Hometown Cha-Cha-Cha: as pessoas precisam viver juntas!

Hometown Cha-Cha-Cha: as pessoas precisam viver juntas!

Às vezes, a vida pode parecer um fardo para você, mas, se você escolher viver próximo às outras pessoas, alguém vai carregá-lo nas costas. As pessoas precisam viver juntas.


Todos os meus amigos sabem que desde a pandemia eu me apaixonei pelas séries sul-coreanas, espécie de “novelas” consideradas por muitos como mamão com açúcar, com namoros bobinhos e inocentes ou comédias bem light. Mas que me aquecem o coração e me permitem novas aprendizagens e viagens, sejam culturais, turísticas e gastronômicas. Em cada uma delas sempre há um tema presente e com uma abordagem interessante.

Ao contrário do Brasil, a Coreia do Sul vem investindo bastante em políticas culturais, posicionando-se no mercado de entretenimento global. O K-Drama, seriados exibidos na TV e na internet, é um exemplo concreto e em todos eles a gastronomia se faz presente. Me apaixonei pela beleza de suas comidas. Em quase todos os seriados há cenas de pratos belíssimos. E de tanto falar sobre essa minha paixão, minha amigona coreana Beth Hong me levou para comer no Portal da Coreia (na Liberdade/SP) e ali pude experimentar vários pratos que eu só via na telinha. Me senti na Coreia e dentro de um K-Drama.

Além da comida, venho encontrando em várias delas verdadeiros tesouros para quem atua na área da Gerontologia Social. É o caso de Hometown Cha-Cha-Cha, lançada em 2021, exibida no canal coreano TVN e distribuída internacionalmente pela Netflix. Em 16 episódios este seriado conta a história de uma dentista, Yoon Hye-jin (Shin Min-A), de Seul, que se muda para um vilarejo que vive de pesca, para abrir uma clínica e que ali encontra um rapaz, Du-Sik (Kim Seon-Ho), um faz-tudo, que viveu quase a sua vida inteira nesse vilarejo. Trata-se de uma história sensível, acolhedora e divertida que se passa em Porto de Gongjin, cidade de Chung-ho, província de Gangwon.

No vilarejo os moradores se mostram a princípio fofoqueiros, mas que acabam sendo uma verdadeira família e cuidam coletivamente do lugarejo, inclusive de sua limpeza, do lixo, das decisões políticas… Aqui está um dos primeiros tesouros encontrados: as relações e a solidariedade de uns com os outros. Afinal, o modo como vivemos e como nos relacionamos com quem está a nossa volta é o que importa. O outro tesouro, que considero mais importante, é como os idosos ali são tratados e cuidados por todos, e o que especialmente três amigas, todas acima de seus 70 anos, nos ensinam e deixam como legado, verdadeiras joias de suas experiências de vida, especialmente a senhora Kim Gam-Ri (Kim Young-Ok).

Assisti mais de uma vez esta séria na tentativa de compreender o diálogo que envolvia estas três idosas. Na última, resolvi transcrever literalmente e compartilhar aqui com vocês. São falas que falam por si só. Aqueles que ainda não assistiram recomendo fazê-lo antes de ler este artigo, que traz vários spoilers, desde texto a imagens (prints de tela).

Vamos aos diálogos?

Primeiro diálogo: sobre definhar com graça

Diálogo que acontece entre a senhora Gam-ri, a mais idosa de todas, e suas duas grandes amigas, em um cenário de muitas flores:
– Quantas flores lindas!
– Pois é.
– Não é ótimo?
– Ainda bem que plantamos muitas flores.
– Que engraçado! Quando eu era jovem, não ligava para isso.
– É porque nós éramos as flores na época.
– É, tem razão.
– Como elas já desabrocharam, a única coisa que resta é definhar com graça.

Segundo diálogo: sobre estar com pessoas

Diálogo entre o cineasta e a senhora Gam-ri sobre talheres, que ocorreu após a cena de almoço com os jovens da equipe de filmagem:
– Não lembro a última vez que tive que usar tantos talheres.
– Tenho certeza de que eles adoram ser usados nesta ocasião. Me diverti muito senhora Kim.
– O quê? Estar com pessoas é a coisa de que mais gosto no mundo.
– Comer, rir e conversar junto…
– É como a vida deve ser, não acha?
– Acho que sim.

Terceiro diálogo: sobre a casa ficar menos solitária

Diálogo que ocorre entre a senhora Gam-ri e Du-sik, o chefe Hong, quando ela pede para chamar o cineasta, pois decide alugar finalmente sua casa para a equipe de filmagem:
– Moro nesta casa há 50 anos. Dei à luz nesta casa e todos os meus filhos já cresceram e se casaram. Fiquei sozinha nesta casa vazia. Se eu deixar as pessoas se divertirem aqui, a casa ficará menos solitária, não é?
– Não se sentiu solitária ontem, hein?
– Pare de mexer com uma velha.
– Vou contar a ele hoje.
– Fico feliz pela senhora.

Quarto diálogo: É natural que idosos como nós cheirem a mofo

O diálogo gira em torno das velas que são feitas pelo chefe Hong.
– Senhoras, acendam estas velas no quarto e qualquer cheiro ruim desaparecerá.
– Na última vez que meu neto me visitou, ele disse que minha casa estava com cheiro de mofo.
– Ficou chateada?
– Um pouco.
– Não precisa se sentir chateada ou envergonhada. É a lei da natureza. É natural que idosos como nós cheirem a mofo.
– Por isso às vezes precisamos tomar banho com água quente.
– Use o sabonete caseiro do chefe Hong para tirar o mau cheiro.

Quinto diálogo: Gosto de ser velha

Este diálogo ocorre às vésperas da morte da senhora Gam-ri. Logo após a equipe de filmagem deixar a casa dela, suas amigas chegam para ajudar a limpar e acabam dormindo juntas. Já deitadas, uma delas pergunta:
– Garotas, já estão dormindo?
– Minhas pálpebras estão tão pesadas. Tenho sentido muito sono, até na hora das minhas novelas.
– É que somos velhas e sentimos sono no início da noite.
– É verdade. Não acredito que já passei dos 70 anos. Ainda me sinto como a garota que saía escondida com o namorado.
– Pare de pensar besteira. Cuidado com o que diz.
– O que foi? Nunca saiu às escondidas com seu namorado?
– O que disse?
– Naquela época, sempre saíamos às escondidas.
– Chega de bobagem. Vão dormir de uma vez!
– Nossa!
– Só eu me sinto assim? Fico triste porque meu corpo envelhece, mas meu coração continua jovem.
– Me sinto assim o tempo todo.
– A cabeça não acompanha o corpo. Fiquei desastrada.
– O tempo realmente voa.
– Gam-ri, e você?
– Claro que me senti assim. Mas é o seguinte: gosto de ser velha.
– Como alguém gosta de ser velha?
– Pensando bem, já provei muitos pratos gostosos, conheci lindas paisagens e pessoas maravilhosas. O que mais eu poderia querer?
– Então é feliz?
– Claro que sou. Apareci em um programa de TV e até cantei no palco. E agora estou conversando com vocês. Minha vida é tão divertida! Não é só isso. Hoje, a noite estava tão linda! A lula que eu comi no jantar também estava deliciosa. Olhem à sua volta, assim perceberão que estão cercadas de coisas preciosas. Todo dia é uma emoção diferente, como se a gente fosse a um piquenique todo dia.

Sexto diálogo: Como vou conseguir continuar a viver?

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O último episódio, “Prestando condolências”, traz à cena o velório da senhora Gam-ri, realizado em sua casa. Numa mesa, há várias fotos, e a dentista pergunta para o chefe Hong que fotos são aquelas. Ele responde:
– Um tempo atrás, a senhora Gam-ri viu uma mesa de fotos no casamento da filha do vizinho e me disse que gostaria de ter algo parecido no funeral dela. Então perguntei o que ela queria dizer e ela falou que o próximo evento que ela iria fazer seria o funeral dela. O que ela mais queria era que os convidados estivessem rindo e se divertindo. Ela disse que iria para um lugar bom, então devíamos assar jeon de batata e beber makgeolli. Sendo assim, estamos só respeitando os últimos desejos dela.

Em seguida há a conversa entre o chefe Hong e o filho da falecida que morava na cidade:
– Du-sik (chefe Hong), eu não consigo imaginar o rosto da minha mãe. Fiquei olhando a foto dela o dia todo, mas ela me parece estranha. Minha mãe… Como você acha que ela estava? Ela estava bem?
– Sim. Ela ria muito, se divertia de vez em quando e sempre ajudava os outros. Ela parecia estar feliz. Ela era a mesma senhora Gam-ri de sempre.
– Eu achava que… a minha mãe ficaria na minha vida por muito tempo. Então eu ficava adiando vê-la porque achava que teria muitas chances. Mas as chances acabaram. Quando os pais partem, os filhos mais arrependidos são os que mais choram. Mas estou envergonhado demais até para chorar. Próteses dentárias nem são tão caras (aqui vale lembrar que ela havia pedido para ele pagar próteses, e ele disse que não podia porque tinha que pagar os estudos de sua filha no exterior), mas eu nunca a levei ao dentista.
– Ela colocou as próteses. E correu tudo bem, então ela pode comer carne e lula à vontade.
– Caramba, eu sou muito idiota… Mesmo assim, minha filha estudou no exterior. Assim como eu, minha mãe sempre fez tudo pelos filhos. E eu era filho dela. Como sou idiota… Não sei o que fazer com essa culpa. Não posso nem pedir desculpas. Não posso mais ser um bom filho para ela. Como vou conseguir continuar a viver?
– Won-seok, pare com isso. A senhora Gam-ri não pensaria assim. Para ela, você era um bom filho que nunca causou problemas. Você era o filho digno de orgulho, que era contador em Seul. Você era a alegria dela. Você a fez feliz e a reconfortou. Você era a razão da vida dela.

Sétimo diálogo as pessoas precisam viver juntas

Diálogo entre a dentista e o chefe Hong, após ela, na casa dele, abrir a geladeira e ver que ele não havia comido nem jogado a bacia com as últimas espigas de milho dadas pela senhora Gam-ri antes dela morrer. E ao revirar as espigas, descobre um envelope endereçado a ele, e diz:
– Sabe, dizem que quando perdemos um ente querido, é importante chorar muito. Senão, a tristeza percorre todo o nosso corpo e explode mais tarde.
Ela então entrega o envelope para ele em que está escrito “Para o Du-sik”, que começa a ler:
– “Du-sik, coma direitinho. Mesmo que a vida esteja muito difícil, temos que comer bem sempre. Desde quando era criança, você sempre viveu com o coração partido, e a única coisa que eu podia fazer era cozinhar para você. Você comeu minha comida e ficou tão grande… Não tem ideia do orgulho que sinto de você Du-sik, lembra o que me disse? Você disse que a melhor coisa que um pai pode fazer pelos filhos é cuidar da saúde. Com os pais, também é assim. Ver nossos filhos sentindo dor parte nosso coração. Du-sik, você é meu filho e meu neto. Nunca se esqueça disso Du-sik, as pessoas precisam viver juntas. Às vezes, a vida pode parecer um fardo para você, mas, se você escolher viver próximo às outras pessoas, alguém vai carregá-lo nas costas, assim como você me carregou. Então, Du-sik, pare de se trancar em casa, coma a comida que fiz e venha nos visitar”.

A série termina com todos em luto pela senhora Gam-ri, cada um do seu jeito, lembrando das coisas que ela dizia e fazia. Todos juntos, umas próximas das outras!

Que tal escolher viver próximo às outras pessoas?

Serviço
Ano: 2021
Gênero: Drama, Netflix, Romance
Roteiro: Shin Ha-eun
Direção: Yu Je-won
Elenco: Seon-ho Kim, Min-jung Gong, Min-a Shin
Nacionalidade: Coreia do Sul
A série Hometown Cha-Cha-Cha está na Netflix


https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/novo/courses/narrativas-cremilda/
Beltrina Côrte

Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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