Intergeracionalidade: Caminhos da Musicoterapia

Intergeracionalidade: Caminhos da Musicoterapia

A intergeracionalidade tem sido explorada em diferentes propostas no campo da musicoterapia, com resultados promissores.


Mauro Pereira Amoroso Anastacio Junior (*)

A intergeracionalidade envolve o compartilhamento de conhecimentos, experiências e vivências entre pessoas de diferentes gerações. Ela se manifesta ao longo de toda a vida, no ambiente familiar, na comunidade e na sociedade, promovendo processos de educação mútua. Os envolvidos podem ensinar e aprender, o que a torna uma ferramenta importante para a construção de sociedades mais justas. A intergeracionalidade contribui para prevenir e combater a discriminação, promover o diálogo e o respeito, além de poder prevenir o isolamento social e a solidão entre pessoas idosas. Ela também favorece o desenvolvimento de novas capacidades e promove o sentimento de pertencimento por meio de trocas afetivas, apoio e cuidado (Nogueira; Batista, 2022).

A intergeracionalidade pode ser vista como um indicador de desenvolvimento e é um direito garantido por legislações que asseguram a convivência, a valorização da memória, a transmissão de conhecimentos e a educação para o envelhecimento. Os Programas Intergeracionais começaram a ser implementados no Brasil na década de 1990, com o objetivo principal de promover a interação entre gerações além do ambiente familiar, com oportunidades para o intercâmbio de experiências. Essa abordagem busca desconstruir a desvalorização das pessoas idosas, causada pela sociedade consumista e pela mercantilização das relações sociais (Lima, 2008).

As intervenções baseadas no contato intergeracional foram destacadas pela Organização Pan-Americana da Saúde, no manual sobre o idadismo publicado em 2022, como uma das estratégias mais eficazes para reduzir preconceitos e estereótipos entre diferentes grupos etários — ao lado da implementação de políticas e legislações específicas, e de ações educativas. No campo da musicoterapia, esse modelo de intervenção tem sido explorado em diferentes propostas, com resultados promissores em múltiplas dimensões sociais e de saúde.

A musicoterapia é uma área científica que estuda as diversas possibilidades das experiências musicais para alcançar objetivos terapêuticos, abrangendo promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamentos e transformação de contextos sociais e comunitários. O musicoterapeuta é o profissional com nível superior ou especialização qualificado para atuar conforme a Lei nº 14.842, de 11 de abril de 2024 (BRASIL, 2024). Na prática, a musicoterapia envolve toda e qualquer forma de experiência musical, como tocar instrumentos, cantar e ouvir música, a partir de planos de cuidado e processos terapêuticos adaptados.

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A musicoterapia como facilitadora para a prática intergeracional

Na Flórida, um programa intergeracional de musicoterapia uniu crianças e pessoas idosas institucionalizadas em uma experiência ao longo de três meses. As atividades foram conduzidas em grupos grandes e também em duplas formadas por uma criança e por uma pessoa idosa. As práticas de musicoterapia incluíram o canto de músicas familiares, o aprendizado de novas canções e momentos de conversa estruturada a partir de temas inspirados nas canções escolhidas. Os participantes exploraram instrumentos como tambores, chocalhos e sinos, e participaram de atividades que combinavam música e movimento corporal, facilitando o contato físico e a interação entre os participantes.

Nesse contexto, a prática intergeracional contribuiu para mudanças na percepção entre os participantes: para as crianças, houve uma redução nas descrições negativas sobre as pessoas idosas e um aumento nas representações positivas, indicando uma visão mais respeitosa em relação ao envelhecimento. Do outro lado, também foram observadas transformações nas atitudes das pessoas idosas em relação às crianças, marcadas por maior receptividade. Os participantes idosos relataram sentir-se mais úteis após o término do programa, sugerindo os potenciais benefícios da utilização da experiência musical como uma facilitadora para essas interações.

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A abordagem intergeracional também pode envolver outras atividades musicais, como o canto coral. Um estudo publicado em 2020 acompanhou a experiência de um coral formado por dez pessoas idosas e cinco estudantes de musicoterapia. Através de entrevistas, a pesquisadora percebeu que a vivência em grupo intergeracional estimulou a aprendizagem mútua, a criação de vínculos e o apoio social, além de despertar sentimentos de realização, valorização e prazer. Para os estudantes, a experiência também trouxe mudanças positivas na forma como enxergam as pessoas idosas (Jang, 2020).

A experiência musical constitui uma via prazerosa e com potencial para promover a cooperação e o aprendizado mútuo entre as gerações. O compartilhamento de repertórios musicais e de histórias de vida pode favorecer o diálogo intergeracional, ampliar percepções e fortalecer os vínculos sociais, contribuindo para o bem-estar coletivo em contextos comunitários.

A prática musical em grupo — por meio do canto, movimento e do uso de instrumentos — é acessível e inclusiva, permitindo que cada participante se envolva no seu próprio ritmo, de acordo com seu nível de conforto e disponibilidade emocional.

Referências
Belgrave, Melita. The effect of a music therapy intergenerational program on children and older adults’ intergenerational interactions, cross-age attitudes, and older adults’ psychosocial well-being. Journal of music therapy, v. 48, n. 4, p. 486-508, 2011.
Brasil. Lei nº 14.842, de 11 de abril de 2024. Dispõe sobre a atividade profissional de musicoterapeuta. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 abr. 2024. Seção 1, p. 1. Disponível em: <https://www.in.gov.br/web/dou/-/lei-n-14.842-de-11-de-abril-de-2024-553580721>. Acesso em: 2 ago. 2024.
Jang, Sekyung. Intergenerational choir: A qualitative exploration of lived experiences of older adults and student music therapists. Journal of music therapy, v. 57, n. 4, p. 406-431, 2020.
Lima, C. R. Programas intergeracionais: um estudo sobre as atividades que aproximam diversas gerações. Campinas: Alínea, 2008.
Nogueira, Ingrid Rochelle Rêgo; Batista, Adriana Costa. Intergeracionalidade: prevenção ao idadismo e construção de uma sociedade para todas as idades. Brasília: SESC/DF, 2022. 2760 KB. PDF. ISBN 978-65-88861-04-2.
Relatório mundial sobre o idadismo. Washington, D.C.: Organização Pan-Americana da Saúde; 2022. Licença: CC BY-NC-SA 3.0 IGO. https://doi.org/10.37774/9789275724453.

(*) Mauro Pereira Amoroso Anastacio Junior – Musicoterapeuta, Doutorando em Gerontologia pela Unicamp, Mestre em Ciências pelo programa de Gerontologia da USP, Bacharel em Música. Primeiro secretário da Associação de Profissionais e Estudantes de Musicoterapia do Estado de São Paulo, docente da pós-graduação em Musicoterapia da Faculdade Censupeg e da pós-graduação em Gerontologia da FAPSS. Pesquisador selecionado no  4º Edital Acadêmico de Pesquisa: Envelhecer com Futuro, promovido pelo Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento e Longeviver, com a pesquisa “Harmonia entre gerações: a musicoterapia como instrumento de transformação social”.  E-mail: [email protected]

Foto de Alena Darmel/pexels.


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Beltrina Côrte

Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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