As pessoas com Alzheimer percebem o mundo ao seu redor de forma única. Elas sentem o tom da voz, a emoção que está por trás delas.
Você pensa que nunca vai esquecer, e esquece. Você pensa que essa dor nunca vai passar, mas passa. Você pensa que tudo é eterno, mas não é.
(Clarice Lispector)
CONFIRA TAMBÉM:
Esquecer algo ou alguém é sempre um processo doloroso, especialmente quando isso se torna parte do dia a dia de quem antes confiava na memória como um apoio essencial. Muitas vezes, por falta de compreensão, acreditamos que as pessoas com Alzheimer não lembram de nada, não entendem o que falamos e não sentem mais nada. Puro engano! As emoções e a essência continuam presentes, e o que elas vivenciam vai muito além do que imaginamos.
Recentemente, vivi um momento muito tocante e desafiador. Durante uma visita a um paciente querido, ele me olhou com uma intensidade que jamais esquecerei, e seus olhos começaram a se encher de lágrimas.
Embora eu não soubesse o motivo exato, segurei sua mão com carinho e tentei acalmá-lo para podermos conversar. Aos poucos, surgiram pequenos lapsos de tudo o que ele foi, do que ainda é, das palavras que escuta nas conversas ao seu redor e das coisas que percebe em si mesmo. Foi um momento de profunda conexão e reflexão.
Então, com um suspiro, ele expressa a sua dor:
– Eu não sei de mais nada… não lembro de nada… não consigo falar direito mais…
Nesse momento, seus olhos começam a percorrer o escritório, apontando para os quadros, as medalhas de maratonas que conquistou ao redor do mundo, as lembranças de suas viagens, seus objetos tão queridos, e as fotos da família, esposa, filhos, netos. Era como se, ao olhar para tudo aquilo, ele estivesse revivendo, de alguma forma, uma profunda saudade da pessoa que foi, das memórias que ainda carrega com tanto carinho em seu coração.

Nos olhos dele, havia uma dor imensa. Não sabia se era algo passageiro ou se já estava ali há muito tempo, mas, naquele momento, a tristeza era, totalmente, tocável. Enquanto ele chorava, com a dor se derramando para fora, eu chorava, silenciosamente, por dentro, na impotência de não poder fazer mais do que já estava fazendo.
Enquanto o tempo se arrastava, eu o acolhia em sua dor. Respiramos juntos, profundamente, tentando encontrar equilíbrio, e seguramos nossas mãos juntas, buscando conforto um no outro. Aos poucos, aqueles lapsos de lucidez perderam-se, e o tempo e espaço ao nosso redor pareceram suavizar a intensidade do momento. Continuamos com nossas atividades, como se o momento anterior não tivesse existido.
Tudo isso, para mostrar que as pessoas com Alzheimer percebem o mundo ao seu redor de uma forma única, muito própria e profundamente individual. Elas escutam e compreendem, de um jeito que é só delas. E, mesmo quando as palavras parecem confusas, elas sentem o tom da voz, a emoção que está por trás delas. Elas sentem… e quando não conseguem expressar isso com palavras, o corpo e as emoções falam por elas, tentando transmitir o que estão vivendo, o que estão sentindo.
Cuidar de alguém é um processo desafiador para todos nós… e, de certa forma, estamos todos no mesmo barco. Alguns de nós ficam tranquilos, apreciando a vista e a jornada, enquanto outros se sentem perdidos e se afastam, nadando em direções diferentes.
E há aqueles, com muito amor, paciência e resiliência, que, mesmo nos momentos difíceis, com firmeza e ternura, continuam a guiar o barco, levando-o com cuidado até o seu destino.
No final das contas, o que importa, é o que oferecemos uns aos outros, independente das escolhas, e do caminho que decidiram seguir.
Foto de Kindel Media/pexels.
