Mídia brasileira: um desafio para a representatividade feminina 60+ 

Mídia brasileira: um desafio para a representatividade feminina 60+ 

Embora as mulheres 60+ tenham alcançado um maior protagonismo, elas ainda são sub-representadas na mídia.


Por Maria Creuza Borges de Araújo e Keren Karolyne Nóbrega Silva (*)

Atualmente o Brasil passa por um processo denominado feminização da velhice, que se deve ao fato da maior expectativa de vida das mulheres em relação aos homens (Leite, Hellman e Raymundo, 2019). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2023), em 2022 o número de pessoas idosas no país totalizou 15,6% da população, dentre os quais 55,7% são mulheres. Além disso, 17% da população feminina brasileira tem 60 anos ou mais (Censo, 2022). 

Neste sentido, é importante considerar a representatividade feminina 60+ em diversas áreas, pois esta questão é importante para melhoria da qualidade de vida das mulheres idosas, auxiliando no aumento da autoestima e da crença de que podem realizar atividades muitas vezes vistas como fora dos padrões de sua idade. Como propõe a logo do Geena Davis Institute (2024): “Se elas podem ver, elas podem fazer”. Dentre os setores de análise, a representatividade na mídia é crucial, pois influencia nossas percepções e interações do dia a dia, incluindo a forma como cada um de nós se vê envelhecendo. Essa questão pode ser analisada a partir das propagandas, novelas, mídia impressa, televisiva e redes sociais. Daí vem a seguinte pergunta: será que as mulheres 60+ são adequadamente representadas na mídia brasileira? 

Shinoda, Veludo-de-Oliveira e Pereira (2020) realizaram uma análise dos estereótipos femininos na mídia impressa brasileira entre os anos de 1995 e 2015, e averiguaram uma sub-representação de mulheres idosas nesses meios. Durante o período, não foram encontradas propagandas com mulheres idosas em revistas específicas para o público masculino, enquanto apenas 1% e 2,4% das propagandas de revistas de público feminino e público geral tinham representação feminina 60+, respectivamente. A pesquisa mostra que as mulheres adultas possuem uma representatividade elevada: no período analisado elas apareceram em 69% das propagandas, enquanto a porcentagem de adultas, de acordo com o Censo (2010), era de 43,3% das mulheres brasileiras. Já as idosas foram expostas em 1,1% dos anúncios, enquanto representavam 15,3% da população feminina nacional. 

Outra questão analisada no estudo foram os papéis da mulher na mídia impressa. As idosas não aparecem como símbolos sexuais, pessoas fisicamente atrativas, orientadas para carreira ou em atividades subalternas, enquanto são representadas principalmente em papéis de dependentes ou donas de casa e, minoritariamente, em atividades não tradicionais, papéis de autoridade ou neutros. Esta tendência é observada também em novelas, séries, minisséries e filmes nacionais, nos quais as mulheres idosas aparecem principalmente como donas de casa, avós dedicadas ou dependentes financeiras. 

Dados do Relatório Nacional Brasileiro, desenvolvido pelo Projeto de Monitoramento de Mídia Global (2020), expõem a representatividade feminina 60+ em notícias veiculadas em jornais impressos, televisão, rádio e internet no país. Segundo o estudo, com relação à disparidade de gênero entre pessoas idosas, os homens são mais ouvidos e reportados nas notícias. Na faixa etária entre 65 e 79 anos, 40% das mulheres e 64% dos homens são sujeitos das notícias. Enquanto 21% dos homens dessa faixa etária são repórteres e 3% são experts em diferentes áreas, não há mulheres dessa idade nestas funções. O único papel em que as mulheres aparecem mais do que os homens é o da experiência pessoal. Na faixa etária acima dos 80 anos, 100% dos homens foram ouvidos como sujeitos da situação, enquanto nenhuma mulher desempenhou qualquer função. 

Com relação a mulheres em diferentes idades, aquelas que mais aparecem como sujeito das notícias possuem menos de 12 anos, a função de repórter ocorre principalmente entre aquelas que se encontram entre 50 e 64 anos, como experts tem-se mulheres na faixa etária entre 19 e 34 anos. Mulheres acima de 65 anos não aparecem com maior porcentagem de função em nenhuma das áreas analisadas. Essa sub-representação é notada também em novelas e filmes, com elencos formados, majoritariamente, por jovens. Essa afirmação é reiterada em entrevista recente da atriz Arlete Sales à Veja, na qual comenta que as mulheres idosas são desvalorizadas e não possuem bons papéis na TV brasileira.

Não perca nenhuma notícia!

Receba cada matéria diretamente no seu e-mail assinando a newsletter diária!

Assim, embora as mulheres idosas tenham alcançado um maior protagonismo na sociedade atual, estas ainda são sub-representadas na mídia nacional, tanto com relação ao número de vezes em que aparecem quanto aos papéis que desempenham, o que indica uma inconsistência entre a representatividade feminina 60+ na mídia e a distribuição da população feminina do país. 

Neste sentido, é necessário diversificar a representação de mulheres 60+ na mídia, retratando, além daquelas já divulgadas, mulheres empoderadas, orientadas para carreira, com sonhos e desejos, fisicamente ativas, entre outras, trazendo uma perspectiva mais precisa sobre as mulheres do Brasil, e propagando a ideia de que idosas podem alcançar diversos patamares, não sendo a velhice um obstáculo para atingir novos objetivos.

Referências
Leite, T.G.; Hellman, V.; Raymundo, T.M. Sexualidade e envelhecimento da mulher: uma intervenção da Terapia Ocupacional. Revista Kairós-Gerontologia, v. 22, n. 2, p. 131-157, 2019.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Censo Demográfico. Brasília: 2022. 
IBGE. Censo Demográfico. Brasília: 2010. 
Geena Davis Institute. Slogan. Disponível em: https://geenadavisinstitute.org/. Acesso em: 16 de junho de 2024.
Shinoda, L. M.; Veludo-De-Oliveira, T.; Pereira, I. Beyond gender stereotypes: the missing women in print advertising. International Journal of Advertising, v. 40, n. 4, p. 629-656, 15 set. 2020.
Projeto de Monitoramento de Mídia Global. Brasil: Relatório Nacional, 80 páginas, 2020.
VEJA. Arlete Salles comenta escassez de papéis para idosas em novelas. 26 de abril de 2024. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/veja-gente/arlete-salles-comenta-escassez-de-papeis-para-idosas-em-novelas. Acesso em: 02 de junho de 2024. 

(*) Maria Creuza Borges de Araújo – Docente da Universidade Federal de Campina Grande, coordenadora da pesquisa ‘Representatividade Feminina 60+ e seu impacto na qualidade de vida de idosas de baixa renda’. E-mail: [email protected].
Keren Karolyne Nóbrega Silva – Mestranda em Engenharia de Produção pela Universidade Federal da Paraíba e membro do projeto de pesquisa ‘Representatividade Feminina 60+ e seu impacto na qualidade de vida de idosas de baixa renda’. 

Nota: Artigo fruto do projeto intitulado ‘Representatividade Feminina 60+ e seu impacto na qualidade de vida de idosas de baixa renda’, selecionado pelo Edital Acadêmico de Pesquisa 2023 “Envelhecer com futuro”, do Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão do Itaú Viver Mais e do Portal do Envelhecimento.

Foto de Antoni Shkraba/pexels.


banner promovendo curso sobre envelhecimento
Portal do Envelhecimento

Compartilhe:

Avatar do Autor

Portal do Envelhecimento

Portal do Envelhecimento escreveu 4335 posts

Veja todos os posts de Portal do Envelhecimento
Comentários

Os comentários dos leitores não refletem a opinião do Portal do Envelhecimento e Longeviver.

LinkedIn
Share
WhatsApp
Follow by Email
RSS