Que beleza ver e ouvir como Agnaldo ilustra cada uma das músicas que pertencem a um passado romântico que não existe mais, tempos do amor exagerado, rasgados de dor.
[…] E se eu chorar e o sol molhar o meu sorriso
Não se espante, cante que o teu canto é minha força pra cantar
Quando eu soltar a minha voz
Por favor entenda, é apenas o meu jeito de viver o que é amar.
(Trecho de “Sangrando” – Gonzaguinha)
Depois das partidas de Cauby Peixoto e Angela Maria, ilustres artistas a quem tive a honra de receber o autógrafo na antiga casa de shows Olympia, localizada no bairro da Lapa em São Paulo, lá pelos idos de 1990, chega a triste notícia do falecimento, aos 84 anos, de Agnaldo Timóteo Pereira, o mineirinho de Caratinga, Minas Gerais. Creio que muito já se falou por todas as mídias: cantor de voz magistral, homem sem as tais “papas” na língua, irreverente, generoso com os que mais necessitavam – esquecidos colegas de profissão –, briguento, altamente questionável nas questões políticas e, daí vai…
Entretanto, aqui gostaria de trazer alguns trechos de sua última entrevista à Pedro Bial e ainda tecer alguns comentários sobre esse cantor do povo que foi Agnaldo, aquele que sempre quis “estar” nas FM’s, que guardava uma mágoa, melhor dizendo, indignação pela hipocrisia que sempre reinou na preferência da mídia pela elite artística do sudeste.
Agnaldo Timóteo, “um homem de paixões arrebatadas e arrebatadoras como sua voz, sua imensa voz. Um site chegou a noticiar seu falecimento […]. Aos 82 anos de idade, ele tinha sofrido um AVC, um princípio de infarte, estava em coma na uti com infecção hospitalar. Os médicos falavam em 5% de chance de sobrevida, mas depois de 2 meses de internação, o famoso brigão virou mais essa parada e mandou a indesejada das gentes à lona. Com 74 discos gravados em 53 anos de carreira, ele continua, segundo ele mesmo e seus inúmeros fãs, dono da voz mais bonita do Brasil” (Conversa com Bial em 10 de dezembro de 2019).
Depois do quase encontro com a morte, à época da entrevista, o artista renascia, recuperava-se do caos, do fim.
CONFIRA TAMBÉM:
“Mentira seu canalha [Agnaldo referindo-se ao jornalista que anunciou sua morte], minha hora não chegou.”
– Bial: A quem você gostaria de agradecer?
– Agnaldo: A Nossa Senhora que não deixou tocarem na minha voz.
“Cura-me as feridas e a dor […], cuida do meu coração, da minha vida, do meu destino, do meu caminho, cuida de mim”.
E a Santinha o fez… por mais algum tempo, infelizmente breve.
– Bial: Vamos lá, sem falsa modéstia: quem canta melhor, você ou o Roberto?
Agnaldo: Roberto é o cantor… e ainda é da Globo […], eu sim interpreto. Como ele é Roberto Carlos, ele pode tudo de qualquer jeito, mas tá errado. O pior é que todos fazem errado, referindo-se à interpretação da música “Nossa Senhora”.
Extrovertido, ácido, de fala fácil, ele lembra de sua cidade natal Caratinga, da primeira professora do primário, da vida como torneiro mecânico, do início da carreira artística como calouro “gongado” nas apresentações. E dá muitas risadas, diverte-se com ele mesmo.
Com momentos, minutos de humildade, corrige a fala anterior que, sim, “o melhor cantor é Chororó”, não ele. Ah, mas tem também a Leny Andrade, ele complementa. E vejam, para por aí!
Na verdade, nem sei se Agnaldo pensava isso mesmo. Creio que para ele, por que não, e ainda na terceira pessoa (como de costume), Agnaldo Timóteo ainda é o melhor.
Sobre Angela Maria: “Quem é aquele que está cantando?” É o Cauby mineiro, alguém respondeu.
E a divina, encantada com o vozeirão de quem ainda não era, dá início a carreira da última das mais belas vozes deste país: “Quando você vier ao Rio de Janeiro, você vai fazer mais sucesso que o Renato Guimarães.”
Que beleza ver e ouvir como Agnaldo ilustra cada uma das músicas que pertencem a um passado romântico que não existe mais, tempos do amor exagerado, rasgados de dor.
E que memória! Letras na ponta da língua, como invejo. Do alto de seus oitenta e poucos, todas as palavras, outrora cantadas por ele e por outros, vem-lhe à mente, contextualizadas com a explosão de amor, inundadas de emoção, característica principal do artista.
E assim ele se torna o motorista da querida e generosa Angela. Ah, um pequeno detalhe, ele não tinha carteira de motorista! Quer mais?
São muitas histórias e causos, isso sim é vida bem vivida!
Se o julgam brega, cafona, eu diria, nada mais lindo que o dueto com a Sapoti “Samba em Prelúdio”: “[…] vem ver a vida, sem você meu amor, eu não sou ninguém”.
A pergunta que fica: Por que nossos queridos e queridas, que já somam mais de 330.000 mortos, foram-se tão prematuramente? Triste, seres humanos que tiveram suas trajetórias de vida interrompidas com tanta dor, sem despedidas, sem que se cumprisse os rituais que, para alguns, amenizam, abreviam o lamento, o toque final, o contato com a pele que não aconteceu. E agora, o que será de nós, que aqui permanecemos?
Sentimos saudades desses tantos que já não mais estão. Alguns dizem que “o tempo cura tudo”. Não é verdade, apenas aprendemos a conviver com a falta, a ausência.
Pois é Agnaldo Guerreiro, não tardou para que essa maldita pandemia o levasse.
Então… vai artista do povo, vai lá, pergunta para Ele, como briguento inveterado, mas homem de fé: Por que tão cedo, se ainda você tinha um mundo por cantar, por interpretar?
Se conseguir a sagrada resposta, que há tanto tempo busco, vem cá e fala, sussurra… quem sabe eu consigo ouvi-la. Que Nossa Senhora te dê a mão e cuide de seu coração e de tantos outros que aí descansam ao seu lado.
Referências
Vídeo “Sangrando” de Gonzaguinha, na interpretação de Agnaldo Timóteo: https://www.youtube.com/watch?v=Pfrpux14K18