Aposentadoria: um relato feliz. Entrevista psicodramática

Aposentadoria: um relato feliz. Entrevista psicodramática

Três aposentadas falam de suas histórias de vida e alegrias vividas na aposentadoria.


Como sabemos, a aposentadoria marca um momento de transição na vida de cada indivíduo, de forma positiva ou negativa, exigindo uma nova resposta.

Para ilustrar esse tema, nesta entrevista temos três aposentadas como protagonistas: as ex-professoras e irmãs, Jurema (70) e Jussara Borba (72), que ao lado de sua prima, a ex-securitária Albertina de Almeida (69), aceitaram gentilmente o convite para falar um pouco de suas histórias e das alegrias vividas no momento dessa mudança e entrada na aposentadoria.

Inspirada na obra de Moreno, que traz em um de seus pilares a teoria de papéis, essa conversa aborda a reformulação de vida num momento em que foi necessário deixar as salas de aula e o escritório para assumir e desenvolver novos papéis, como os de aposentadas. Dessa forma, seguimos as etapas de uma sessão, fazendo alusão ao psicodrama.

Aquecimento inespecífico

Silmara: Vamos caminhar pelo espaço onde estamos ao som da música Paciência (Composição de Dudu Falcão e Lenine).

Aquecimento específico

Silmara: Fechem os olhos e vamos ao túnel do tempo. Voltem àquele dia em que assinaram a aposentadoria, deixando o papel profissional. Qual sentimento vem?

Albertina: Liberdade.

Jurema: Felicidade. Quando o sindicato me ligou eu já estava pronta para ir trabalhar. Na mesma hora eu troquei de roupa, coloquei uma regata, uma bermuda, uma sandalinha e fui lá assinar minha aposentadoria sentindo uma libertação.

Jussara: Primeiro senti felicidade, eu não via a hora disso acontecer, e depois me veio um sentimento de dever cumprido.

Dramatização

Silmara: “Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma / Até quando o corpo pede um pouco mais de alma / A vida não para”. Como esse verso da música que ouvimos ressoa em vocês?

Jurema: O próprio andar enquanto ouvia a música me remeteu a não podermos parar no tempo. Quem para, cria raízes no mesmo lugar, pois o tempo não espera ninguém.

Jussara: Realmente, concordo com o Lenine, precisamos mais de calma para continuar e prestar mais atenção, porque a vida não para. Os bons e maus momentos existirão, mas vão passar. A vida continua, vamos em frente.

Albertina: Vem a sensação da minha realidade atual em que a vida ficou mais calma, principalmente em relação a obrigação de horário de ir para o trabalho, estou livre disso. Como sou dinâmica, fui logo procurar outras atividades.

Silmara: Durante a vida desenvolvemos diversos papéis, mas acabamos por nos dedicar muito ao de profissional. A partir da aposentadoria, para quais papéis transferiram a energia antes voltada para o trabalho?

Jussara: Passei a dedicar mais tempo para o voluntariado junto com as minhas irmãs e a minha prima, em prol das crianças e idosos.

Albertina: Assumi um novo papel, o de fotógrafa. Busquei desenvolver essa profissão e consegui. Fotografei diversos eventos como casamento e festas por 15 anos depois da aposentadoria. Hoje me dedico aos esportes, natação, caminhada e ao voluntariado.

Ah!, também passei a desenvolver mais o meu papel de mãe e de esposa, além de avó do Zaire, que está com três anos.

Jurema: A Jussara e eu trabalhamos como voluntárias em um colégio aqui da zona leste de São Paulo, mas dessa vez bem mais leve. Lá aplicávamos reforço escolar e brincávamos com as crianças. Foi diferente!

Também continuamos com um voluntariado, em uma casa espírita, ao qual nos dedicamos há 40 anos.

Silmara: Tiveram algum sonho ou algum desejo, antes protelado, que ressurgiu como possível nessa fase da vida?

Albertina: Sim, o de ser fotógrafa foi um sonho que consegui resgatar. Fui autodidata nessa técnica.

Jurema: Nós sempre gostamos de viajar. É um sonho bem realizado poder partir sem se preocupar com a volta. Hoje viajamos sempre juntas e podemos ir em qualquer dia da semana.

Jussara: Eu, o artesanato. Antes sem tempo, começava a desenvolver e parava. Também como a Jurema citou, agora temos uma dedicação ao viajar. Quando chegam as datas comemorativas e final do ano paramos tudo para confeccionar biscoitos e decorações de Natal, como o Papai Noel preto.

Silmara: Nessa época então vocês assumem o papel de confeiteiras e de artistas?

As três: [Risos] Sim, isso mesmo!

Silmara: No imaginário social está presente o medo de se chegar à velhice doente, tendo que depender do outro. Porém, uma pesquisa publicada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento cita que pouco mais de 10%  das pessoas com mais de 65 anos se encontram em dependência funcional.  No que a rede de apoio familiar colabora para o bem-estar com relação a essa questão?

Jurema: Convivemos juntas desde que nascemos. O apoio é natural, faz parte da vida, por isso temos um cuidado entre nós. Passamos por isso ao cuidar do nosso pai, pois nossa mãe faleceu quando ainda éramos adolescentes.

Jussara: Somos unidas e sabemos que uma vai cuidar da outra, caso precise. O mais importante é aceitar ser cuidada. Buscamos estar bem de cabeça para ter autonomia de comando sobre a própria vida.

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Jurema: Como aconteceu com meu pai, teve autonomia até o fim dos dias.

Albertina: Tenho bons laços com minhas irmãs e com as minhas primas. Existe um vínculo de amizade entre nós. No dia a dia já contamos umas com as outras. Hoje mesmo irei dormir aqui com elas e tem dias que combinamos de dormir nas casas das minhas irmãs. Também tenho meu marido com quem poderei contar. Por fim, toda a família é bem unida e colaborativa.

Silmara: Vocês têm um posicionamento político determinado e ativo. Além disso, também mantêm rotinas voltadas ao cuidado espiritual e ao voluntariado. Com o evoluir da vida, como essas práticas participaram da construção de quem são hoje?

Jurema: Essas práticas me fazem ser um ser humano melhor. O envolvimento na política me ajudou a aceitar as diferenças de opinião e saber que as pessoas podem conviver mesmo seguindo em partidos diferentes.

Na atenção ao espiritual, melhorei a questão do egoísmo.

Albertina: Me desenvolver com o espiritual tornou-me uma pessoa mais leve. Vejo que quando nos reunimos para fazer os artesanatos e costura, convidamos mais pessoas. É sempre um momento de conversar, além da ajuda que já estamos praticando com as confecções que serão doadas para o bazar beneficente.

Ademais, aprendi a não protelar. Se o outro precisa, é pra agora!

Aprendi a costurar para doar. Ao final, quando doamos, quem recebe mais somos nós mesmos.

Jurema: Nossa casa vira uma fábrica! [Risos]. Uma sala de artesanatos!

Jussara: Eu gosto da política, pois quando meu irmão era vivo, a gente conversava muito sobre. Ele me ligava umas quatro vezes por dia para trocarmos ideias, mantendo essa relação.

Quanto ao lado espiritual, tive uma grande mudança na vida. Quando comecei a conhecer mais, consegui ser menos materialista e quis fazer mais pelo outro. Aprendi a não criticar o outro.

O ser humano acaba por fazer algo dentro da família ou se voltando só para si. Já no voluntariado, não. Quando fazemos nosso artesanato, já estamos pensando que aquilo vai se converter em leite ou algum alimento a quem precisa. Fazemos para um outro que nem conhecemos, alguém que necessita de ajuda. Isso me deixa mais feliz!

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Silmara: Como foi para vocês revisitarem seus papéis sociais nessa nossa conversa?

Jussara: Momento de reflexão percebendo a trajetória. Vi que está valendo a pena e que estamos realizando sonhos. Foi um momento gostoso e que trouxe alegria. Uma satisfação por parar e pensar nessas coisas. Me senti bem e feliz.

Albertina: Agradável, por expor uma parte de mim. Relembrei tanto. Vi até os meus filhos pequenos, marido, e a vida que tenho agora. Relembrar a trajetória me mostrou que sou feliz e que fui feliz em participar dessa reunião.

Jurema: Foi diferente, me soltei, foi legal! Só faltou nossa irmã Iara aqui conosco. Quando fui caminhando e ouvindo a música, veio o pensamento de uma vida sem tribulações, uma vida tranquila que tenho.

Jussara: Ah, também me fez lembrar que as risadas estão sempre presentes nos encontros com os nossos primos, uma começa a falar e vira uma empolgação, todos querendo falar ao mesmo tempo.

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Conheci Jurema Borba num momento em que eu conduzia um grupo de qualidade de vida e promoção à saúde. Sempre dedicada e motivada, ela trazia como marca pessoal um bom humor elevado. Passados alguns anos, nosso vínculo foi se transformando em amizade, enriquecido pela troca de uma crítica ativista política e racial.

Saio daqui estendendo esse laço relacional para Jussara e Albertina, que passam a me inspirar.

“O cuidar do espiritual e o papel de voluntária une a gente cada vez mais”.
Albertina

“Estou com 70 anos e quando me olho no espelho, não vejo muitas rugas. Me observo indo pra lá e pra cá, dirigindo meu carro, resultado do meu trabalho e que hoje posso desfrutar”.
Jurema

“O que faltou, o que foi difícil, passou! Nós vencemos! Eu não esperava ter uma vida assim na velhice, tão tranquila. Deus nos abençoou. Uma vida de trabalho e lazer, somos felizes”.
Jussara

Serviço
Instagram:
@Jussara borba
@tinnacruzz 

Fotos: arquivo pessoal.


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Mulher branca, de óculos
Silmara Simmelink

Psicodramatista formada pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama. Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Gerontologia pelo Albert Einstein e fez curso de extensão da PUC-SP de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento. Pós graduada em psicanálise pela SBPI e Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP. Atua em clínica com abordagem psicodramática e desenvolve oficinas terapêuticas com grupos de idosos. É consultora em Desenvolvimento Humano e especialista em psicologia organizacional titulada pelo CRP/SP. E-mail: [email protected]

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Silmara Simmelink

Psicodramatista formada pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama. Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Gerontologia pelo Albert Einstein e fez curso de extensão da PUC-SP de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento. Pós graduada em psicanálise pela SBPI e Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP. Atua em clínica com abordagem psicodramática e desenvolve oficinas terapêuticas com grupos de idosos. É consultora em Desenvolvimento Humano e especialista em psicologia organizacional titulada pelo CRP/SP. E-mail: [email protected]

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