Dá-lhe Poesia! A Curitiba de Paulo Leminski

Viver exige atitude. Leminski teve maestria em mostrá-las. Os idosos do Centro Dia estão, finalmente, tendo a oportunidade de contatar suas aspirações. Ainda é tempo. A arte é o caminho para vislumbrar anseios. Viver é um desejar constante. É o desejo que nos impulsiona e pulsa o coração. A Arte afeta, toca e permite ousadias. Ainda há tempo!

Cristiane T. Pomeranz *

 

da-lhe-poesia-a-curitiba-de-paulo-leminskiVamos todos cuidar da mente! Receitas para manter o intelecto saudável e ativo são divulgadas exaustivamente.

Passei a ser uma devoradora compulsiva de semente de chia. Sabe-se bem que ela favorece o funcionamento dos neurônios melhorando assim a atividade cerebral. Dá-lhe chia!

Azeite de oliva, então! Somos convidados a lubrificar a mente com essa preciosa ajuda que vem do mediterrâneo e que mantém a circulação revigorada. Sangue que flui com azeite faz escorregar a energia até que nossas funções cerebrais derrapem freneticamente nas curvas do pensamento. Dá-lhe azeite!

Já a quinoa, conhecida pelo seu alto teor de proteína, favorece o envelhecimento saudável. Rica em antioxidantes, este alimento tem a capacidade de combater os efeitos do envelhecer e certas doenças daí resultantes. Dá-lhe quinoa!

E assim planejamos nossas refeições e alimentamos nosso corpo. E, por favor, não se esqueça do peixe que é rico em ômega 3! Mas não vale peixe frito com cervejinha gelada de acompanhamento! Vamos nos cuidar no presente para ter uma velhice saudável!

Outro dia, ao ler um estudo realizado pela Universidade de Liverpool, fiquei entusiasmada com o resultado que diz que ler poesias é um estímulo para a mente muito mais poderoso do que alguns tratamentos e bem mais eficaz para a promoção do bem-estar do que a leitura dos livros de autoajuda. Dá-lhe poesia!

Inconscientemente, sempre soube disso. Busco nas poesias um sei lá o que, que identifico como um toque sensível à minha alma. As poesias me fazem uma certa cócega como se me falassem: Veja, algo rasteja por toda sua pele! As poesias são causadoras de uma turbulência e de uma inquietude altamente positiva.

Não saberia dizer qual poeta me toca mais profundamente e talvez, por isso, seja tão encantada por Fernando Pessoa. Seus heterônimos fascinam. Muitos em um! Versatilidade que extasiam qualquer amante de poesia.

Mas vivo momentos de paixões específicas. Ora sou uma apaixonada por Cecília Meireles, ora por Mário Quintana.

da-lhe-poesia-a-curitiba-de-paulo-leminskiJá estive deslumbrada com Clarice, mas neste momento meu coração é do Curitibano Paulo Leminski.

Talvez a minha ida a Curitiba tenha fortalecido esse amor. Nada como estar no habitat do poeta para viver uma certa aproximação que vai além da sua obra.

Andar pela cidade e poder admirar o muro grafitado com sua face e sua poesia e ao mesmo tempo pensar que aquele era o cenário de toda sua irreverência, me intrigou.

Curitiba é uma cidade deliciosa. Ampla em espaço e em qualidade de vida. Um povo educado e civilizado. Nada de lixo no chão! Uma cidade organizada em padrões estranhos para um país como o nosso.

Leminski é de Curitiba. Cidade que não parece combinar com o bigode exagerado do poeta. Talvez seu atrevimento seja justamente uma maneira de quebrar tamanha organização para sair dos padrões e romper as imposições sociais. Leminski é Leminski.

Dono de uma poesia criativa e um jeito de escrever cheio de loucura, o poeta viveu pouco, mas seus 44 anos de existência encheram de orgulho os Curitibanos e os amantes de poesia.

Voltei de Curitiba com minha paixão por Leminski transbordando. Sua poesia não estava mais cabendo em mim. Precisava presentear os idosos que frequentam o Centro Dia público que trabalho, com sua irreverência.

A velhice, seja ela qual for, merece a arte e a poesia de Paulo Leminski.

E foi assim que os versos do poeta foram tema de trabalho no atelier de arteterapia que tenho o prazer de propor, semanalmente aos idosos que ali estão, numa busca esperançosa de ressignificar suas velhices.

A inspiração veio da cidade do poeta, repleta de arte, poesia e estrelas. O céu de Curitiba, estrelado e gelado encantaram essa paulista que pode relembrar, por algumas noites, a sensação extasiante de olhar para as estrelas.

Os idosos do Centro Dia da cidade de São Paulo, precisam imaginar esse céu oculto pela poluição da cidade.

da-lhe-poesia-a-curitiba-de-paulo-leminskiEstrelas iluminam também o pensamento. As estrelas cadentes nos fazem lembrar que, desejar é o primeiro passo de um caminho de possível realizações.

Leminski proclama:

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“A Estrela cadente

Me caiu ainda quente

Na palma da minha mão. ”

O atelier foi invadido por esse céu estrelado imaginado pelos idosos que em meio a uma vida cheia de dificuldades, encontram no Centro Dia a oportunidade de viver socialmente em meio a arte, histórias e poesia.

– Uma estrela cadente! Faça um pedido! Que seja já!

Na mesma hora, um coro dizia, em claro e bom tom: Saúde!

– Como assim? Disse eu. Saúde é muito óbvio! Não é disso que falo!

É preciso mais. Essa resposta pronta sugere um conformismo que nos faz aceitar qualquer situação apresentada pelo viver. Não combina com Leminski!

Olhos atentos modificavam pensamentos.

A Vida precisa ser interessante. Cabe a nós desejar mudanças. A felicidade, vem e vai embora, muito rápido e só aparece se estivermos interessados no viver. Ao contrário nem a notamos.

Com atenção os idosos ouviam o que dizia e entendiam aonde eu queria chegar.

– Vamos lá! Paulo Leminski mais uma vez:

“A Estrela cadente

Me caiu ainda quente

Na palma da minha mão. ”

– Uma estrela cadente! Faça um pedido! Que seja já!

Desejar um cômodo com cozinha, força nas pernas para caminhar, esquecer os problemas para dançar, uma casa pequena, um resultado confortável para os próximos exames médicos, coragem para lutar contra o câncer, entre tantos outros desejos o evidente era a carência das condições mínimas para viver uma velhice com, pelo menos, um mínimo de conforto e tranquilidade.

E através do Leminski fui direto ao coração desses idosos que dividem comigo seu viver, seu padecer e seu novo caminhar

da-lhe-poesia-a-curitiba-de-paulo-leminskiO trabalho de arte serviu de registro para os desejos.

Viver exige atitude. Leminski teve maestria em mostrá-las. Os idosos do Centro Dia estão, finalmente, tendo a oportunidade de contatar suas aspirações. Ainda é tempo. A arte é o caminho para vislumbrar anseios.

Viver é um desejar constante. É o desejo que nos impulsiona e pulsa o coração.

A Arte afeta, toca e permite ousadias. Ainda há tempo!

Quinoa, chia, azeite e peixe grelhado!

Delicie-se! Saboreie cada pedaço, mas por favor, não se esqueça do recado: A poesia é o melhor tempero.

* Cristiane T. Pomeranz é arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte e mestranda em Gerontologia Social PUC-SP. Email: [email protected]

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