Lugar de plurais: a vida depois dos 60

Lugar de plurais: a vida depois dos 60

Pensar na velhice, olhando-a de diversos ângulos, faz com que os atravessamentos sejam considerados, tendo maior chance de garantir qualidade de vida à pessoa idosa.

Por Isabela Sanchez Ortali (*)


Cresci ouvindo meus pais falarem com muito carinho sobre as histórias de seus avós e a importância de honrar o ancestral. Era a criança e adolescente instigada por saber mais e mais das experiências vividas, sobre como era o mundo e a forma de enxergá-lo. Escutei incontáveis vezes sobre como meus avós se conheceram, as amizades de longa data, suas realizações na vida e caminhos seguidos, assim como os que escolheram não conhecer. A instigação infantil a respeito do envelhecimento serviu como fósforo, atiçando meu imaginário acerca da construção social, muitas vezes excludente, que é a velhice.

Não sabia da existência da URSI até começar o quinto semestre da faculdade (curso de Psicologia) e me deparar com essa possibilidade de estágio[1]. Interessei-me logo de início e o horário disponível se encaixava na minha grade. O grupo de sensibilidade dos pés, recém-formado, me ensinou que o cuidado é mais efetivo quando interdisciplinar: pensar na velhice, olhando-a de diversos ângulos, faz com que os atravessamentos sejam considerados, tendo maior chance de garantir qualidade de vida à pessoa idosa.

Seu S., um dos três idosos que conheci, nos contou sobre como parou de receber o auxílio do governo durante a pandemia. Sobrevivendo, junto de sua esposa, com 600 reais por mês e alguns trocados (que consegue vendendo água no farol), nos mostra o quanto a sociedade não nos prepara para o tornar-se velho. Fecham-se os olhos para essa etapa da vida, deixando a mercê do destino – e do próprio bolso, viva a desigualdade social! – a forma com que cada um irá vivenciá-la. É uma ironia o período de 2021 a 2030 ser considerado a ‘Década do envelhecimento saudável’ (estabelecida pela Assembleia Geral da ONU), uma vez que se iniciou com uma tragédia que atingiu em cheio as populações mais velhas e matou milhões de pessoas idosas em todo o mundo.

Dentro da gama plural de vidas de pessoas idosas, deparei-me com três no estágio: S., já mencionado, D. e F. Cada um com suas histórias, queixas, dores e mecanismos de sobrevivência. Pontos de encontro e desencontro perpassam e formam uma rede de laços que provam o quanto é singular cada envelhecimento, na mesma medida em que se desenrola no âmbito social. F. teve treze filhos e, por suas contas, oito estão vivos. Ela nos conta sobre o desaparecimento de um deles, um pouco antes de nosso primeiro encontro, o que me faz pensar sobre o atravessamento de gênero na velhice:

Eu tenho que ser forte, porque nem isso a minha família é por mim.

Ela, na casa dos 80, ainda marca médicos para os filhos, psicólogo para os netos e detém a guarda de uma neta. A invisibilidade da velhice começa a funcionar como projeto – à medida que dessa forma, não é preciso pensar e gastar recursos em políticas públicas voltadas para essa faixa etária – no momento em que ela deixa de ser funcional. Antes disso, ainda há utilidade.

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Por último, D. nos faz refletir sobre outro ponto que perpassa a velhice, a espera pela morte. Ela, que queria ter cursado jornalismo e, portanto, escreveu algumas coisas durante a vida, diz que está trabalhando em um “diário para a morte”. Nele, escreve sobre suas vivências e aprendizados no decorrer dos anos, mas não é para ninguém ler: pediu para sua neta queimá-lo após sua partida. É simbólico tanto o tema quanto a finalidade da escrita, uma vez que acredita que seu “momento já passou” e o que faz hoje é para passar o tempo, até a hora em que não estiver mais aqui.

A pergunta que fica é: qual é a vida depois dos 60? Quem pensa em como ela será?

(*) Isabela Sanchez Ortali – Relatório/Crônica estágio de 3º ano – 1º Sem 2023, da turma EBIVE52, do Curso de Psicologia, Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde – FACHS-PUC-SP, sob a supervisão da Profa. Dra. Ruth G. da C. Lopes na disciplina Estágio Básico I, composta por atividade prática voltada para o exercício de competências e habilidades psicológicas que favoreçam a compreensão e posterior atuação em realidades específicas. E-mail: E-mail: [email protected]

Nota
[1] Este texto é fruto de minha vivência como estagiária na Oficina ‘Sensibilidade para os Pés’ na Unidade de Referência para Idosos (URSI-Paula Souza/SP).

Foto destaque de Mehmet Turgut Kirkgoz/pexels


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