Em decorrência da pandemia, o CDI se adaptou ao atendimento à distância, de forma que a terapeuta ocupacional passou a desempenhar uma dupla ação – de articulação com a rede de Saúde e de visitas domiciliares.
Veronique Satsuki Yamasaki (*)
Conheci o serviço do Centro Dia para Idosos (CDI), público, situado na zona sul da cidade de São Paulo-SP, já no contexto da pandemia, quando os únicos vestígios do antigo funcionamento presencial se resumiam a memórias, fotos e histórias dos funcionários e idosos. Trata-se de um equipamento de média complexidade integrante do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, especificamente da rede de Proteção Social Especial – PSE, que atende até 30 idosos com perfil de dependência graus I e II para desempenho das Atividades Básicas de Vida Diária (AVDs) e que se enquadrem em situação de vulnerabilidade social e violência instalada – física, verbal, financeira, emocional, etc. Em 2018, o CDI tornou-se também um serviço sociossanitário ou intersecretarial, fazendo parte não só do SUAS, como também do Sistema Único de Saúde – SUS (SÃO PAULO, 2018).
O CDI oferece atendimento diurno e presencial, de segunda a sexta-feira, para seus usuários, com objetivo de ofertar: as principais refeições, estímulos e atividades físicas, recreativas, culturais, cognitivas e sociais; prestar auxílio nos cuidados e desempenho de suas atividades. As famílias/cuidadores dos idosos também são contempladas pelo atendimento técnico, a fim de realizar acolhimento, orientação e promover estratégias de cuidado e manejo para as situações de violência e/ou vulnerabilidade social. O CDI é composto por uma equipe multi e interdisciplinar, formada por 5 profissionais: enfermeira, assistente social, psicólogo, nutricionista e terapeuta ocupacional. Também fazem parte da equipe de recursos humanos 10 cuidadores, gerente, técnico administrativo, cozinheiro e auxiliares de cozinha, auxiliares de limpeza, oficineiros que realizem oficinas temáticas com os usuários; motorista para buscar os idosos que não puderem se deslocar até o serviço (SÃO PAULO, 2016).
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No cenário ideal, o terapeuta ocupacional recém-chegado realizaria uma avaliação inicial de todos os usuários e, com base no atendimento anterior na área, seriam traçados objetivos específicos que dessem seguimento ao trabalho, contribuindo com o desempenho ocupacional dos idosos no CDI, e em suas casas, com suas famílias e cuidadores. Esse continuava sendo o objetivo da Terapia Ocupacional, contudo, com a impossibilidade de encontrar presencialmente todos os idosos, iniciei meu trabalho de aproximação desses casos através dos registros nos prontuários e conversas com os outros membros da equipe do CDI, principalmente com os cuidadores. Aos poucos foi possível conhecer algumas famílias e idosos, compreender o funcionamento da equipe, as dinâmicas do serviço, o que se esperava do meu cargo, e o que era possível implementar de novo ou aprimorar alguma ação existente.
A Terapia Ocupacional (TO) é o uso terapêutico das ocupações – Trabalho, Educação, Descanso e Sono, Lazer, Brincar; Atividades da Vida Diária – AVDs; Atividades Instrumentais da Vida Diária – AIVDs; Participação Social e Manejo da Saúde, que constituem o cotidiano de indivíduos, grupos e populações, com o objetivo de estimular e promover a participação no desempenho dessas ocupações.
Terapeutas ocupacionais utilizam seus conhecimentos e técnicasacerca da relação transacional entre o indivíduo, seu envolvimento em ocupações ou atividades significativas e seu contexto, para desenvolver planos de intervenção baseados na ocupação. O objetivo dessa atuação é possibilitar a participação do indivíduo em suas ocupações, de forma que seja possível desenvolver adaptações e modificações no ambiente quando necessário. Os serviços de Terapia Ocupacional buscam o estímulo e desenvolvimento de habilidades, reabilitação e promoção de saúde e bem-estar para indivíduos que apresentam ou não uma relação com incapacidades (AOTA, 2020).
A Terapia Ocupacional possui um campo de conhecimento e prática específica sobre a atuação deste profissional no SUAS, denominada Terapia Ocupacional Social, que se propõe a atuar com um sujeito contextualizado, ou seja, a prática não se baseia nas características individuais que o tornam um sujeito fora da norma (uma deficiência física, um transtorno mental, etc.) mas sim em aspectos de ordem social, cultural, psicológica, emocional, física, econômica, histórica e sociológica para compreender de maneira integralizada o que o contexto impõe à vida desses sujeitos e populações (BARROS; GHIRARDI; LOPES, 2002).
Em decorrência da pandemia da COVD-19, o CDI se adaptou ao atendimento prioritariamente à distância, de forma que a terapeuta ocupacional passou a desempenhar uma dupla ação – a primeira se define como gestão do cuidado e dos objetivos da Terapia Ocupacional à distância – através da orientação acerca das atividades que os cuidadores podem confeccionar e realizar com os idosos e a articulação com a rede de Saúde que atende os idosos, e, a segunda, que se concretiza presencialmente com a profissional e o idoso por meio de visitas domiciliares.
Intervenções da Terapia Ocupacional no CDI durante a pandemia
Visitas domiciliares: Os cuidadores realizam visitas domiciliares semanais a um grupo de idosos, eleitos como casos de maior vulnerabilidade social, com objetivo prioritário de realizar atividades – trabalho interdisciplinar, intenso e rico, desenvolvido por TO e cuidadores. Os objetivos são discutidos em conjunto e as propostas de atividades são compartilhadas, sendo possível ver avanços concretos no desempenho funcional e ocupacional dos idosos, mesmo nessa nova modalidade de atendimento. É realizado também um trabalho de orientação e construção de atividades com os oficineiros do serviço – Oficinas de Música, Jogos e Educação Física, Artesanato e Sustentabilidade – para que todas estejam adaptadas adequadamente às necessidades, dificuldades e interesses dos idosos.
Já as atuações diretas da TO com o idoso e sua família caracterizam-se por avaliações da funcionalidade e desempenho ocupacional, orientações e adaptações de algum recurso ou no ambiente da residência, a fim de qualificar e ampliar o envolvimento e participação dos usuários em suas ocupações, com o máximo de autonomia e independência, e de acordo com o desejo do idoso.
Articulações com equipamentos de saúde: ocorrem principalmente com as Unidades Básicas de Saúde – UBS para compreender o acompanhamento em saúde por meio de estudos de caso e realizar encaminhamentos que dizem respeito à funcionalidade e estímulo de independência dos idosos, como prescrição de recursos de Tecnologia Assistiva (TA), tais como cadeira de rodas adaptada e órteses.
Todas essas atuações são previamente discutidas entre os membros da equipe técnica do CDI, tendo sempre o Plano de Atendimento Individual (PIA) como norteador do raciocínio técnico para cada caso.
Notamos que, apesar da qualidade do serviço prestado pela equipe do CDI, há um grande vazio quando se trata do respaldo do mesmo na literatura científica, o que dificulta a prática baseada em evidências. O que nos motivou a registrar e publicar esta experiência reflexiva.
Referências
AOTA – AMERICAN ASSOCIATION OF OCCUPATIONAL THERAPY. Occupational Therapy Practice Framework: Domain and Process Fourth Edition. Am. J. Occup. Ther, v. 74, n. 2, p. 1-87, 2020.
BARROS, D.D. GHIRARDI, M. I. LOPES, R.E. Terapia Ocupacional Social. Rev. Ter. Ocup. Univ. São Paulo, v. 13, n. 3, p. 95-103, set./dez. 2002.
SÃO PAULO. Prefeitura Municipal. Portaria nº 65, de 16 de dezembro de 2016. Altera as Portarias SMADS nº 46 e 47/2010 para incluir entre os serviços socioassistenciais tipificados do Município o serviço de Centro Dia para Idosos. Disponível em: <http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/portaria-sec-mun-de-assistencia-e-desenvolvimento-social-65-de-27-de-dezembro-de-2016>. Acesso em: fev. 2021.
______. Portaria nº 1, de 31 de outubro de 2018. Dispõe sobre a Atuação em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), Centros de Acolhida Especiais para Idosos em situação de Rua (CAEI) e Centros Dia para Idosos, sob gestão municipal, com protocolo de atuação conjunta entre SMADS e SMS. Disponível em: <http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/portaria-intersecretarial-secretaria-municipal-de-assistencia-e-desenvolvimento-social-smads-secretaria-municipal-da-saude-sms-1-de-31-de-outubro-de-2018>. Acesso em: fev. 2021.
(*) Veronique Satsuki Yamasaki – Terapeuta Ocupacional graduada pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (2015-2019). Especialização Lato Sensu pelo Centro de Especialidades de Terapia Ocupacional – CETO em Formação Método Terapia Ocupacional Dinâmica – MTOD (2020-2022). Atuou como terapeuta ocupacional em um serviço sociossanitário Centro Dia para Idoso, com prática baseada na política do Sistema Único da Assistência Social – SUAS e Sistema Único de Saúde – SUS. E-mail: [email protected]
Foto destaque de SAM LIN/Pexels