A pessoa idosa e a lei

A pessoa idosa e a lei

Há uma série de abusos patrimoniais que ocorrem com a pessoa idosa que não são identificados com clareza. A gestão do patrimônio tornou-se hoje uma grande questão.

Cassiana Leindecker Leindecker, Regiane da Silva Macuch e Fabiane Satiko de Souza (*)


É fato que a população mundial vem envelhecendo. Esse processo de envelhecimento necessita de um acompanhamento por parte do poder público e de um olhar mais focado no planejar de políticas públicas para garantir a dignidade desse processo. Viver por mais tempo e com dignidade é uma novidade da contemporaneidade, vez que somente no momento presente se fez possível o envelhecer em decorrência do desenvolvimento da medicina e outras ciências. Em decorrência disso, surge uma preocupação ainda maior: a gestão do patrimônio do idoso.

O que se observa na prática é que os idosos são subtraídos de suas escolhas, desejos e decisões sobre a administração e o destino dos seus bens. Há uma série de abusos patrimoniais que ocorrem com os idosos que não são identificados com clareza, como o confisco do cartão do banco e senha, venda de bens móveis e imóveis, aplicações financeiras, empréstimo consignado, financiamentos, procurações com amplos poderes de gestão, por exemplo.

Nossa lei maior, a Constituição Federal de 1988, “assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. Embora a lei alcance a todos os cidadãos brasileiros, há entre estes, pessoas com maior vulnerabilidade, como as pessoas idosas. Para isso, há diplomas normativos, leis infraconstitucionais e estatutos que levam em consideração as características especiais dessas pessoas, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

A Constituição Federal normatiza a proteção às pessoas idosas em seu artigo 229, que preceitua que “os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Nesse mesmo sentido, o artigo 230 preceitua que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

A Constituição Federal também relaciona o princípio da dignidade da pessoa humana com a plena cidadania dos idosos. Assim sendo, no artigo 230, §2º, a gratuidade do transporte público urbano é garantida aos maiores de 65 anos; há também a previsão da faculdade do voto a partir de 70 (setenta) anos de idade no artigo 14, §1º, inciso II, alínea b; além da garantia do salário mínimo ao idoso que não possuir meios de manutenção própria no artigo 203, V.

Não obstante, há também o Estatuto da Pessoa Idosa, Lei 10.741/2003, que representa uma grande conquista social e um marco na garantia dos direitos das pessoas idosas. O Estatuto reconhece os direitos da pessoa idosa e identifica as responsabilidades e obrigações ao disciplinar, no artigo 3º, que “é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.

Ocorre, no entanto, que mesmo com tantas normativas disciplinando e regulamentando os direitos das pessoas idosas, fez-se necessário, ainda, resguardá-las especificamente contra o crime de violência patrimonial. Assim, no Capítulo II, o Estatuto passa a identificar os crimes patrimoniais contra a pessoa idosa. De acordo com os seguintes artigos:

– artigo 96, é crime discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade;

– artigo 102, apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento da pessoa idosa, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade;

– artigo 104, reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão da pessoa idosa, bem como qualquer outro documento com objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívida;

– artigo 106, induzir pessoa idosa sem discernimento de seus atos a outorgar procuração para fins de administração de bens ou deles dispor livremente;

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– artigo 107, coagir, de qualquer modo, a pessoa idosa a doar, contratar, testar ou outorgar procuração;

– artigo 108, lavrar ato notarial que envolva pessoa idosa sem discernimento de seus atos, sem a devida representação legal.

O envelhecimento ativo e saudável é consequência do conhecimento e aplicação das leis que regulam e protegem a pessoa idosa. Identificar seus direitos e reconhecer as violências a que a pessoa idosa possa ser submetida contribui para que se consiga identificar a ocorrência desses crimes, para evitá-los ou denunciá-los. Em caso de suspeita ou confirmação de violência contra a pessoa idosa, a denúncia poderá ser feita através do canal disque 100. Estas denúncias são encaminhadas às unidades de atendimento do município onde são averiguadas as situações denunciadas.

Referências
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 18 de novembro de 2021.

BRASIL. Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União, de 3 dezembro 2003. Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/2003/10741.htm>. Acesso em: 12 novembro de 2021.


(*) Cassiana Leindecker Leindecker – Graduada em Enfermagem; Especialista em Unidade de Terapia Intensiva; Especialista em Gestão em Saúde; Especialista em Mediação de Processos Educacionais na Modalidade Digital; Mestre em Promoção da Saúde; Doutoranda em Promoção da Saúde. Docente Cursos Técnicos Escola de Saúde Pública do Paraná; Docente Curso Medicina Faculdade Uningá. Este artigo faz parte de uma pesquisa selecionada pelo Edital Acadêmico de Pesquisa 2021: envelhecer com futuro, apoiada pelo Itaú Viver Mais em conjunto com o Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected].

Regiane da Silva Macuch – Atua como Professora Permanente no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Promoção da Saúde e na graduação em Psicologia na Universidade Cesumar. Pesquisadora bolsista do Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação – Iceti. Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Ciência, Tecnologia e Sociabilidade pela Unicesumar.

Fabiane Satiko de Souza – Possui graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Maringá-Unicesumar (2018) e em História pela Universidade Estadual de Maringá-UEM (2001). Especialista em Administração, Supervisão e Orientação Escolar pela UNIVALE (2005) e em Educação Especial pela UNIVALE (2006). Pós em direito empresarial e direito tributário pela faculdade Legale. Aluna não regular no mestrado de filosofia da UEM (2021/2022). Atualmente é advogada na Satiko Advocacia e professora de Lógica Argumentativa no Curso e Colégio Dom Bosco de Maringá. Tem experiência na área cível e empresarial como também na área de Educação, com ênfase em Ensino Fundamental.

Foto destaque de Ekaterina Bolovtsova/Pexels

Atualizado às 21h55


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