A-ventura de envelhecer – a dialética do envelhecimento

O livro A-ventura de envelhecer, de Vicente de Paula Faleiros, é uma leitura rica em referências de formação na área da gerontologia social.

“A pessoa idosa é sujeito histórico constituído em relações concretas de poder, de exploração, de convivência, de lutas, de enfrentamentos, de organização da vida como se explicita neste livro”.
(Vicente Faleiros)

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Vicente de Paula Faleiros nasceu em 1941 numa casa de chão batido, iluminada por lamparina, com água de poço, em uma pequena cidade no interior de Minas Gerais. Tendo vivido uma jornada de 83 anos como definiu acima, se tornou um dos cientistas mais importantes no campo da assistência social e da gerontologia social no Brasil.

Uma linha do tempo sintética logo no início do livro, remove a ideia de que se trata de um livro de memórias. O autor prossegue com a sua trajetória de menino do interior, de família com poucos recursos que o matricula no seminário, onde recebeu boa educação gratuita dos 12 aos 20 anos de idade. Educação que serviu de formação para o seu primeiro trabalho, que garantiu a sua sobrevivência, o trabalho como professor. 

A trajetória de vida de Vicente Faleiros é orientada de acordo com suas convicções, “Nada me entristece mais do que ver milhões de pessoas sem ter o que comer associado ao não ter onde morar, o que vestir, onde ganhar a vida pelo seu trabalho. Essa é a tristeza que balança a minha vida desde a juventude…”. 

Esta tristeza o conduziu desde a juventude a entrar na política para defender os que não têm o que comer. Se engajou na corrente política clandestina, a Ação Popular – AP, foi preso pela ditadura em 1964 e em 1967. Se casou com Eva e pediram asilo político no Chile em 1970. A partir daí Vicente se define como um “Clã destino”, título de um ótimo poema seu, pois juntamente com o seu clã, esposa e dois filhos, peregrinaram como apátridas, exilados políticos por vários países, até retornarem ao Brasil em 1979, com a anistia. 

Fazer uma leitura crítica do livro A-ventura de envelhecer, de Vicente de Paula Faleiros, pode ser uma leitura de autoajuda, para quem está vivenciando o processo de envelhecimento. Como disse um famoso escritor, todo bom livro é um livro de autoajuda, seja uma biografia, uma ficção ou um livro de poemas. Sempre aprendemos com os mestres. Para os pesquisadores, técnicos e especialistas em envelhecimento, é uma leitura rica em referências de formação na área da gerontologia social.

Entre as referências, a citação do livro “The role of the aged in primitive society” de Leo W. Simmons, cuja primeira edição de 1945 foi base para Simone de Beauvoir fazer uma minuciosa história sobre o envelhecimento nas sociedades primitivas em seu famoso livro A Velhice. Seguindo esta linha de referências nas reflexões sobre o processo de envelhecimento, o autor prossegue citando a própria Simone de Beauvoir, Cícero (Saber Envelhecer e A amizade), Norberto Bobbio (De Senectute), Ecléa Bosi (O tempo vivo da memória), Edgar Morin (Meus demônios), Guita Debert (A reinvenção da velhice). Além destes, muitas referências eruditas no campo da filosofia e das ciências sociais.

Vicente Faleiros abriu o coração e a mente no capítulo mais pungente do livro, Enfrentar a violência e a ditadura. Talvez ele “nunca antes” tenha compartilhado em livros ou artigos a devastação física, moral e psicológica causada pela injustiça da perseguição política que o atingiu juntamente com sua família, mulher e dois filhos pequenos, que o acompanharam no exílio. Mas a memória das torturas e a conceituação do “canibalismo do torturador”, é uma denúncia da bestialização de que são capazes os seres humanos. Sempre presente na história da civilização, como no holocausto na Segunda Guerra Mundial e atualmente, no genocídio em Gaza. Comparações minhas, e cito Hanna Arendt o seu conceito da “banalidade do mal” ou a naturalização da violência extrema em sociedades autoritárias.

A partir do capítulo, Organizar espaço e tempo, o autor faz a reflexão sobre a “organização da vida”. A prática da vida cotidiana, o entendimento afetivo e também racional com a companheira Eva, a administração de um patrimônio como garantia de uma velhice em segurança. Aos 83 anos, Vicente Faleiros vive uma condição padrão em muitas famílias brasileiras, octogenários cuidando de octogenários. Eva está precisando de cuidados especiais. O envelhecimento da população brasileira precisa da urgência na efetiva implantação da Política Nacional de Cuidados, instituída como lei pelo Presidente Lula em 2024. 

“Sou um velho com história”, histórias de uma rica carreira de professor, que ao envelhecer, sofreu o preconceito do idadismo em sua trajetória nas universidades pública e privada. Histórias de atividades e militância em sociedades científicas como a SBGG, em movimentos sociais e políticos como o Fórum das Pessoas Idosas do Distrito Federal e do Setorial da Pessoa Idosa do PT. Militâncias nas quais permanece ativo e sempre desenvolvendo um aprendizado de trabalho no Coletivo. 

Também aprendemos com a história de vida do mestre Vicente Faleiros, uma leitura preciosa para quem vivencia o envelhecimento e para quem estuda o envelhecimento.

Ao final, um Posfácio, A dialética da vida, relação entre o sujeito e a estrutura. A morte é mencionada, citando o livro do filósofo sino-francês, François Cheng “Cinco meditações sobre a morte”, que faz parte do ciclo vital. Acabou o projeto do livro, o próximo passo é a busca de outro projeto.

Foto de Ankit Rainloure/pexels.

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