Como lidar com tipos de dependências da pessoa idosa com demência

Como lidar com tipos de dependências da pessoa idosa com demência

As dependências não se resumem ao cuidado físico, mas à construção de um ambiente acolhedor e adaptado às necessidades cognitivas e emocionais.


Thais Bento Lima da Silva e Maria Antônia Antunes Fernandes (*)

Lidar com os diversos tipos de dependência que surgem em pessoas idosas com demência é um desafio multifacetado, que vai além do suporte físico e envolve a compreensão das necessidades cognitivas e emocionais do indivíduo. A demência, em especial a Doença de Alzheimer, compromete a memória de longo e curto prazo, afetando a habilidade da pessoa de executar atividades do dia a dia, como nomeação de objetos, formação de frases e planejamento de tarefas (Izquierdo, 2002). Esses déficits impactam diretamente a autonomia e a qualidade de vida da pessoa, exigindo uma abordagem cuidadosa para manter ao máximo sua independência.

Uma das primeiras consequências do comprometimento cognitivo em quadros de demência é a perda de memórias biográficas, essenciais para o reconhecimento de si e das relações com familiares e amigos (Rozenthal et al., 1995). Quando a pessoa idosa não consegue se lembrar de fatos, lugares e pessoas, sua capacidade de conexão e de cuidar de si mesmo se reduz, afetando também a sua autonomia e levando à dependência de um cuidador. O impacto vai além do físico, desafiando a própria identidade e afetando a percepção de quem se é.

A dependência, no entanto, não é necessariamente sinônimo de perda total de autonomia. Segundo Abreu, Forlenza e Barros (2005), uma pessoa pode apresentar limitações físicas ou cognitivas, mas, com o suporte certo, manter a capacidade de tomar decisões e expressar desejos. O que ocorre é um processo de adaptação, em que a autonomia pode ser parcialmente preservada dependendo das estratégias e do apoio oferecido. Esse paradoxo entre dependência e autonomia aponta para a importância de uma rede de apoio que considere tanto as limitações quanto as habilidades preservadas.

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Para avaliar e planejar esse suporte, escalas funcionais e cognitivas são ferramentas indispensáveis. Elas nos ajudam a categorizar diferentes tipos de dependência e orientar o suporte de acordo com as necessidades e capacidades de cada pessoa. A dependência pode, portanto, se apresentar em graus variados, permitindo que a pessoa idosa mantenha uma certa autonomia e continue envolvida em decisões que afetam sua vida cotidiana.

Além disso, a função executiva — que envolve habilidades como planejamento, auto-regulação e flexibilidade mental — é essencial para responder de forma adaptativa aos desafios diários. Em muitos casos, os déficits de memória prospectiva dificultam a iniciação de ações rotineiras, como lembrar-se de tomar medicamentos ou preparar uma refeição (Einstein & McDaniel, 2002). A falta de estímulo para iniciar essas atividades pode ser compensada com lembretes, suporte familiar e adaptações no ambiente.

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Portanto, lidar com as dependências, não se resume ao cuidado físico, mas envolve a construção de um ambiente acolhedor e adaptado às suas necessidades cognitivas e emocionais. O objetivo é preservar o máximo possível de autonomia, promovendo uma rede de suporte que incentive a pessoa idosa a exercer seu protagonismo nas decisões e atividades diárias, respeitando suas capacidades e limitando o impacto da perda cognitiva em sua vida.

Referências
IZQUIERDO, I. – Memória. Capítulo 2. São Paulo: Artmed, 2002.
ROZENTHAL, M.; ENGELHARDT, E.; LAKS, J. – Memória: aspectos funcionais. Rev Bras Neurol 1995;31(3):157-60
ABREU, Izabella Dutra de; FORLENZA, Orestes Vicente; BARROS, Hélio Lauar de. Demência de Alzheimer: correlação entre memória e autonomia. Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo), v. 32, p. 131-136, 2005.
EISTEIN, G.O.; MCDANIEL, M.A. – Normal ageing and prospective memory. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory and cognition. 1990;16,717-26. In: Leibing, A.; Scheinkman, L. – The diversity of Alzheimer Disease: Different approaches and contexts. IBUP, 2002a.

 (*) Thais Bento Lima da Silva – Gerontóloga formada pela Universidade de São Paulo (USP). Mestra e Doutora em Ciências com ênfase em Neurologia Cognitiva e do Comportamento, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Docente do curso de Bacharelado e de Pós-Graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), pesquisadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretora científica da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Membro da diretoria da Associação Brasileira de Alzheimer- Regional São Paulo. É parceira científica do Método Supera. Coordenadora do Grupo de Estudos em Treino Cognitivo da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]
Maria Antônia Antunes FernandesBacharel em Gerontologia pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Foi bolsista de iniciação científica PUB do projeto: “Intervenções psicoeducativas para a COVID-19 aliada à estimulação cognitiva no programa USP 60 +”.  Atualmente é colaboradora do Grupo de Estudos em Treino Cognitivo da USP (GETCUSP), atuando na área de pesquisa em treino cognitivo de longa duração. E-mail: [email protected]

Foto de RDNE Stock project/pexels.


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