Sexualidade e demência: uma história para quebrar tabus

Sexualidade e demência: uma história para quebrar tabus

É importante lembrar que a reflexão sobre sexualidade na demência não deve ser reprimida, e sim acolhida. A sexualidade não se resume apenas ao ato sexual


Marta e João, ambos com 80 anos, são casados há 50 anos, com uma história de amor digna dos romances de Gabriel Garcia Márquez. Porém, há 5 anos ela iniciou um problema de memória e posteriormente foi diagnosticada com Doença de Alzheimer, o que não impediu de manterem relações sexuais no período, mas que deixou seu médico surpreso e de queixo caído.

Ao contrário do que muitos acreditam, algumas pessoas vivendo com alguma síndrome demencial podem manter desejos de expressões de sexualidade. É inegável que muitos apresentam uma redução no desejo, na frequência e na satisfação sexual. Mas pesquisas realizadas nas últimas décadas mostram que a intimidade, o toque, a privacidade, a sensação de vínculo com alguém e até mesmo (em alguns casos) o ato sexual, podem ser benéficos tanto para a pessoa com demência quanto para sua parceira.

Algumas possibilidades como um casal em que uma pessoa tenha demência, as duas ou até mesmo novas relações em Instituições de Longa Permanência para Idosos vão acender um debate no qual não existe verdade absoluta ou respostas fáceis e prontas.

Entretanto, diversas vezes em que uma pessoa com uma enfermidade como essa expressa sua sexualidade, ela é considerada como inapropriada ou portadora de um sintoma como agitação ou agressividade, os quais teriam necessidade de uma intervenção medicamentosa, o que não necessariamente é verdade.

Com esses conhecimentos em mente, profissionais da saúde também devem avaliar a capacidade de consentimento dessas pessoas, lembrando por um lado que a despeito da evolução do quadro cognitivo, muitos podem manter a capacidade de tomada de decisões, que pode se deteriorar com a evolução da doença. Por outro, a fim de proteger a pessoa com demência, é importante destacar que o ato de “estupro de vulnerável” é previsto no código penal como um crime e parceiros fixos poderiam, em tese, serem enquadrados nessa legislação.

Nesse contexto, reprimir ou proibir a expressão da sexualidade de pessoas idosas, sem embasamento, pode ser um ato violento que contribui com o sofrimento biopsicossocial da pessoa com demência e de seus familiares.

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Além disso, sexualidade não se resume apenas ao ato sexual, e nossa abordagem não pode ser baseada no binarismo do “Tudo ou Nada”, do “Certo ou Errado” ou do “Normal ou Patológico”. É preciso ir além, respeitando a biografia e heterogeneidade de cada um. Mesmo naqueles casos em que a demência evoluiu e a pessoa perdeu a capacidade de consentimento, é possível orientar aquele que irá se relacionar sobre formas de carinho, de afeto, de toque e de intimidade, como abraços ou até mesmo uma massagem nos braços e nas pernas com aroma agradável.

Por fim, é importante lembrar que a reflexão sobre sexualidade na demência não deve ser reprimida, e sim acolhida. Dessa forma, Marta e João poderão descobrir em qual capítulo de seu livro se encontram, se desejam escrever um posfácio ou começar uma nova edição. E seu médico também será capaz de ler e viver um novo conto a cada dia.

Foto destaque de Gustavo Fring/pexels

Serviço
Podcast EnvelheSER caxt: https://www.youtube.com/@envelhesercaxt


https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/novo/courses/narrativas-cremilda/

Milton Crenitte

Médico Geriatra, Doutor em ciências pela USP. Coordenador médico do ambulatório de sexualidade da pessoa idosa do HCFMUSP. Professor de curso de medicina da Universidade de São Caetano do Sul. Voluntário da ONG Eternamente SOU.

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Médico Geriatra, Doutor em ciências pela USP. Coordenador médico do ambulatório de sexualidade da pessoa idosa do HCFMUSP. Professor de curso de medicina da Universidade de São Caetano do Sul. Voluntário da ONG Eternamente SOU.

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