Estudo associa traços de personalidade com uma baixa probabilidade de comprometimento cognitivo no final da vida. Pessoas com instabilidade emocional podem desenvolver demência.
Por Denis Pacheco (*)
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Uma pesquisa recém-publicada no Journal of Personality and Social Psychology associou certos traços de personalidade com uma baixa probabilidade de comprometimento cognitivo no final da vida. O estudo revelou que aqueles que sofrem com instabilidade emocional podem ser mais propensos a desenvolver quadros demenciais. De acordo com a pesquisadora Silvia Merlin, especialista em Neurologia Cognitiva e do Comportamento pela Faculdade de Medicina (FM) da USP, o trabalho, que foi realizado por especialistas da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, buscou inferir como os “riscos relacionados à evolução cognitiva podem ser baseados em traços de personalidade”.
Para realizar essa avaliação, cientistas utilizaram os chamados “cinco grandes traços de personalidade”: Abertura, que é nossa capacidade de estarmos abertos a novas experiências; Agradabilidade, que mensura nosso nível de afeto; Conscienciosidade, nosso grau de organização e foco; Extroversão, que envolve nossa capacidade de sociabilidade; e Neuroticismo, que é como lidamos com nossas emoções. De acordo com Silvia, todos nós possuímos esses cinco traços, mas em “quantidades distintas de cada um, em proporções maiores e menores”.
Por meio de questionários, pesquisadores analisaram dados de 1.954 voluntários do Rush Memory and Aging Project, um estudo longitudinal de idosos que vivem na região metropolitana de Chicago e no nordeste de Illinois.
Todos aqueles sem um diagnóstico formal de demência foram recrutados em comunidades de aposentados, grupos religiosos e instalações de habitação para idosos subsidiados a partir de 1997 e continuando até o presente. Eles receberam uma avaliação de personalidade e concordaram com avaliações anuais de suas habilidades cognitivas. O estudo incluiu participantes que receberam pelo menos duas avaliações cognitivas anuais ou uma antes da morte.
“Esses questionários, que incluem um de 60 perguntas e um de 120 perguntas, checam como reagimos em cada situação”, explica Silvia. As perguntas medem, por exemplo, o grau de preocupação e importância atribuído a respeito de diferentes situações cotidianas. E, a partir deles, pesquisadores “conseguem criar um construto dos traços de personalidade dos avaliados”, esclarece.
Os participantes que pontuaram alto em conscienciosidade ou baixo em neuroticismo foram significativamente menos propensos a progredir de cognição normal para comprometimento cognitivo leve ao longo do estudo.
De acordo com a especialista, um estudo como esse “depende de várias estruturas. Tanto sociais, econômicas e individuais quanto genéticas”. Para ela, embora esse trabalho em particular tenha resultados limitados, principalmente porque foi feito com uma composição majoritariamente formada por mulheres brancas e altamente escolarizadas, pesquisas assim, com amostras mais diversas, podem nos ajudar a entender melhor como a nossa personalidade pode afetar nosso cérebro e nossa cognição.
Por meio de mais pesquisas sobre o assunto “vamos conseguir entender primeiro como nós funcionamos e depois como evitar certas situações”. A partir daí, através da mudança de comportamentos, podemos aprender como “preservar nossa reserva cognitiva, por exemplo”, finaliza.
(*) Denis Pacheco é redator do Jornal da USP.
Foto destaque de Moe Magners/Pexels