Envelhecer pode e deve ser um processo de qualidade de vida, e não apenas um esforço de sobrevivência. Nem tampouco uma lista de sintomas.
Por Márcia Nogueira (*)
Você já parou para refletir que temos o costume de dizer que alguém faleceu “de velhice”? — “Faleceu de quê? Foi da idade…” Muitas vezes, não se sabe ao certo qual foi o diagnóstico que levou ao falecimento. Essa forma de falar é quase como afirmar que o que de fato nos mata é simplesmente nos tornarmos mais velhos. Mas não é assim. Há doenças e enfermidades em todas as fases da vida, e algumas podem surgir mais comumente após os 50 anos. Ainda assim, por que sentenciamos o processo de envelhecer como se fosse sinônimo de adoecimento ou incapacidade? Talvez por causa das doenças neurodegenerativas que aparecem nessa faixa etária, como as demências ou os parkinsonismos.
O fato é que o envelhecer é uma conquista da humanidade. A Organização Mundial de Saúde prevê que até 2050 teremos mais de dois bilhões de pessoas com 60 anos ou mais. Esse marco histórico nos convida a refletir sobre o que esperar do envelhecimento nos próximos anos. Como psicóloga e neuropsicóloga, percebo que essa visão precisa ser transformada. Envelhecer pode e deve ser um processo de qualidade de vida, e não apenas um esforço de sobrevivência.
CONFIRA TAMBÉM:
Envelhecimento com adoecimento x envelhecimento normal
Assim como em qualquer fase da vida, no envelhecimento também existe uma perspectiva saudável e outra adoecida.
No envelhecimento com adoecimento, podem surgir alterações significativas: perda progressiva da memória, movimentos lentificados e rígidos, perda de autonomia e comprometimento das funções cognitivas. É como se o corpo se tornasse um calabouço no qual estamos confinados.
Já no envelhecimento normal, também se esperam mudanças — lentificação dos processos motores e mentais, pequenas falhas de memória ou atenção. Mas essas alterações não configuram doença. Elas fazem parte da natureza do viver.
Se antes o envelhecimento era visto apenas como o caminho para a finitude, hoje descobrimos que a longevidade não é uma prisão, mas uma oportunidade. Uma chance de repensarmos nossa existência, ajustarmos hábitos e valorizarmos essa etapa da vida. Assim como vacinas protegem as crianças, no envelhecimento temos fatores de proteção: manter a mente ativa com novos aprendizados, cultivar vínculos sociais, movimentar o corpo e cuidar da alimentação. São escolhas que ajudam a adiar ou até evitar doenças, favorecendo um envelhecer saudável.

Morrer saudável: falar da finitude para viver melhor
A morte é, em geral, mais aceita quando ocorre na velhice. Ainda assim, continua sendo temida, mesmo após os 70 ou 80 anos. A sensação de onipotência diante da finitude faz com que tentemos negar sua existência. E, quando associamos o fim da vida como um dos poucos marcos do envelhecer, acabamos também negando e temendo a própria longevidade e seus benefícios.
Envelhecer de forma saudável nos permite, inclusive, morrer de forma saudável. Morrer saudável significa terminar a vida com a sensação de que se viveu com sentido. A finitude, quando acolhida, traz leveza ao presente. É como o corredor que se prepara para uma maratona: treina corpo e mente, vive intensamente o percurso e, ao cruzar a linha de chegada, sente o peso e a leveza da conquista. Assim também pode ser o envelhecer: um percurso que dá sentido ao final da vida.
O futuro do envelhecimento: potência e legado
Hoje, quando falamos de longevidade, podemos imaginar muito mais do que se cogitou no passado. O envelhecimento nos permite deixar legados no trabalho e na família, aprender com erros, ganhar sabedoria e viver experiências que talvez não tenham sido possíveis na juventude.
Graças aos avanços da ciência e a uma maior compreensão do corpo, a longevidade nos dá a oportunidade de viver essa etapa com potência. O envelhecimento não precisa ser apenas o fim da vida. Pode ser também o começo de novas experiências, conquistas e significados.
Envelhecer é um processo coletivo: não se trata apenas de quanto tempo vivemos, mas de como conseguimos viver bem, com autonomia e dignidade.
Conclusão
Envelhecer saudável é mais do que ausência de doenças: é cultivar hoje o que queremos viver amanhã. Escolhi direcionar meu olhar profissional e pessoal para a longevidade porque nela não existe apenas o fim de um ciclo, mas também o início de novas descobertas.
Que possamos aprender a envelhecer com cuidado, vínculos e coragem — sem reduzir a velhice a uma lista de sintomas.
(*) Márcia Nogueira – Psicóloga Clínica e neuropsicóloga, 33 anos, cursando uma pós em Neurociência da Cognição e Comportamento no Envelhecimento na CBI of Miami. E-mail: psicologamarcia@outlook.com
Foto de Shvets production/pexels.
