A bruxa da velha vila

A bruxa da velha vila

As mulheres têm os poderes das plantas e benzimento, a ancestralidade das bruxas.


 “É urgente viver encantado”
Valter Hugo Mãe

Ao chegar em Paranapiacaba, distrito do município de Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo, o então visitante sente-se como em uma viagem no tempo ao deparar-se com uma velha vila ferroviária, construída no final do século XIX. Joia incrustada no exuberante planalto da Serra do Mar, cercada pelo verde da Mata Atlântica e com abundantes fluxos de águas, a natureza resplandece nas paisagens de Paranapiacaba, que na língua indígena significa “lugar de onde se avista o Mar”.

Inebriada pela tradicional neblina que cobre o cenário do charmoso vilarejo, soube que Paranapiacaba também é famosa por suas lendas e mistérios, sendo considerada por muitos como o recanto da bruxaria natural da wicca brasileira, concedendo ao local ainda mais encantamento e fascínio por parte daqueles que se aventuram a explorá-la.

Humano atravessa uma ponte com muita neblina

E, em meio ao deslumbramento que me encontrava, tive a honra de conhecer o espaço das Irmãs da Lua, um encantador empório, onde a adorável Jussara, do auge dos seus 63 anos, juntamente com duas parceiras artesãs, expõem seus trabalhos. Experimentando uma agradável sensação junto aos aromas inebriantes dos incensos e perfumes do local, pudemos aproveitar de uma longa e prazerosa conversa.

Silmara: Poderia me dizer quem é a Jussara neste vilarejo e qual sua contribuição para manter o encantamento de Paranapiacaba?
Jussara: Sou uma velha bruxa, uma rezadeira. Gosto das rezas, dos mantras, das palavras de elevação que me colocam pra pensar e sentir gratidão. Dentro do meu eu mais profundo surgiu a concepção das Irmãs Lua. Neste espaço, que compartilho o trabalho cotidiano com minhas queridas amigas, digo sempre que nos completamos. Uma é a lua plena e a outra é crescente. Eu sou a anciã, como a lua minguante. Nestes meus 63 anos já passei por todas essas fases, vivenciando experiências que cada momento vivido me proporcionou, chegando agora ao estágio dos ensinamentos com as demais luas.

Na wicca, a anciã é a mais ouvida e solicitada a dar opiniões, isso porque ela já aprendeu muito com o tempo. A anciã tem sua importância no grupo. Tenho orgulho e me vejo responsável perante os jovens por me encontrar nessa fase. Muitos não sabem, mas a wicca é voltada para os elementos da natureza, chás, banhos, ao respeito, cuidado pelos animais e pela floresta. Sabendo que tudo vem da Mãe Terra. Gosto muito dos poderes das plantas e do benzimento, a ancestralidade da deusa e das bruxas. No fundo, penso que todas as mulheres têm essa força da bruxa.

Quando você percebeu que havia chegado na fase da lua minguante?
Eu já estava com 57 anos e nasceu a minha neta, Alice, aí me dei conta do meu envelhecer e da entrada nesse grau de responsabilidade como avó. Consequentemente, vi minha filha surgindo na fase plena e a minha neta na fase crescente, me transformando em anciã. Esse ciclo não se encerra, a lua nova surgirá outra vez. Entrar na minguante não significa morrer, mas sim estar serena, tranquila e mais centrada.

Como foi para você desenvolver esse papel de bruxa, tantas vezes mal compreendido pelas pessoas?
Eu nasci numa fazenda, às margens do Rio Paraná, e desde pequena sempre tive uma intuição muito aguçada, que me fazia buscar respostas nos livros. Compreendi que a wicca sempre esteve na minha vida, mesmo eu muitas vezes não estando com ela. Entretanto, as quedas da vida me trouxeram de volta às minhas raízes e me possibilitaram tecer novas linhas, conquistando a maturidade, a plenitude e o estar bem comigo mesma.

Poderia nos dizer o que mudou em sua vida quando você atingiu a fase da lua minguante?
Conquistei mais segurança e confiança em mim mesma. Sou costureira desde a adolescência, ofício que aprendi com a minha mãe. Aliando esse talento, me formei artista plástica, me dedicando a pintar as roupas que produzo. Percebo, então, que hoje a minha arte está mais madura, não tenho medo de errar. Quando estou pintando, permito que o tecido e o pincel escorreguem, faço borrões com uma ousadia, hoje me dou o direito de ousar. Dos erros faço um acerto estrondoso. Posso me soltar profissionalmente, pois me sinto empoderada e com mais bagagem. Sou forte, carrego minhas mochilas com mercadorias e acessórios, claro que com rodinhas, assim posso enchê-las à vontade. (risos)

árvore em uma paisagem com neblina

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Qual sua relação com a velha vila de Paranapiacaba?

Morava em São Paulo há mais de 30 anos, até que no meu segundo casamento decidi mudar para Ribeirão Pires, o que me fez descobrir esse lugar, que gosto muito. Paranapiacaba é idosa, suas rugas velhas e úmidas como a neblina. Um lugar pequeno onde tudo acontece ao mesmo tempo, isso preenche as minhas lacunas e tudo se enquadra desde a bruxaria até aspectos mais íntimos do meu ser se sentem acolhidos aqui.

Falando em amor, penso que sua manifestação seja múltipla e plural. Nesta fase de maior compreensão da vida, como você considera o entendimento sobre esse sentimento tão poderoso e muitas vezes interpretado de forma superficial? 
Com toda certeza o amor, em muitas ocasiões é analisado de forma incoerente. Digo que amor é o amor, uma força extremamente poderosa que não está necessariamente atrelada ao relacionamento, mas a diversas outras manifestações. O amor flui. Sobre o amor em termos de parceria de vida, iniciei um relacionamento com uma alma que me complementa. Já estávamos namorando há algum tempo e decidimos nos casar para aproveitar essa fase cada vez mais. Não é só na juventude que se vivencia o amor em termos de relacionamento, ele está presente durante toda a nossa vida, através de diversas manifestações.

Como última pergunta, gostaria de saber se você pode nos contar um pouco mais sobre sua relação com as Irmãs Lua?
Nossas almas se refletem na missão das Irmãs Lua e as pessoas que nos visitam percebem e recebem as energias positivas que por aqui circulam. Não é uma simples loja. Nós três nos descobrimos na amizade, nas crenças e na arte. Aqui podemos assumir que somos bruxas. Ainda enfrentamos muitos desafios, digo sempre que bruxas ainda são queimadas, não mais nas fogueiras, mas sim nas palavras, nos preconceitos e na falta de informação sobre o que de fato somos.

Por isso, gosto muito de conversar com os visitantes, isso me eleva! Sinto saúde no campo físico, emocional e espiritual. Plantamos sementes de amor, temos troca de energia e de sentimentos, trazendo a real conexão com a anciã. Ou seja, nossa missão é levar o bem e atrair o bem. Isso é ser Irmã Lua!

mulher com chapéu de bruxa posa em uma janela

Saiba mais
Instagram da Jussara:  @Coisadvo

Foto destaque – arquivo Jussara. Fotos da vila da Paranapiacaba: arquivo pessoal

Atualizado às 10h14


Mulher branca, de óculos
Silmara Simmelink

Psicodramatista formada pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama. Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Gerontologia pelo Albert Einstein e fez curso de extensão da PUC-SP de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento. Pós graduada em psicanálise pela SBPI e Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP. Atua em clínica com abordagem psicodramática e desenvolve oficinas terapêuticas com grupos de idosos. É consultora em Desenvolvimento Humano e especialista em psicologia organizacional titulada pelo CRP/SP. E-mail: [email protected]

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Psicodramatista formada pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama. Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Gerontologia pelo Albert Einstein e fez curso de extensão da PUC-SP de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento. Pós graduada em psicanálise pela SBPI e Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP. Atua em clínica com abordagem psicodramática e desenvolve oficinas terapêuticas com grupos de idosos. É consultora em Desenvolvimento Humano e especialista em psicologia organizacional titulada pelo CRP/SP. E-mail: [email protected]

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