A Despedida e Frankie, dois filmes que encaram o câncer com leveza

A Despedida é uma produção sino-americana e Frankie é franco-portuguesa, visões de mundo distintas sobre o câncer e a morte. Mas ambos celebram a vida!


Há muito tempo falamos aqui no Portal do Envelhecimento que o cinema nos ensina a longeviver, porque ao mesclar real e imaginário por meio de imagens inesquecíveis nos possibilita fazer uma “viagem” para fora e dentro de nós. Possibilita ainda uma passagem sensível entre a ficção e realidade, por fazer compreender os dilemas difíceis da vida, e nos tempos de vida de cada um, de sentimentos de alegria, tristeza, saudades, medo, angústia. Esse universo de possíveis “experiências vividas sobre o câncer” pode ser um fator de proteção para um melhor envelhecer. Ao menos é o que Frankie e A Despedida nos contam.

Frankie

Frankie é um achado. Imagine um filme rodado integralmente na bela cidade de Sintra, em Portugal. Um cenário incrível. Como todo mundo conhece Sintra pelo Palácio da Pena, o diretor só mostra a ponta da torre ao longe, envolvida em brumas, e uma parede ou outra de azulejos que serve de fundo para um encontro. O que ele mostra mesmo são ladeiras, bicas, igrejas, paisagens, vitrines de doces conventuais… melhor parar. Só por isso já vale assistir ao filme. Ah, e o bondinho a caminho da Praia das Maçãs, e a praia, e um piquenique com vinho, espetada e muita alegria. Deuses, quem quer falar de morte num lugar desses? Não se fala nem espere que se morra, o câncer é apenas o pano de fundo para um drama familiar no qual o que se celebra é o amor e a vida. Há quem diga que o filme é um panfleto turístico, sem comentários.

Francoise Crémont (Isabelle Huppert) convive com um câncer terminal. Ela, a personagem, é uma famosa atriz francesa que acaba de fazer dois filmes de muito sucesso. Nas pausas, ela e o marido se refugiam em Sintra. O filme é falado em inglês, francês e português o que o torna tão delicioso quanto a vitrine de doces.

Françoise convoca seus familiares para falar sobre o que pretende fazer com seus bens. Falar sobre Diretivas Antecipadas de Vontade. Todos na família sabem sobre o câncer. Mas no pacote ela inclui uma amiga que nada sabe, acha apenas que vai a Sintra passar um par de dias felizes e leva um amigo junto. Nada mais intergeracional que uma família ampliada. Mas esta até que é pequena.

Com o marido atual Françoise tem um filho solteiro. Com o primeiro marido tem uma filha casada. O ex-marido aproveita a viagem para fazer turismo com guia a tiracolo. Aparece na maioria das cenas visitando algum sítio e ouvindo do guia as referências arquitetônicas etc., etc., etc., que leva quem assiste a imaginar coisas. Pense em uma cena na qual o guia conta a história de uma fonte e diz: de acordo com a lenda, quem bebe dessa água encontra o amor da sua vida… todos os personagens bebem.

A filha do primeiro casamento está em Sintra com o marido e a filha. Vive seu drama paralelo, pois encontrou seu amor verdadeiro em outras águas, no Algarve, e faz planos contando com a herança para dar novo rumo à sua vida amorosa.

Embora estejam em Portugal, o imposto sobre a herança ocorrerá na França, e lá a facada é grande. Lamentam-se. O governo herda mais que todo mundo. E o apartamento na França, que vale por volta de três milhões de euros (é melhor não fazer a conversão), Françoise decide que irá para uma entidade que forma profissionais para o cinema…

A amiga chega a Sintra de mapa em punho a procura da quinta que reservou para as férias. Está na companhia de um amigo. As referências ao mundo do cinema é uma delícia. Ela e o amigo acabam de participar de mais um episódio de Guerra nas Estrelas e graças à generosidade de George Lucas estão muito bem financeiramente. O amigo aproveita para convidar Françoise para fazer parte do seu primeiro longa (chega de fazer filmes para os outros).

Mas é a amiga que interessa, o que diabos ela faz em Sintra? Ilena (Marisa Tomei), aos olhos de Françoise, é o par perfeito para o filho solteirão. Coisa de mãe, antes de morrer quer resolver até a vida amorosa do rapaz.

Ilena, de mapa na mão, perdida, vê o marido de Françoise e o aborda. Ele não a reconhece, mas logo se situa e em poucos minutos – cidade pequena – chega o filho, o ex-marido de Françoise e o guia, enfim, tudo se resolve e ele volta para contar a novidade para a mulher.

– Encontrei sua amiga, ela está diferente, mais madura…  

– Nunca use madura para uma mulher, não funciona como adjetivo, mas como sinônimo de velha…

No fim das contas é uma família em férias… e a reunião para discutir a herança? O filme termina antes…


A Despedida

Não perca nenhuma notícia!

Receba cada matéria diretamente no seu e-mail assinando a newsletter diária!

Ao contrário de Frankie, no qual a matriarca é a primeira a saber sobre o câncer e informa a todos de sua situação e se empenha em encaminhar tudo antes da partida, neste filme, A Despedida, a matriarca nada sabe e a família faz um pacto para esconder dela a informação, contando, inclusive, com o apoio (cumplicidade) do Estado.

Aqui reside a diferença de culturas, na China acredita-se que a informação sobre o câncer não serve para nada, a não ser apressar a morte do paciente. Ocorre que a família de Nai Nai (Shuzhen Zhao, 77 anos), vive fora da China, parte no Japão e parte nos Estados Unidos. A neta que vive em Nova York, ao descobrir que os pais também escondem dela a verdade sobre a avó, fica furiosa e também quer ir à China para a despedida.

A trama é a seguinte: os familiares que estão no Japão e nos Estados Unidos, informados pela irmã da matriarca sobre o câncer de Nai Nai, tramam se encontrar todos em Changchun, mas precisam de uma boa desculpa e resolvem levando o casamento do único neto de Nai Nai com uma japonesa para a cidade da avó que se encarrega dos preparativos, contratando buffet e organizando a recepção de toda a gente.

Nai Nai acha que tem uma gripe chata que não quer ir embora, fora isso está muito feliz com o casamento do neto e a vinda da família para a festa. Mas a neta de Nova York não se conforma e faz questionamentos do tipo: ela tem o direito de saber; e se ela quiser resolver alguma coisa antes; se tem algum desejo; uma viagem em mente… E a família a questiona, sua avó está feliz, vai querer tirar a felicidade dela?

Em um determinado momento o pai perde a paciência e diz:

– Nos Estados Unidos o corpo é privado, mas aqui ele pertence ao Estado e o Estado não quer que ela saiba que tem câncer, pois se quisesse já teria contado…

No hospital, o médico trata da “gripe’ de Nai Nai com vitaminas, não conta nada sobre o câncer e aconselha os parentes a manter sigilo. A neta questiona o médico e ele não entende: mas contar por quê?

Festeja-se a vida, o casamento do neto, a festança com Nai Nai cobrando o buffet porque contratou lagosta e servem caranguejo. E o karaokê vai do brega ao clássico. A bebedeira é completa. Nai Nai é a que aparenta mais vitalidade. Acorda cedo para praticar Tai Chi e seus gritos matinais são de libertação. Tem um novo marido e não quer ser questionada por isso.

Como em Frankie, em A Despedida ninguém morre, pelo contrário, celebram a vida com muitas risadas. No fim das contas, a neta nova-iorquina se convence que a avó não tem mesmo que saber sobre o câncer. Detalhe: em nenhum momento se discute herança.


Mário Lucena

Jornalista, bacharel em Psicologia e editor da Portal Edições, editora do Portal do Envelhecimento. Conheça os livros editados por Mário Lucena.

Compartilhe:

Avatar do Autor

Mário Lucena

Jornalista, bacharel em Psicologia e editor da Portal Edições, editora do Portal do Envelhecimento. Conheça os livros editados por Mário Lucena.

Mário Lucena escreveu 99 posts

Veja todos os posts de Mário Lucena
Comentários

Os comentários dos leitores não refletem a opinião do Portal do Envelhecimento e Longeviver.

LinkedIn
Share
WhatsApp
Follow by Email
RSS