Qual será o milagre que você irá fazer?

Qual será o milagre que você irá fazer?

Se você é uma pessoa idosa ou tem familiares idosos, é impossível que não se solidarize contra a discriminação etária, também conhecida como idadismo.


“No mundo de hoje, se tu pensar diferente dos outros tu vai ser perseguido até a morte. Mas não é morte matada, morte de corpo, tiro na barriga ou corte no pescoço. É morte da cabeça. Eles acabam com a tua cabeça. Eles matam a sua identidade. E tu começa a pensar igual eles. Vê se pode um negócio desse?!”  (Hugo Ribas em “Amanhã eu Morro”)


Eu fiquei muito pensativo sobre como começar um texto no mês de junho, conhecido por todos como aquele no qual celebramos o orgulho LGBTQIA+ e a luta contra os preconceitos. E decidi trazer um relato pessoal a partir da fala de Salvador, o matador, personagem criado por Hugo Ribas no livro “Amanhã eu Morro”.

Na obra ele recebe uma tarefa de raptar um menino conhecido por realizar alguns milagres em uma comunidade, mas sua epopeia traz reflexões sobre seu autoconhecimento, paz, amor, vingança e principalmente sobre o que significa a nossa diversidade.

Se você é uma pessoa idosa ou tem familiares idosos, é impossível que não se solidarize contra a discriminação etária, também conhecida como idadismo. E é aí que gostaria de discutir: não basta batalharmos apenas contra esse preconceito, sem acolher todos outros grupos que almejam uma sociedade mais justa e cidadã.

É impossível dissociar a gênese ideológica do idadismo de outras discriminações, como o racismo, o capacitismo, o elitismo, a misoginia e também a LGBTfobia. São todas formas construídas de desvalorizar corpos através de uma hierarquia socialmente criada, cujas consequências resultam em grande sofrimento biopsicossocial.

Novamente, durante minha trajetória recente alguns me questionam o porquê de falar em velhices LGBTQIA+. Eu respondo com a mesma retórica: Por que não falar? E a quem interessa manter tal assunto na invisibilidade e no esquecimento?

Envelhecer ainda não é um direito de todos, pois sabemos que são muitas as injustiças e desigualdades que as pessoas idosas LGBTQIA+ podem vivenciar. Por um lado, têm que sobreviver em uma sociedade gerontofóbica, que valoriza aspectos relacionados à juventude, reduzindo o valor dos mais velhos. Por outro, também precisam resistir aos preconceitos conservadores, machistas e heterocisnormativos.

Salvador disse que se você pensar diferente, será perseguido até a morte, o que infelizmente ainda é verdade em nossa realidade. Somos um país campeão em violência contra corpos LGBTQIA+, especialmente os de pessoas trans. Além disso, quando pensamos em uma perspectiva de futuro, há maiores barreiras e desafios para a longevidade delas, fazendo com que muitas não cheguem à velhice, ou se conseguirem ultrapassar a marca etária dos 30, 40, 50 ou 60 anos, estarão expostas a maiores vulnerabilidades individuais, sociais e programáticas.

Pode até parecer um paradoxo um matador profissional desencadear reflexões sobre a vida e a morte, e por isso, convido a todes para essa leitura incrível e transformadora. Entretanto, ele toca em outro ponto importante em nossas existências: a diversidade.

Não somos páginas em branco, muito menos robôs criados para pensarmos ou agirmos igual. A importância de celebrar a diversidade está no fato de que somente seremos um país rico de verdade e digno de existir quando todes estiverem desenvolvidos em sua potencialidade, o que nunca ocorrerá se houver a exigência dessa norma que ainda mata por dentro e por fora.

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Por fim, o autor foi muito feliz em trazer contemplações sobre espiritualidade e também sobre quais milagres cada um poderia operar. Não aqueles responsáveis por canonizar os santos e entidades religiosas, mas os que estão ao alcance de cada um desde nosso nascimento até o momento em que iremos morrer.

Ele diz que “a cabeça começa a ter voz quando o coração abre a boca”, e é essa dádiva a qual gostaria de convidar todos para uma reflexão eterna e necessária: como abrir a boca do coração para que seja possível existir e menos difícil amar.

Uma boa leitura e um excelente mês de Junho a todes!

Referências
Hugo Ribas. Amanhã eu morro – Primeira edição – São Paulo: Editora Patuá, 2020.


Podcast EnvelheSER caxt: https://www.youtube.com/@envelhesercaxt

Foto destaque de Alexander Grey/pexels.


Milton Crenitte

Médico Geriatra, Doutor em ciências pela USP. Coordenador médico do ambulatório de sexualidade da pessoa idosa do HCFMUSP. Professor de curso de medicina da Universidade de São Caetano do Sul. Voluntário da ONG Eternamente SOU.

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Médico Geriatra, Doutor em ciências pela USP. Coordenador médico do ambulatório de sexualidade da pessoa idosa do HCFMUSP. Professor de curso de medicina da Universidade de São Caetano do Sul. Voluntário da ONG Eternamente SOU.

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