Pessoas em cuidado de fim de vida encontram no Hospital o que mais falta no sistema de saúde: tempo, afeto e dignidade, uma experiência pública, gratuita e profundamente humana.
O Mont Serrat não tem UTI nem sala de reanimação, e não é por falta de estrutura, é por filosofia mesmo. Trata-se do primeiro hospital público mantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), exclusivamente voltado aos cuidados paliativos no país, inaugurado no início de 2025 em Salvador, na Bahia, e tema de uma reportagem realizada pela BBC News Brasil.
A instituição foi pensada para ser um lugar de transição, de escuta, de respeito e de reconexão com o que ainda importa quando a cura já não é possível. Aqui, o foco da gente não é a morte. Aqui, o foco da gente é cuidado enquanto vida tiver, afirma a médica Karoline Apolônia, coordenadora da unidade, à reportagem da BBC.
O hospital ocupa um antigo casarão de 1853, e parte de sua estrutura foi reformada para dar vista ao mar. Onde antes havia uma capela, hoje há um píer. O mar é o nosso maior altar, diz Karoline. É ali que muitos pacientes contemplam o pôr do sol, às vezes pela última vez, às vezes pela primeira, como no caso de um acompanhante que, vindo do interior, nunca havia visto o mar.
O compromisso do hospital é com a humanização e o cuidado integral, valores que permeiam a rotina dos 430 profissionais que ali trabalham, todos capacitados para escutar e responder às necessidades dos pacientes com empatia e respeito.
Assim, a escuta ativa e o cuidado com os detalhes são marcas do Mont Serrat, que é gerido pelas Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), organização reconhecida por sua expertise em cuidados paliativos e gestão hospitalar humanizada. A equipe passa pelo mesmo treinamento, sejam médicos, enfermeiros, seguranças ou profissionais da limpeza. O objetivo é oferecer um cuidado humanizado e presente. Perguntar, por exemplo, para que time o paciente torce, se gosta de música, se quer fazer a barba, tomar um banho ou tomar um gole de água.
O hospital tem capacidade para atender de forma integral a mais de 2 mil pacientes por mês, incluindo consultas em especialidades como cardiologia, pneumologia, psiquiatria, nutrologia e neurologia, bem como unidades específicas para terapia da dor e apoio ao luto. Também atua como centro de ensino e pesquisa, capacitando profissionais de saúde para atuar na área de cuidados paliativos.
Ter um tempo de qualidade no fim da vida e morrer com dignidade
A proposta do hospital é oferecer um tempo de qualidade no fim da vida, entre o “oi” e o “tchau”, como diz a equipe, o tempo médio de permanência é de oito dias e meio, mas isso não significa que todos morrem ali. O Mont Serrat tem uma taxa de alta de 37%, quando o esperado era de apenas 10%. Quando recebem alta, voltam para casa, para o convívio com a família, com os vínculos, com o sagrado de cada um.
CONFIRA TAMBÉM:
O Hospital Mont Serrat nasce em um momento importante para o Brasil e para o mundo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, entre 2000 e 2023, a proporção de pessoas idosas no país quase dobrou, passando de 8,7% para 15,6%, e a projeção é que, em 2070, quase 38% da população brasileira será composta por pessoas idosas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, globalmente, cerca de 56,8 milhões de pessoas necessitam de cuidados paliativos a cada ano, sendo 25,7 milhões no último ano de vida. Além disso, o relatório Global Atlas of Palliative Care at the End of Life aponta que aproximadamente 37% de todas as mortes no mundo envolvem necessidade desses cuidados, embora o acesso continue limitado.
No Brasil, o Ministério da Saúde lançou em 2024 a Política Nacional de Cuidados Paliativos, reconhecendo a importância de ampliar o acesso a essa abordagem centrada no alívio do sofrimento e na dignidade da pessoa. Diante desse cenário, a questão que permanece é: onde e como essas pessoas serão cuidadas?
A possibilidade de morrer com dignidade, sem dor e com alívio de sintomas faz parte do Hospital Mont Serrat. O uso de sedação paliativa, legal, ética e compassiva permite que o próprio corpo entre em finitude, sem o sofrimento prolongado de procedimentos invasivos e sem sentido.
A esperança é inerente ao ser humano. Eu não brigo nem contra a esperança, nem contra os milagres, diz Karoline. Mas o foco aqui é o agora. O conforto presente. Então, em vez disso, a gente sugere a ele sentar aqui e contemplar o pôr do sol. Aproveitar para dizer desculpa, obrigada, eu te amo e tchau.
Cuidados paliativos: reduz o sofrimento sem acelerar a morte
O hospital Mont Serrat é o único hospital geral do SUS totalmente dedicado aos cuidados paliativos, apesar de algumas iniciativas privadas existentes. Ele foi inspirado em três sistemas-modelo: o inglês, o canadense e o argentino, explica a médica Karoline Apolônia. Também pontua que os cuidados paliativos são diferentes da eutanásia, uma associação comum, mas equivocada. São dois conceitos diferentes, esclarece.
Segundo Karoline, o paliativismo prega a ortotanásia, que consiste no controle dos sintomas para um processo natural de fim de vida. Já a eutanásia é a prática de provocar a morte, sem dor, por meio de uma injeção que para o coração. Embora a eutanásia e a morte assistida avancem em alguns países, como no Canadá e em alguns Estados dos EUA, no Brasil ambas são proibidas por lei.
Dentro da ortotanásia, há recursos para reduzir o sofrimento sem acelerar a morte, a sedação paliativa, segundo a médica, é um analgésico sedativo capaz de rebaixar a consciência. Assim, o próprio corpo entra em finitude, explica. E isso não é eutanásia ativa, que é quando um profissional de saúde, movido por compaixão, executa um ato cujo objetivo final é fazer com que a pessoa morra.
As falas da médica Karoline Apolônia reforçam a importância dos cuidados paliativos para quem precisa, a fim de ter dignidade, alívio do sofrimento e respeito no fim da vida, sem acelerar a morte, mas com total atenção à qualidade do tempo que resta. Esse cuidado humanizado, ainda pouco conhecido no Brasil, transforma o último capítulo da vida em uma experiência de conforto e acolhimento.
Para conhecer mais sobre o Hospital Mont Serrat e a realidade dos cuidados paliativos no Brasil, assista ao documentário completo disponível no YouTube:
Cuidados paliativos em São Paulo
Em novembro de 2022 foi inaugurado o Instituto Perdizes, que integra o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. O espaço conta com três frentes:
a) Unidade de Tratamento de Dependência Química, com ambulatórios médicos e multiprofissionais especializados em substâncias psicoativas, e unidades de internação para o atendimento de pacientes referenciados pelo Sistema de Regulação do Estado de São Paulo;
b) Unidade de Transição de Cuidados, com o objetivo de garantir a alta segura e integrada à Rede de Atenção em Saúde aos pacientes internados no HCFMUSP;
c) Unidade de Cuidados Paliativos, que visa o melhor cuidado de maneira integral, humanizada e ética aos pacientes em fase final de vida, encaminhados pelos demais Institutos do HC.
A proposta do Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas FMUSP é oferecer cuidado integral, ético e humanizado a pacientes em fim de vida encaminhados por outros institutos do HC.
O atendimento é feito somente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os encaminhamentos para triagem ocorrem por meio do Sistema Informatizado de Regulação do Estado de São Paulo (SIRESP), inicialmente das Unidades Básicas de Saúde (USBs) ou Centros de Atenção Psicossocial (CAPSs) da Zona Oeste de São Paulo.
Hospedaria de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Municipal
A Hospedaria, inaugurada em 2004, tem a missão de implementar um modelo de assistência ativa e integral, que atenda às necessidades dos pacientes, reafirmando o processo contínuo de humanização e qualidade no atendimento hospitalar. Ela tem como fundamento o “Cuidado Paliativo”, e por filosofia de tratamento o conforto e bem-estar das pessoas acometidas por doenças crônicas progressivas e potencialmente mortais.
Suas principais ações estão voltadas para o atendimento afetuoso dos pacientes e familiares com atividades programadas por equipe multiprofissional composta por Psicólogos, Médicos, Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem, Assistente Social e Assistente Espiritual. Oferece ainda, assistência integral aos familiares visando facilitar o entendimento e o enfrentamento do processo de morte/luto.
O atendimento é direcionado para o controle da dor e dos sintomas desagradáveis que acompanham as doenças crônicas em fase avançada, baseado em conhecimento técnico específico, evitando procedimentos invasivos, dolorosos e desnecessários, focado principalmente na qualidade de vida e dignidade do paciente.
A Hospedaria de Cuidados Paliativos conta com 10 leitos e funciona em uma ampla e confortável casa, ambientada para esse fim, com salas, cozinha, banheiros, quartos, jardim e varandas, propiciando um acolhimento aconchegante, que se distancia da realidade hospitalar e estabelece um atendimento personalizado.
Todo o projeto de Cuidados Paliativos desenvolvido na Hospedaria de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Municipal está fundamentado nas orientações sobre Cuidados Paliativos determinado pela OMS (Organização Mundial da Saúde – 2002). Ou seja, cuidados paliativos é uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos pacientes e familiares que enfrentam uma doença que ameaça a vida, promovendo o alívio da dor e de outros sintomas. Proporciona ainda suporte espiritual e psicossocial, desde o diagnóstico, até o final da vida e no período de luto.
No município de São Paulo, as Diretrizes Técnicas dos Cuidados Paliativos na Atenção Domiciliar, publicadas em setembro de 2024 pela Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, orientam e incentivam os profissionais de saúde da cidade a integrarem a abordagem paliativista nas avaliações e no acompanhamento contínuo de pacientes e familiares, reforçando a importância de um cuidado multidimensional: físico, psicológico, social e espiritual.
Os elementos essenciais para uma abordagem paliativista incluem: identificação precoce de pacientes com necessidades paliativas, abordagem integral, desenvolvimento de um plano terapêutico singular, alívio e manejo dos sintomas, além da criação de um plano avançado de cuidados.

Serviço
XII Congreso Latinoamericano de Cuidados Paliativos e XI Congresso Brasileiro de Cuidados Paliativos
Tema: Tecendo laços de unidade em cuidados paliativos para a América Latina: a importância do trabalho em rede.
Data: 11 e 14 de março de 2026
Local: Distrito Anhembi – São Paulo
Fontes
Rossi, Marina e Serrano, Vitor. O hospital das despedidas, onde os pacientes vão para morrer com dignidade. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx20l8wpej8o>. Acesso em: 30 jul. 2025.
World. Palliative care. Disponível em: <https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/palliative-care>. Acesso: 30 jul. 2025.
Bello, L. Brazil’s population will stop growing in 2041. News Agency. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/en/agencia-news/2184-news-agency/news/41065-populacao-do-pais-vai-parar-de-crescer-em-2042>. Acesso: 30 jul. 2025.
Ministério da Saúde lança política inédita no SUS para cuidados paliativos. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/maio/ministerio-da-saude-lanca-politica-inedita-no-sus-para-cuidados-paliativos>. Acesso: 30 jul. 2025.
Ascom/Sesab/ Saúde GovBA. Governo da Bahia inaugura primeiro hospital público de cuidados paliativos do Brasil. Disponível em: <https://www.conass.org.br/governo-da-bahia-inaugura-primeiro-hospital-publico-de-cuidados-paliativos-do-brasil/>. Acesso em: 30 jul. 2025.
(*) Ana Beatriz S. Ferraz escreveu este texto sob orientação de Beltrina Côrte – Jornalista, CEO do Portal do Envelhecimento.
Foto: Leonardo Rattes / Saúde GovBA
