A marginalização ou exclusão digital das pessoas idosas tem efeitos perversos na garantia de direitos e participação social no presente e no futuro.
Symone Maria Machado Bonfim (*)
A transformação digital traz mudanças significativas para toda a sociedade, impulsionadas pelo rápido desenvolvimento e utilização de recursos tecnológicos que facilitam o desempenho das mais variadas atividades (Albertin, Albertin, 2021). Cada vez mais, pode-se observar a ampliação da automatização de processos, criação de novos modelos de negócios e a oferta de serviços e produtos por meio digital.
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Essa tendência também se estende à esfera pública, com a incorporação progressiva de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para o aumento da eficiência da gestão e democratização do acesso a serviços públicos ofertados em meio digital (Santos, Figueiredo, Gomes, 2023). Em 2023, 90% dos serviços públicos oferecidos pela plataforma gov.br eram digitalizados (MGI, 2023).
Como um fator de mudança social, a transformação digital demanda a apropriação de conhecimento para utilização eficiente e segura das tecnologias. Nesse sentido, as pessoas precisam adquirir habilidades, ter acesso a boas condições de conectividade e a ferramentas tecnológicas que possibilitem atender às suas necessidades de comunicação, informação e interação com os mais diversos atores, como família, comunidade, governo, empresas, espaços laborais e educacionais (Rosa, 2013).

Com efeito, em paralelo à crescente e rápida digitalização, ocorre outro fenômeno que provoca mudanças relevantes na estrutura social: o envelhecimento populacional. Em 2022, as pessoas com sessenta anos ou mais representavam 15,8% da população total do Brasil. De acordo com projeções demográficas, em 2050, 25% da população será idosa; em 2070, este percentual alcançará 37,8% da população total (IBGE, 2024).
Contudo, temos de reconhecer que a inclusão digital ocorre de forma desigual (Rosa, 2013). Dificuldades de interação com as TICs, aliada à baixa conectividade, vêm restringindo o acesso a direitos fundamentais e, consequentemente, o exercício da cidadania de parcela significativa da população, além de gerar desvantagens em uma sociedade que, de forma rápida e progressiva, valoriza competências digitais.
A população idosa é um dos grupos que mais sofrem os efeitos da marginalização ou exclusão digital. A PNAD Contínua TIC/2023 (IBGE, 2024) aponta que, embora tenha aumentado o percentual de pessoas idosas que usam a internet (66,0%, em 2023), entre os 12% das pessoas com 10 anos ou mais que não a utilizavam, 51,6% tinham 60 anos ou mais. Entre os motivos alegados, 66,1% disseram não saber como utilizá-la.
Nessa perspectiva, uma reflexão estratégica precisa entrar na agenda dos atores que tomam decisões sobre o desenvolvimento do país e a garantia de direitos da população. Tanto o envelhecimento populacional quanto a transformação digital são mudanças sociais inexoráveis; contudo, os impactos sociais desses fenômenos podem ser positivos ou negativos, a depender das escolhas políticas e sociais que forem realizadas.
Possuir ou ter acesso à conectividade e a equipamentos necessários para o acesso à internet não é condição suficiente para que as pessoas sejam digitalmente incluídas (Oliveira, Dias, 2023). É essencial que seja garantido o direito à educação digital, de forma que possam desenvolver competências, habilidades e práticas que possibilitem sua participação social autônoma e segura.
Com efeito, a marginalização ou exclusão digital das pessoas idosas tem efeitos perversos na garantia de direitos e participação social no presente e no futuro. Especialmente, a omissão, inação ou negligência do estado em prover educação digital pode contribuir para o alastramento do seguinte paradoxo: os anos de vida ganhos com a longevidade podem significar perda de direitos, no sentido de que a dificuldade em acessar e utilizar as TICs com autonomia e segurança pode redundar em limitações ao exercício da cidadania plena.
Assim, considerando a responsabilidade do estado em garantir a igualdade substantiva aos cidadãos para o acesso e exercício de direitos, a inclusão digital das pessoas idosas constitui uma obrigação estatal urgente e inadiável que demanda, entre outros aspectos, a provisão uma política pública de letramento digital abrangente, continuada e que leve em consideração as características, necessidades, interesses e escolhas deste crescente grupo populacional.

Referências
ALBERTIN, L.B; ALBERTIN, R.M. de M. Transformação Digital: Gerando Valor para o “Novo Futuro”. GVEXECUTIVO, v. 20, n. 1, 2021. Disponível em https://periodicos.fgv.br/gvexecutivo/article/view/83455 . Acesso 2 Mai. 2025.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2023 / IBGE. Rio de Janeiro: 2024. Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2102107 . Acesso em 12 jan. 2025.
__________Projeções da População do Brasil e Unidades da Federação: 2000-2070 – Tabelas. Rio de Janeiro: 2024. Disponível em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9109-projecao-da-populacao.html?edicao=41053&t=resultados . Acesso em 30 abr. 2025.
OLIVEIRA, H.M; DIAS, P.C. Educação Digital: o Estado da Arte, os Desafios e as Perspectivas para o Letramento Universal da População Brasileira. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 39, n. 2, pp. 311-335, jul./dez. 2023. Disponível em https://revista.fdsm.edu.br/index.php/revistafdsm/article/view/516/543. Acesso em 3 abr. 2025.
ROSA, F.R. Inclusíon Digital como Política Pública: Disputas en el Campo de los Derechos Humanos. SUR: Revista Internacional de Direitos Humanos. v. 10, n. 18, p. 33-55, São Paulo: 2013. Disponível em https://sur.conectas.org/wp-content/uploads/2017/11/sur18-port-fernanda-ribeiro-rosa.pdf . Acesso em 05 mai 2025.
SANTOS, M.R.; FIGUEIREDO, R.M.C.; GOMES, M.M.F. Evolução das perspectivas sobre a Digitalização do Governo no Brasil de 2000 a 2023. REVES – Revista Relações Sociais, Vol. 06 N. 04 (2023). https://periodicos.ufv.br/reves/article/view/17777 . Acesso em 12 jan 2025.
(*) Symone Maria Machado Bonfim – Especialista em Políticas de Cuidado com Perspectiva de Gênero, pela CLACSO (2021); Mestre em Sociologia e Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ (2009); Doutora em Ciência Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2018). Consultora Legislativa aposentada da Câmara dos Deputados, com atuação nas áreas de previdência social, assistência social e direitos humanos (2003-2023). Diretora de Proteção da Pessoa Idosa na Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (março/2023 a junho/2024). Pesquisadora selecionada no 4º Edital Acadêmico de Pesquisa: Envelhecer com Futuro, promovido pelo Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento e Longeviver, com a pesquisa “Políticas públicas de letramento digital para pessoas idosas: avanços e desafios para materialização do direito fundamental à inclusão”. E-mail: [email protected].
