Gilda Figueiredo Portugal Gouvea: “Lecionar coloca o envelhecimento em seu devido lugar”

São muitas as Gilda Figueiredo Portugal Gouveia: torcedora apaixonada pelo time do São Paulo, militante política ativa (desde o movimento estudantil), assessora e colaboradora de diversos governos, especialmente de Fernando Henrique Cardoso, professora da Unicamp, consultora educacional e vice-presidente do Centro Ruth Cardoso.

 

 

gilda-figueiredo-portugal-gouvea-lecionar-coloca-o-envelhecimento-em-seu-devido-lugarA fértil lista parece interminável. Mas interminável mesmo é a aula de história e gentileza em 2h30m de conversa, no primeiro andar do Centro Ruth Cardoso – rua Pamplona, 1005. Sobre o envelhecimento: “Farei 70 anos em fevereiro. Passei pela crise dos 30, mas hoje não tenho dúvidas de que dar aula é uma chave, pois não há uma fonte do não envelhecer”.

Portal – A sra. nasceu em 1944, portanto?

Gilda Portugal – No dia 12 de fevereiro, filha de Américo Portugal Gouvea e Zenaide Figueiredo Portugal Gouvea. Tenho uma irmã, Sylvia, e um irmão, Marcelo Portugal Gouvea, que faleceu em 2008, do coração. Ele foi presidente do São Paulo, e uma semana depois de sua morte o São Paulo foi campeão brasileiro.

Deduzindo, a sra. torce pelo tricolor do Morumbi?

Torcer pelo São Paulo está no DNA da família. Eu assistia a treinos do São Paulo quando ainda eram no Canindé. O estádio do Canindé pertencia ao São Paulo, que depois o vendeu à Portuguesa. Assisti ao primeiro treino do São Paulo no Morumbi, em 1959 ou 1960.

gilda-figueiredo-portugal-gouvea-lecionar-coloca-o-envelhecimento-em-seu-devido-lugarA sra. dizia que seu pai foi ministro do Tribunal do Contas do Estado…

Meu pai começou como funcionário público e terminou como ministro do TCE. Com ele aprendi a tratar o dinheiro público como sagrado. Ele, e isso não é força de expressão, amarrava o lápis na mesa para que ninguém o levasse. O lápis havia sido comprado com dinheiro público, por isso pertencia ao Estado, e ninguém tinha o direito de tirá-lo dali. Ele trabalhou com governos altamente corruptos. Trabalhou, por exemplo, com Adhemar de Barros, e na época diziam que todo corrupto tem que ter um honesto e incorruptível ao lado.

Onde estudou?

Primeiramente no Externato Elvira Brandão, uma escola mista que ficava na Alameda Jaú; depois no Sacre Coeur de Marie, na Nove de Julho, o ginásio e o colegial. Nele conheci Madre Tereza, uma mulher adiante do seu tempo, e foi ela quem me mostrou o caminho da Igreja Católica. Vivi lá os ecos do Concílio Vaticano II, e o pontificado de João XXIII, acompanhando a reviravolta por ele liderada.

Começou, então, a seguir o caminho que lhe foi apresentado?

Havia um movimento denominado “Por um Mundo Melhor”, da ala progressista da Igreja. Foi organizado um retiro para jovens em Valinhos, um retiro libertador, e aí minha vida realmente mudou.

Por quê?

Porque vinculei Deus com a vida terrena, a oração do Santíssimo às injustiças sociais. E isso transforma radicalmente a visão de mundo, da nossa existência, do que temos que fazer como missão.

E esse despertar a levou para a atividade social?

Primeira decisão: montar o grêmio estudantil, do qual fui presidente. Participação paralela à da Marta Suplicy no Colégio Sion e de Gilda Montoro no Des Oiseaux. A partir daí tudo foi muito intenso. Participação na União Paulista dos Estudantes Secundaristas – estamos falando de 1963, começo de 1963 -, paralelamente à entrada na Juventude Estudantil Católica, a JEC.

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E a universidade?

Fiz vestibular para Ciências Sociais na PUC. O grupo ao qual eu pertencia decidiu estudar na PUC, pois a USP estava muito tomada pelas organizações de esquerda, como o PCB, o MR-8 e a Polop. Em março de 1964 entrei na PUC, que estava em greve, pois o arcebispo de São Paulo, dom Carlos Carmelo Motta, havia decidido trocar a direção da Universidade. Tive um mês de aula e veio o golpe.

O que isso provocou na sra.?

Posso dizer que iniciei minha vida adulta na política em novembro de 1963 quando fui para o Rio e tive contato com membros da Ação Popular, a AP, da qual faziam parte Betinho, Aldo Arantes e Duarte Nogueira e o padre Vaz.

Trabalhou na Igreja?

Depois de uma fase na Ação Popular, de onde saí em 1967, meu núcleo político passou a ser com os dominicanos. Havia reuniões no Convento do Carmo, na rua Martiniano de Carvalho, e nossa tarefa era esconder pessoas e estudar a realidade política, social e eclesial do Brasil. Nessa época conheci Roberto Perosa; começamos a namorar e depois nos casamos. Ele era da direção nacional da AP, irmão de Antonio Perosa. Mas ambos também deixaram a AP por essa época. Mais tarde, o Antonio passou a pertencer a um grupo de uma militante que se elegeria presidente do Brasil, a Dilma Rousseff. Eles eram do mesmo grupo, foram presos juntos. O Antonio ficou dois anos encarcerado.

E o seu marido, com isso, foi atingido?

O clima estava insuportável. Roberto era economista e ganhou duas bolsas de estudo simultaneamente para estudar nos Estados Unidos. Fomos morar no “país inimigo”. Estávamos em 1971 e depois fomos para o Chile. Nós nos separamos em 1976. Já de volta ao Brasil, entrei no MDB, e votei em um “tal de Quércia”, de quem nunca tinha ouvido falar. Nesse mesmo período recebi um convite para lecionar na Unicamp, na área de Ciências Humanas, onde estou até hoje.

Era uma época de intensa atividade partidária, não?

Intensíssima. Em 1978 já se pensava em um novo partido. O Lula, por exemplo, participou da campanha de FHC a senador, mas ele não tinha certeza sobre a necessidade de um outro partido, o que veio se consubstanciar em 1979, com a ideia da fundação do PT. O grupo de FHC, do qual eu fazia parte, também pensou em um novo partido, mas decidiu continuar no PMDB. Em 1978 o Serra voltou do exílio, e queria ser candidato a deputado federal. Ele me disse: “Quero que você me ajude”. Aproximei-me dele. Para se ter ideia, fiz a primeira declaração de Imposto de Renda do Serra, que não tinha nada de documentos. FHC seria candidato a senador. Nós o tratávamos como o “príncipe dos sociólogos”. Um dia toca o telefone na minha casa. Era o FHC me convidando para trabalhar com ele.

Em qual governo a sra. trabalhou?

Em 1982 o Montoro ganhou, e fui para a Secretaria da Educação, e depois para a chefia de Gabinete da Casa Civil. Quando o Bresser Pereira assumiu como ministro da Fazenda, fiquei oito meses em Brasília. Depois o Itamar Franco convidou FHC para ser ministro da Fazenda. Com a eleição de FHC em 1994, fiquei oito anos no governo, no Ministério da Educação, mas Brasília “mata”.

E o Centro Ruth Cardoso?

Sempre fomos muito próximas, e se decidiu criar o Centro depois que ela morreu, para reunir as diversas atividades e iniciativas sociais que ela animava e, mais do que isso, fazia movimentar com impressionante intensidade. Aqui neste prédio funcionam a Alfabetização Solidária, o Artesanato Solidário, a Universidade Solidária, e a Comunitas, que desenvolve pesquisas para empresas e prefeituras.

Terminando, fale, por favor, sobre o envelhecimento.

Tive realmente a crise dos 30, na certeza de que eu não poderia mais ser um projeto, mas deveria abraçar a minha vida. Não destino ao meu processo de envelhecimento uma preocupação acima do que ele merece, e me fortaleço continuando a dar aulas, pois lecionar é inegavelmente uma chave para a vida.

Há alguma questão aqui que não foi abordada?

Sim, a Cristina. Depois de me separar, em 1976, sem filhos, resolvi adotar uma criança. Recebi apoios e algumas contestações, pois faria isso sozinha. Em 1983 adotei legalmente a Cristina. Ela tinha 20 dias, hoje está com 30 anos, é minha companheira, minha filha, a grande bênção da minha vida.

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