Na disputa pelo voto jovem, é necessário desprezar voto de velhas e velhos?

Na disputa pelo voto jovem, é necessário desprezar voto de velhas e velhos?

Na campanha em curso pelo voto dos jovens, nos deparamos com expressões como “não deixe que os adultos decidam por você, quem vai governar o país”


As redes sociais estão fervendo com as eleições, isso todas e todos sabemos. O período de propaganda eleitoral ainda está distante mas, em todos os lugares as eleições, e tudo que a envolve, são tema para postagens, vídeos do YouTube, matérias em todos os meios de comunicação. Não há a menor dúvida sobre a importância de manifestação, por meio do voto, de cada cidadã ou cidadão. Afinal, se não nos posicionamos no momento de escolhas, permitindo que outros o façam por nós, como manifestar-se ou reivindicar direitos quando as coisas não caminharem da melhor forma para a cidade, o estado, o país?

Nesta semana teve início uma campanha – muito apropriada – pelo voto dos jovens. Figuras públicas – a cantora Anitta[1], Gregório Duvivier[2] – estimulam que jovens a partir dos 16 anos se registrem e tirem seus títulos para votarem nas próximas eleições. Isso não é novo, em 2019 o TSE já conclamava Jovem eleitor: seu voto tem superpoderes[3] para a mesma demanda.

Certamente, debate atual e de extrema importância mas, que não é o tema central desta reflexão. Minha questão é…. na disputa pelo voto jovem, é necessário desprezar voto de velhas e velhos?

Cara leitora, caro leitor, faço convite para que sigam minha reflexão. Todas e todos já ouviram alguma vez os termos “conflito de gerações” ou “disputa entre gerações”. Quem atua no campo da gerontologia tem diversos exemplos como, de maneira insidiosa, considerações de “especialistas” constroem argumentos, repetidos à exaustão, e que acabam por propalar essa ideia.

As discussões para a Reforma da Previdência – e sabemos que há muitos outros interesses envolvidos nessa disputa, a venda de “previdência privada” para citar apenas uma – é um exemplo.  A academia produziu e continua produzindo teses e dissertações, que refletem sobre o “conflito de gerações”[4] dentro das empresas.

Longe de mim negá-la: na família, nas empresas, na dinâmica das relações no cotidiano, no entanto, precisamos estimular a cultura gerontofóbica?  E aqui chegamos ao ponto que quero dar visibilidade: na divulgação da importância do voto jovem nas eleições é necessário desprezar o voto de velhas e velhos? O estímulo para que jovens votem passa por colocá-los em oposição aos velhos?

Quem tem idade para isso, vai lembrar-se das discussões em torno do Brexit[5]. Pois bem, muita divulgação se fez em torno de como “os velhos decidiram pelo destino dos jovens” – “Análise de referendo sobre UE sugere ‘briga de gerações’ no Reino Unido”[6]; “Jovens britânicos se indignam agora, mas estavam distraídos no dia do referendo – ‘Brexit’ ocorreu em pleno Festival de Glastonbury, o mais lendário evento de rock britânico”[7]; “Opinião: Brexit foi opção dos mais velhos”[8], e eu poderia trazer páginas e páginas com estas “respostas” por aqui dos meios de comunicação ampliando as vozes de “especialistas”. Não vou entrar nas considerações, também já divulgadas, de uma orquestração para o Brexit. Com certeza há muito a desvendar, ainda, e, talvez, nunca saibamos exatamente dos interesses dessa configuração da geopolítica.

Pois bem, me parece que algo semelhante está caminhando aqui pelo Brasil e quero, longe de apresentar conclusões, convidar a todas e todos para pensarmos neste momento: quais seriam as melhores estratégias para mudarmos o país? Para nos reconectarmos com a democracia? Para fortalecer os movimentos sociais, que sofrem há anos com diversas articulações para sua desestruturação? Para pensar políticas públicas que protejam as pessoas idosas, crianças e mulheres da violência, inclusive daquelas cometidas pelo Estado?

Na campanha em curso pelo voto dos jovens, nos deparamos com expressões como “não deixe que os adultos decidam por você, quem vai governar o país” ou – e esta me causou repulsa – “jovem, tire seu título de eleitor pelo app e-titulo. Não deixe quem está morrendo decidir a p***** de seu futuro”.[9] Seguida de uma foto de uma deputada da extrema direita, cercada de velhas e velhos.

Quer dizer que se tivermos NOVAMENTE um governo de extrema direta as pessoas idosas são responsáveis? Esquecem de Luiza Erundina, Benedita da Silva? Não uniformizem a velhice, do mesmo modo que sugiro, não uniformizem a juventude.

Recebe as últimas notícias!

Não perca nenhuma notícia, receba cada matéria diretamente no seu e-mail!

Antes que isso vá mais à frente, vamos lembrar que nossa Constituição de 1988 garante o direito de voto a todas e todos. Pergunto: Por que tamanha falta de imaginação? Para convidar e estimular o voto do jovem é preciso destruir a importância do voto de velhas e velhos? Por que estimular a agressividade? É necessário ocuparmos- jovens e pessoas idosas – corners opostos, por acaso estamos em luta? Não é possível dialogarmos, colaboramos com entendimentos? Aonde esse “conflito de gerações” construído nos leva? Qual a intenção de criar rixa neste momento que vivemos, quando tudo o que mais precisamos – e queremos – é dialogar, conversar, trocar ideias, olhar para outre e amar!

Lembrem-se “dividir para conquistar”, vamos entrar nessa?

Notas
[1] Disponível em Com Anitta e mais famosos, Brasil se mobiliza pelo voto de adolescentes… https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2022/03/25/com-anitta-e-mais-famosos-brasil-se-mobiliza-pelo-voto-de-adolescentes.htm?. Acesso em 26.mar.2022
[2] Assista em https://www.youtube.com/watch?v=R6Vl1ETt6Ck.
[3] Disponível em https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2019/Novembro/jovem-eleitor-seu-voto-tem-superpoderes. Acesso em 26.mar.2022
[4] GESTÃO DO CONFLITO DE GERAÇÕES NAS ORGANIZAÇÕES. Disponível em https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/11757/1/GESTAO%20DO%20CONFLITO%20DE%20GERACOES%20NAS%20ORGANIZACOES.pdf.
[5] Brexit é uma abreviação para “British exit” (“saída britânica”, na tradução literal para o português). Esse é o termo mais comumente usado quando se fala sobre a decisão do Reino Unido de deixar a UE. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-46335938. Acesso em 26.mar.2022
[6] Disponível em https://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/06/analise-de-referendo-sobre-ue-sugere-briga-de-geracoes-no-reino-unido.html. Acesso em 26.mar.2022
[7] Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/28/internacional/1467115809_027115.html. Acesso em 26.mar.2022
[8] Disponível em https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/2016/06/opiniao-brexit-foi-opcao-dos-mais-velhos.html. Acesso em 26.mar.2022
[9] Estou encaminhando email para este influencer com intuito de saber de sua intenção

Foto destaque de Edmond Dantès/Pexels

Atualizado às 10h11


https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/narrativas-autobiograficas/

Celina Dias Azevedo

Amante da literatura. Doutora em ciências sociais e Mestra em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Gestão de Programas Intergeracionais pela Universidade de Granada/Espanha, e em Gerontologia Social pelo Instituto Sedes Sapientiae (SP). Colaboradora do Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected] 

Compartilhe:

Avatar do Autor

Celina Dias Azevedo

Amante da literatura. Doutora em ciências sociais e Mestra em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Gestão de Programas Intergeracionais pela Universidade de Granada/Espanha, e em Gerontologia Social pelo Instituto Sedes Sapientiae (SP). Colaboradora do Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected] 

Celina Dias Azevedo escreveu 1 posts

Veja todos os posts de Celina Dias Azevedo
Comentários

Os comentários dos leitores não refletem a opinião do Portal do Envelhecimento e Longeviver.

LinkedIn
Share
WhatsApp
Email

Descubra mais sobre Portal do Envelhecimento e Longeviver

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading