Quero viver meu dia e contar ele para você a noite: reflexões sobre o filme Nossas Noites

Quero viver meu dia e contar ele para você a noite: reflexões sobre o filme Nossas Noites

Uma mulher idosa e seu vizinho, ambos viúvos, vivem a velhice, e como as noites são sempre mais difíceis, resolvem dividi-las no filme “Nossas noites”.

Raquel da Silva Pavin (*)


A presente escrita tem como objetivo realizar uma reflexão acerca de alguns pontos relevantes para a gerontologia, sobre o filme “Nossas Noites” (2017). Inicialmente é importante salientar que essa produção audiovisual, foi inspirada no livro de Kent Haruf, publicado em 2017. O romance é vivido por dois atores principais, Addie Moore, uma mulher idosa, e seu vizinho Louis Waters. Eles possuem muitas características em comum, ambos são viúvos e vivem a velhice, e talvez a partilha mais intensa que dividam são as noites solitárias, em casas espaçosas em Holt, numa cidade do Colorado.

A trama começa com uma visita inesperada de Addie a casa de Louis, nessa ela faz uma proposta ao vizinho, convidando-o para passar as noites em sua companhia, pois como salienta “as noites são sempre mais difíceis”. De início Louis hesita, mas cede ao convite, gerando movimentação na rua e bairro onde moram, até mesmo comentários permeados de preconceitos e malícias.

O romance se destaca, pois traz temas de grande relevância para pensarmos sobre sexualidades, redes de apoio e relações intergeracionais na velhice. De forma bastante sutil os assuntos são trazidos e vivenciados pelos atores. Percebemos no desenrolar as emoções de redescobrir os pequenos prazeres da vida, que podem surpreender e ganhar um novo sentido, mesmo atravessados por estereótipos e julgamentos externos.

Quando Addie expressa a seguinte fala “Quero viver meu dia e contar ele para você a noite” poderíamos nos dimensionar para diversas localidades, pois esta história poderia se passar em qualquer lugar, em pequenas ou grandes cidades ou até mesmo em zonas rurais de qualquer país. É uma vivência que se repete cotidianamente em qualquer região do mundo, podendo ser mais sentida ao anoitecer, quando os corpos se recolhem e a tendência do “olhar para si” é mais intensa. Aqui podemos destacar a “síndrome do ninho vazio”, vivida por ambos no filme, com a saída dos filhos de casa e a viuvez. O desejo trazido acima por Addie, é a ruptura com a solidão, realidade vivida por muitas pessoas idosas.

Mas ao mesmo tempo que esta companhia divide as noites, o quarto, a cama e que acaba se estendendo aos dias, nos passeios, almoços, nos alerta sobre a amplitude sobre sexualidades. Sim, sexualidades com “s”, pois esta precisa ser compreendida em suas diversas formas de viver e experimentar. Sabemos que as sexualidades não estão ligadas exclusivamente ao ato sexual, mas sim a troca de vivências, de carícias, afetos, autoestima, entre outros aspectos. E o filme, nos possibilita experimentar isso.

Bem como nos faz refletir sobre a importância das redes de apoio social, como as relações e espaços que acessamos e trocamos vivências, para a manutenção da qualidade de vida. Tema que nos remete a pensar o apoio social intergeracional e avosidades. A chegada do neto no filme, nos mostra como as trocas entre gerações podem ser benéficas para ambos, experimentada na casa “cheia” novamente, na brincadeira na sala, as trocas de afeto e saberes. Formas de ressignificar as fases da vida e o processo de envelhecimento.

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O filme nos possibilita uma reflexão muito intensa sobre como queremos envelhecer. Quem são os atores das nossas redes de apoio social? Como pensamos sobre as sexualidades? Como podemos abordar esses temas com a população idosa, mas não somente com ela, de forma plural, sem preconceitos e estigmas, para auxiliarmos na construção de velhices dignas para todos(as)(es) nós? Fica aqui uma reflexão sobre a necessária ressignificação das velhices, é de suma importância que possamos experimentar via filmes, curtas, documentários a desconstrução dos paradigmas socialmente (re)produzidos sobre o que se pode ou não na velhice.

O grande desafio, ainda atual, está em construirmos ações junto com as pessoas idosas e não para elas, dentro de uma perspectiva emancipatória e não mais tradicional conservadora.

Referência
OUR Souls at Night (Nossas Noites). Direção de Ritesh Batra. Roteiro: Michael H. Weber e Scott Neustadter. Estados Unidos: Netflix, 2017. (103 min.), son., color. Legendado. Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/80104068. Acesso em: 22 out. 2022.

(*) Raquel da Silva Pavin – Assistente Social, especialista em Envelhecimento e Qualidade de Vida, mestra em Políticas Sociais e Serviço Social, Doutoranda em Memória Social e Bens Culturais, Graduanda em Gerontologia. Estudiosa das velhices e autora do livro: “Mulheres idosas e o apoio social”. E-mail: [email protected]    Instagram: @geronidade


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