O suicídio entre os mais velhos é natural em Sabóia

PORTUGAL – O posto médico da aldeia de Sabóia, muitos dos utentes são idosos que vivem sozinhos, “carentes de afeto e atenção”, o que “conspira contra a vida” numa das freguesias do concelho de Odemira com mais casos de suicídio.

 

 

“Muitos dos velhotes que vêm à consulta conversam muito comigo e quando vão embora perguntam: doutora pode dar-me um beijinho? São pessoas carentes de afeto e atenção da família e isso conspira contra a vida”, contou à Agência Lusa a médica cubana Doramis Mora, que presta cuidados médicos em Sabóia há sete meses.

“Estou cá há pouco tempo, mas já percebi que Sabóia é um sítio muito só, com pessoas muito tristes” e a população é constituída sobretudo por “velhotes que praticamente vivem sozinhos e sentem-se isolados”.

“Muitos fecham-se nesse ambiente e para alguns a melhor forma de escapar à situação é o suicídio”, disse, referindo que as depressões são “muito frequentes” em Sabóia e “muitos utentes, idosos e jovens, tomam antidepressivos”.

Segundo dados da GNR, a que a Lusa teve acesso, entre 1992 e final de abril deste ano registraram-se 250 suicídios no concelho de Odemira, que regista a maior taxa no Baixo Alentejo, sendo São Teotónio (49) e Sabóia (33) as freguesias com mais casos.

Por isso, Sabóia vai ser alvo do projeto “A Vida Vale” da Fundação Odemira para estudar e combater o fenómeno do suicídio com ações de prevenção.

“Cá só há quase velhotes, os novos vão-se embora para outros lados”, disse a “velhota” Rosa Luís, encostada ao balcão da sua taberna, uma das mais antigas de Sabóia e que já fechou, retratando a população da freguesia, com 1344 habitantes, a maioria idosos.

Segundo a idosa, viúva, com “80 e tal anos” e que ocupa os dias a fazer renda e a falar com vizinhas, “sabe-se lá o que vai na cabeça de uma pessoa ao ponto de se matar. São coisas da vida”.

“A questão do suicídio é sempre preocupante, mas não acho que seja um problema de Sabóia”, onde nos últimos cinco anos se registaram seis casos, uma média de 1,2 por ano, disse à Lusa o presidente da Junta de Freguesia Manuel José.

Nos seus primeiros dois anos de mandato, 2005 e 2006, não houve nenhum caso de suicídio em Sabóia, o que deixou o autarca “bastante satisfeito”, mas em 2007 registou-se um caso, em 2008 três e em 2009 dois.

Ao contrário de Rosa Luís, António Silva, de 60 anos, dono das únicas barbearia e papelaria de Sabóia, passa os dias a trabalhar e tem “pouco descanso”.

“A questão do suicídio preocupa-me. É sempre uma pessoa que se perde, mas não me parece um problema da freguesia, nem é motivo de conversas” na aldeia, disse o barbeiro, enquanto cortava o cabelo a um cliente.

“A maior parte das pessoas que se suicidam são idosos que vivem sozinhos, isolados, com os filhos longe e já não têm vontade de viver”, frisou, corroborado por João Paulo, de 20 anos, natural de Sabóia mas a estudar em Lisboa.

“Os idosos pensam que já não estão cá a fazer nada e suicidam-se”, disse o estudante universitário, referindo que “o suicídio entre os mais velhos já é algo natural na freguesia e, por isso, fala-se pouco”.

Observatório também vai estudar fenômeno

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O suicídio e parassuicídio no distrito de Beja, que registra uma das mais elevadas taxas de casos na Europa, vai ser estudado por um observatório criado pela Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (ULSBA).

O observatório pretende “monitorizar e estudar de modo sistemático e continuado os fatores de risco, precipitantes e de proteção” de casos de suicídio e parassuicídio no Baixo Alentejo, explicou à Lusa a diretora do Departamento de Psiquiatria da ULSBA, Isabel Martins.

Segundo a pedopsiquiatra, o observatório é “inovador” porque dispõe de uma “equipa específica para estudar o suicídio e também o parassuicídio e o contributo dos fatores associados à perturbação mental e dos fatores sociodemográficos”.

“O fenómeno não é fácil de estudar porque envolve vários fatores”, embora “o peso da psicopatologia seja muito grande”, frisou.

A identificação dos vários fatores “pode ajudar os clínicos a estimar o grau geral de risco de suicídio de um doente e a desenvolver planos de tratamento que abordem fatores comportamentais, psicossociais, ambientais e de personalidade”.

“Queremos saber com maior precisão quais os fatores mais significativos no Baixo Alentejo”, disse, referindo que o observatório “já tem alguns pressupostos a partir de investigações anteriores, que forneceram alguns indicadores de risco para o suicídio e o parassuicídio”.

No caso de tentativas de suicídio em jovens, foram identificados como fatores de risco a prévia ideação suicida, tentativas de suicídio, diagnóstico de depressão e antecedentes de suicídio ou de tentativas na família e como fatores precipitantes as ruturas ou perdas afetivas.

No caso dos adultos, identificou-se como fatores de risco o homem, com mais de 55 anos, que vive sozinho, portador de doença crónica incapacitante e com prévias tentativas e histórico familiar de suicídio e psicopatologia com predomínio de depressão.

“Vamos partir desses indicadores, ver se eles se mantêm, como evoluíram e se encontramos outros”, explicou, frisando que “o trabalho do observatório poderá contribuir para a prevenção de casos de suicídio e parassuicídio no Baixo Alentejo”.

Através de um relatório anual, os resultados do estudo epidemiológico e dos fatores “serão divulgados à comunidade e às instituições responsáveis para que possam trabalhá-los com o objetivo de tentar controlar o fenómeno”.

Para o estudo epidemiológico do fenómeno, a equipa base do observatório é constituída por Isabel Martins, um psicólogo clínico, um enfermeiro especialista em saúde mental e uma técnica de serviço social.

“À medida que for necessário, sobretudo para estudar o parassuicídio, a equipa poderá será alargada a mais um psicólogo, um psiquiatra e um enfermeiro”, admitiu.

Segundo dados do Departamento de Psiquiatria da ULSBA baseados em estimativas da GNR e PSP, entre 1998 e 2008 registrou-se uma média anual de 53 casos de suicídio no distrito de Beja, onde “as taxas anuais têm sido elevadas, mas a tendência não é de subida”.

Em 2008 registraram-se 47 casos (taxa de 30.8 por cem mil habitantes), menos 11 do que em 2007, o ano da última década em que se registrou o maior número de suicídios (58, taxa de 37.7).

Em 2009 houve nova quebra e registraram-se 41 suicídios e uma taxa de 26.3, “uma das mais elevadas na Europa” e “três vezes superior à taxa nacional de 8.9 registrada em 2008”, frisou Isabel Martins.

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Fonte: por Agência Lusa, Publicado em 12 de Junho de 2010. Acesse Aqui 

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