem belezas exclusivas de cada estação.
O grande segredo, na minha visão, é a perspectiva constantemente mutável para enxergar a beleza exclusiva de cada fase da vida.
Lembro, de forma nostálgica, de uma conversa com o professor José Antonio Esper Curiati durante o início da minha jornada, em meu primeiro ano, como residente de geriatria na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Durante uma de nossas muitas discussões dos casos internados na enfermaria, no qual o professor Curiati era o responsável, ele iniciou uma reflexão sobre sua trajetória, agora que já estava na “idade geriátrica”.
Ele disse, a nós jovens residentes, que para ele sua trajetória de vida até o momento era como um copo com líquido até a metade, e que cabia ao olhar de cada pessoa definir se o copo estava meio cheio ou meio vazio.
A fala daquele dia ficou comigo e se somou à minha observação sobre a história do envelhecimento dos pacientes que atendi, cuja grande maioria não atingiu nem atingirá todos os objetivos que estabeleceram para suas vidas. Ao mesmo tempo, eles alcançaram feitos e lugares que não imaginavam nem mesmo em seus sonhos mais fantasiosos.
Até o presente momento não tenho certeza se este era o ensinamento que meu professor queria me passar, porém foi ele que me ensinou essa perspectiva, de encarar cada momento da vida – apreciando sua beleza única – nessas passagens de estações da vida que chamamos de envelhecimento.
Hoje, sei que o envelhecimento é um processo natural, e que não há nada que eu possa fazer para evitá-lo, afinal, “Viver é envelhecer, nada mais”, como já dizia a escritora e filósofa francesa Simone de Beauvoir na obra A Velhice. No entanto, posso escolher como encarar essa mudança. Posso escolher vê-la como uma oportunidade de aprender, crescer e me desenvolver, ou posso vê-la como algo a ser temido.
Foto de RDNE Stock project/pexels.
