Desafios de usuários idosos do transporte público na Capital Federal e entorno

Possibilitar o acesso à cidade para os idosos afasta do isolamento os que têm tempo livre e permite a sobrevivência daqueles que ainda precisam trabalhar

Alda Abrahão Faiad de Moura e Eduarda Rezende Freitas (*)


O envelhecimento populacional exige transformações nas cidades para que seus habitantes mantenham sua autonomia e independência, habilidades indispensáveis para uma vida plena. Idosos com (maior) dificuldade de locomoção possuem, em geral, diversas queixas relacionadas à acessibilidade, sendo central nessa discussão o transporte público, já que, devido às dificuldades enfrentadas por eles nesse meio de locomoção, muitas vezes acabam impedidos de realizarem tarefas cotidianas (SANTOS, 2017), sociais e culturais.

As perdas naturais, próprias da idade, devem ser consideradas com especial atenção para que haja uma oferta de serviços que contemple e satisfaça essa parcela da população (RODRIGUES, 2003). A demanda pelo transporte público daqueles que têm 60 anos ou mais é, em parte, resultado das mudanças nas habilidades físicas, sensoriais e cognitivas, que afetam significativamente a mobilidade do idoso. Normalmente, a precisão da visão, da audição e da locomoção, bem como a velocidade da caminhada, diminui com o envelhecimento (TOMŠIČ et al., 2018).

Além da saúde, há idosos que, por razões econômicas, não possuem acesso a veículos particulares, tornando-se dependentes dos transportes públicos (TOMŠIČ et al., 2018). Tendo isso em vista, os governos locais precisam, urgentemente, realizar um planejamento urbano que se atente às necessidades das pessoas idosas, garantindo seu livre e facilitado acesso pela cidade.

A fim de conhecer as experiências de usuários idosos do transporte público do Distrito Federal e entorno, serão apresentados, a seguir, relatos de pessoas 60+ que se encontravam em paradas de ônibus ou na rodoviária central do Plano Piloto no mês de abril de 2022. Este é um local que converge grande fluxo de pessoas para todas as cidades satélites e do entorno do Distrito Federal. Cada relato será seguido pelo gênero que o participante se identifica (F: feminino; M: masculino; O: outro) e sua idade.

“O ônibus já me derrubou por duas vezes, [ele] arrancou brutamente de propósito. É uma situação muito comum.” (F., 73 anos)

“Eu tenho uma estratégia. Eu peço para alguém mais jovem, alguma mocinha ou quando não tem nenhuma, peço para algum rapaz, para dar sinal para o motorista parar para que eu possa entrar no ônibus, porque quando eu dou sinal eles nunca param”. (F., 65 anos)

 “Uma vez a parte da frente estava muito lotada [de idosos] e eu pedi para o motorista para que eu entrasse no meio ou atrás, e ele não abriu a porta para que entrasse na outra parte e ainda foi muito grosseiro.” (F., 65 anos)

 “Sou idosa, oônibus estava lotado, vendo que nenhum passageiro deu lugar para outro idoso, então me levantei e o deixei sentar.” (F., 67anos)

“Vejo que os ônibus não são feitos para os velhos. A sociedade não respeita os velhos e os pobres”. (M., 68 anos)

“Já ouvi muito dos passageiros: anda logo sua velha…  desce logo sua velha.” (F., 78 anos)

 “É comum os ônibus estarem tão lotados que desisto da viagem, mesmo sendo um vendedor de balas na rodoviária. Tenho artrite reumatoide, sinto tonturas, o que dificulta as viagens em pé nos ônibus.” (F., 65 anos).

“Presenciei um funcionário do transporte ameaçar jogar a carteirinha do idoso pela janela, entretanto, estava passando a Polícia Militar pela rua e ele ficou receoso.” (M., 80 anos)

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“Presenciei agressão verbal por parte do motorista dizendo ‘velho safado, vagabundo’ a um passageiro idoso.” (M., 68 anos).

“Eu era o único esperando na parada, o motorista parou a alguns metros da parada, me fazendo locomover desnecessariamente. Ao embarcar, o motorista exclamou ‘velho tem que andar!’” (M., 77 anos)

“Muitas vezes eu não estava bem-vestido, ocasião em que estive em estado de rua e, somado ao fato de ser velho, os passageiros e funcionários do ônibus me olhavam torto.” (M., 60 anos).

Como pode ser observado, as falas dos idosos traduzem um cotidiano permeado por práticas de discriminação etária, chamadas de idadismo (E-SHIEN CHANG, 2020). Elas são fundamentadas em estereótipos e preconceitos atribuídos aos idosos, tanto por profissionais do transporte público quanto pelos demais usuários.

Possibilitar o acesso à cidade para os idosos afasta do isolamento aqueles que possuem tempo livre, depois de muitos anos de trabalho, ao mesmo tempo em que possibilita a sobrevivência daqueles que ainda precisam trabalhar (VERAS, 2009). O acesso ao transporte público é, portanto, fundamental para a manutenção do equilíbrio físico e mental dessa população, além de garantir a subsistência dos idosos em situação de vulnerabilidade.

É preciso acrescentar, contudo, que somente a acessibilidade não é suficiente, ela precisa ser acompanhada por, no mínimo, respeito. Como observado nos relatos, o idadismo foi imediatamente explicitado pelos entrevistados, porém seu conhecimento para além do mundo acadêmico, entre o público leigo e as mídias, ainda não se consolidou (DÓREA, 2020; SOUZA, 2020). Nesse sentido, Souza (2020) afirma que os estereótipos de idade, reforçados pela mídia, se solidificam como normas sociais e legitimam interações sistematicamente preconceituosas e violentas, nas quais as pessoas mais velhas, sobretudo aquelas em situação de vulnerabilidade socioeconômica, são mais propensas a experimentar problemas de saúde como efeitos do idadismo (E-SHIEN CHANG, 2020).

Referências
CHANG, E.-Shien et al. Global reach of ageism on older persons’ health: A systematic review. PloS one, v. 15, n. 1, p. e0220857, 2020.
DÓREA, Egidio Lima. Idadismo: Um mal universal pouco percebido. Unisinos, 2021.
FILIPE, Inês Ferreira de Sousa. Idadismo no contexto da COVID 19: Representação das pessoas mais velhas nos jornais digitais Portugueses. 2020. Tese de Doutorado.
RODRIGUES, Minéia Carvalho. As novas imagens do idoso veiculadas pela mídia: transformando o envelhecimento em um novo mercado de consumo. Revista UFG, v. 5, n. 2, 2003.
SANTOS, Michelle Didone dos et al. Lack of accessibility in public transport and inadequacy of sidewalks: effects on the social participation of elderly persons with functional limitations. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 20, p. 161-174, 2017.
TOMŠIČ, Marija; SEVŠEK, France; RUGELJ, Darja. Travelling Habits and Perceived Limitations of Older City Bus Users. Promet-Traffic&Transportation, v. 29, n. 4, p. 425-431, 2017.
VERAS, Renato. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Revista de saúde pública, v. 43, n. 3, p. 548-554, 2009.

(*)Alda Abrahão Faiad de Moura – Mestre em Gerontologia pela Universidade Católica de Brasília (UCB) e Doutoranda em Psicologia pela UCB. E-mail: [email protected]. Eduarda Rezende Freitas – Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia. Professora na Universidade Católica de Brasília. Este texto faz parte da pesquisa “Transporte público urbano do Distrito Federal e entorno e as vivências do passageiro idoso: preconceitos e desafios de um transporte inclusivo”, de Alda Abrahão Faiad de Moura, apoiada pelo Edital Acadêmico de Pesquisa 2021, promovido pelo Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento.

Foto destaque Agência Senado

Atualizado às 11h54


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