Um novo grande passo para o orçamento participativo federal

Um novo grande passo para o orçamento participativo federal

Trata-se de um novo grande passo para o orçamento participativo federal. E uma oportunidade para as pessoas idosas se organizarem para buscar ampliar os seus direitos…


O jornalista Guilherme Balza assina matéria em 02/03/2023 sobre a proposta do governo federal de criar o Plano Plurianual participativo na esfera da União, o Plano Plurianual Participativo (PPA Participativo). A proposta está sendo trabalhada em conjunto pela Secretaria-Geral da Presidência da República e pelo Ministério do Planejamento.

Pelo projeto, o governo federal terá seus orçamentos anuais a partir de 2024 orientados com as premissas estipulados pelo PPA Participativo, um documento norteador de planejamento, execução e controle orçamentário que identifica o tema prioritário e os preferenciais nacionais, estipulados sob forma de programas de governo, para um período de quatro anos.

A matéria explica que “No PPA Participativo, a proposta é que as prioridades do governo sejam definidas por meio da participação da população em conselhos e também por meio de uma plataforma digital. As votações e os debates vão ocorrer de forma híbrida, em plenárias presenciais e na plataforma”.

Além disto, “A definição de quais vão ser as prioridades nacionais nos próximos anos se dará em três camadas: em fóruns nacionais e regionais que vão reunir conselhos, representantes de movimentos sociais e organizações da sociedade civil; em uma consulta digital por meio de uma plataforma online; e consultas territoriais presenciais pelo país, uma espécie de plenária”.

O tema trouxe curiosidade na professora Beltrina Côrte, que é CEO do Portal do Envelhecimento. Em uma série de troca de mensagens pelo WhatsApp, ela me fez refletir a respeito e me sugeriu trazer o tema para o Blog: que fatores poderiam dificultar a efetividade de um processo deste tipo?

Entendo que a primeira limitação, que costuma ser a maior ou, se não, uma das maiores, é a vontade política de quem está no poder. O orçamento participativo permite uma ruptura em modelos tradicionais de estrutura de poder, pois os agentes eleitos ao Executivo e Legislativo, na prática, perdem parte de um poder que por vezes era unilateral. Neste cenário haveria uma divisão de poderes, popularizando e democratizando o poder decisório. Nem todos os agentes eleitos aceitam perder o espaço no processo decisório em uma arena de poder onde interesses pessoais podem estar em jogo.

Outras limitações em um país tão grande e com tantas desigualdades regionais (e a busca por soluções, algo previsto na Constituição Federal) são os aspectos financeiros (tem que gastar para fazer acontecer), culturais (tem que querer e saber fazer) e comportamentais, tanto de quem está no lado governamental, como de quem faz parte da sociedade organizada ou do cidadão, como indivíduo. É um processo complexo, intersetorial, interdisciplinar. Sua evolução ocorre com erros e acertos, com a prática.

E, neste processo de mudança institucional governamental e não-governamental, além das manifestações isoladas de cidadãos, entre os quais, formadores de opinião, há outras limitações: vontade, informação, acesso à tecnologia. Um artigo[1] da socióloga Theda Skocpol, sobre novas formas de participações democráticas além da direta (votar nas eleições) nos Estados Unidos apresenta um cenário sobre limitações da participação cidadã.

Theda Skocpol identificou que “A Internet mantém a promessa de permitir a interação cívica não vinculada a reuniões em horários e lugares específicos – mas, ao mesmo tempo, pode ampliar os efeitos colaterais adversos de inserir muita intencionalidade na vida cívica. Pode favorecer aquelas elites instruídas que sabem o que procuram na política antes de se envolverem com outras”.

Tema correlato foi apontado por outra pesquisadora, a professora Lígia Lüchmann, uma importante pesquisadora brasileira, e sua pesquisa[2] em conjunto com outras duas pesquisadoras, Márcia Inês Schaefer e Anahí Guedes de Mello, sobre a participação política das pessoas com deficiência no Brasil.

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Elas identificaram na pesquisa que “pessoas com deficiência apresentam desvantagens nessas três dimensões, uma vez que: a) apresentam, em geral, níveis mais baixos de educação e de renda, sendo que os seus recursos financeiros tendem, ainda, a ser constrangidos por despesas significativas com equipamentos, terapias de habilitação e reabilitação, dentre outras necessidades de saúde; b) no que diz respeito à dimensão psicológica, as autoras destacam o estigma e a discriminação associados à deficiência, e que se combinam e se reforçam com o isolamento e o baixo sentimento de eficácia política; e c) por fim o recrutamento político, bastante afetado pelos limites de relações dados pelo isolamento e pelos constrangimentos, desaguando em baixos níveis de envolvimento comunitário e/ou de capital social”.

As autoras apontam que, pelo Censo 2010, o Brasil tinha o correspondente a 23,92% da população brasileira formada por pessoas com deficiência, algo como cerca de 50 milhões de pessoas na atualidade. Daquele percentual, 8,3% apresentava pelo menos um tipo de “deficiência severa”. Este segmento populacional, composto também de pessoas idosas, precisa de acessibilidade e, por vezes, representatividade para poder participar deste processo orçamentário.

Já observamos mudanças culturais e comportamentais nas instituições em relação às pessoas idosas e pessoas com deficiência, como nas eleições, quando os Tribunais Eleitorais adequam seções de votação para pessoas com deficiência, bem como urnas adaptadas. É um caminho indispensável, sem volta quando se fala em democracia a participação cidadã: o governo precisa investir recursos para facilitar a vida das pessoas interessadas em participar da cidadania.

As limitações não param por aí. A proposta prevê a participação de instituições como fóruns e conselhos, mas há uma enorme diversidade entre os segmentos. Há conselhos mais e melhor estruturados, mais adaptados e conhecedores da prática da democracia participativa e da democracia deliberativa, por terem experiência vivencial na realização de conferências e na gestão de fundos públicos.

Esta diversidade entre os segmentos (saúde, educação, assistência social, gestão ambiental, cultura, desporto e lazer, segurança pública, de direitos para crianças e adolescentes, mulheres, jovens, pessoas com deficiência, pessoas idosas, etc.) precisa ser compreendida e estudada pelo governo federal, para minimizar diferenças e potencializar participações em um orçamento federal participativo.

Debater em busca da formação do consenso não costuma ser fácil. Já vimos em 1986, quando da Constituinte e da formação de debates temáticos, o como isto foi complexo e complicado. Mas, é algo indispensável de ser feito, afinal, falamos sobre o dinheiro público. E dinheiro público precisa sim ter a participação da própria sociedade brasileira no processo decisório. Trata-se de um novo grande passo para o orçamento participativo federal. E uma oportunidade para as pessoas idosas se organizarem para buscar ampliar os seus direitos…

Notas
[1] SKOCPOL, Theda. Voice and Inequality: The Transformation of American Civic Democracy. Perspectives on Politics. n. 2, vol. 3, 2004. DOI: 10.1017/S1537592704000593. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Theda-Skocpol/publication/231964713_Voice_and_Inequality_The_Transformation_of_American_Civic_Democracy/links/541871830cf203f155adae57/Voice-and-Inequality-The-Transformation-of-American-Civic-Democracy.pdf?origin=publication_detail.
[2] LÜCHMANN, Lígia; SCHAEFER, Márcia Inês; MELLO, Anahí Guedes de. A participação política das pessoas com deficiência no Brasil. In: MARIANO, Karina Lilia Pasquariello (Org.); LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn (Org.); SILVA, Rafael da (Org.). Estudos sobre a participação política no Brasil. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2022. Disponível em: https://www.culturaacademica.com.br/wp-content/plugins/plugin-PKSdownload/download.php?t=pdf&pid=11536.

Foto destaque de Andrea Piacquadio/pexels


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Luiz Carlos Betenheuser Júnior

Graduação em Administração (UFPR); pós-graduação/especialização em Gestão Administrativa e Tributária (PUC-PR) e em Administração Pública pela Escola de Administração Pública (EAP / IMAP). É funcionário público municipal, 25 anos de experiência, sendo dois na área administrativa e os outros 23 anos na área financeira. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração Pública, especialmente na área Financeira, na gestão orçamentária (execução, planejamento e controle social). Foi integrante do Conselho Consultivo do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba - IPPUC (2003); do Conselho Municipal de Assistência Social (2013 e 2014); Vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa de Curitiba (2015) e por duas vezes presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa de Curitiba (2014 e 2016); integrante do Conselho Municipal de Direitos da Criança e Adolescente de Curitiba (2017). Atualmente é coordenador financeiro da Secretaria Municipal de Administração e de Gestão de Pessoal e da Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude.

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Graduação em Administração (UFPR); pós-graduação/especialização em Gestão Administrativa e Tributária (PUC-PR) e em Administração Pública pela Escola de Administração Pública (EAP / IMAP). É funcionário público municipal, 25 anos de experiência, sendo dois na área administrativa e os outros 23 anos na área financeira. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração Pública, especialmente na área Financeira, na gestão orçamentária (execução, planejamento e controle social). Foi integrante do Conselho Consultivo do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba - IPPUC (2003); do Conselho Municipal de Assistência Social (2013 e 2014); Vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa de Curitiba (2015) e por duas vezes presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa de Curitiba (2014 e 2016); integrante do Conselho Municipal de Direitos da Criança e Adolescente de Curitiba (2017). Atualmente é coordenador financeiro da Secretaria Municipal de Administração e de Gestão de Pessoal e da Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude.

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