O debate sobre a economia do cuidado está centrado nas premissas do aumento da população idosa e na maneira desigual da atuação dos diferentes atores do cuidado – a família, o estado e o mercado.
A economia do cuidado é o conceito analítico abrangente que define o cuidado como base de sustentação da economia e da sociedade. O trabalho do cuidado, remunerado ou não, está presente em todas as atividades econômicas. A economia com foco em todos os tipos de cuidados, remunerados e não-remunerados, distribui renda e contribui para a sustentabilidade da atividade econômica. Com foco no cuidado dos idosos, o debate sobre a economia do cuidado está centrado nas premissas do aumento da população idosa e na maneira desigual da atuação dos diferentes atores do cuidado – a família, o estado e o mercado.
O investimento público no cuidado de idosos é estigmatizado como uma atividade que absorve valor, mas não gera valor. O trabalho de cuidado de idosos sofre uma dupla desvalorização cultural e social e não é reconhecido como trabalho. Cuidadores familiares como cônjuges, filhas e filhos, netos e agregados, se ocupam do cuidado com os parentes, em arranjos familiares que penalizam os cuidadores. Quase sempre idosos cuidando de idosos.
A mudança do padrão demográfico com o acelerado processo de envelhecimento da população, tem sido objeto de pesquisas que indicam um caminho mercadológico na gestão do envelhecimento populacional. Acompanha a mudança demográfica, a mudança no padrão das famílias brasileiras. As mulheres no mercado de trabalho, a opção por poucos filhos, além do relevante percentual de 48% de famílias brasileiras no modelo monoparental.
Neste cenário, os idosos com diversos graus de dependência, se constituem num mercado em expansão que demanda serviços especializados e profissionais qualificados. O trabalho do cuidado deixa de ser marginalizado como atividade econômica sem valor de mercado.
Uma importante cadeia de negócios se abre para a formação e absorção de profissionais. Sejam estes formuladores e gestores de políticas públicas e /ou empreendedores e gestores de empresas especializadas no cuidado com os idosos.
Agregando valor à economia do cuidado com os idosos
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O Brasil éum dos países com um dos maiores níveis de concentração de renda no mundo. Nesta conjuntura de extrema desigualdade, 80% da população idosa padece de uma baixa proteção de cuidados por parte do estado. Programas de políticas públicas na saúde, na assistência social e na seguridade social, estão em situação de quase colapso.
O envelhecimento saudável é privilégio de uma elite, cuja expectativa de vida atinge a média de 80 anos em algumas regiões do país. Em regiões de extrema vulnerabilidade social a expectativa de vida não ultrapassa os 60 anos. A expectativa média no Brasil, segundo o IBGE era de 76 anos em 2019. A pandemia reduziu esta média em 4,4 anos.
Na análise do cenário atual, não podemos omitir a influência da crise sanitária e econômica gerada pela pandemia da Covid 19. Assim que a OMS – Organização Mundial de Saúde, decretou o estado de pandemia em março de 2020, os idosos se tornaram o grupo social mais vulnerável. Os custos para a recuperação da população idosa pós-pandemia e pós-crise serão altos. Os programas de Assistência Social, de Saúde e de Seguridade Social, vão demandar recursos, projetos e profissionais especializados.
Estávamos em um processo de transição demográfica e isso vai continuar. É um processo de décadas e décadas, de 60 a 70 anos. Independentemente da pandemia, teremos diminuição da mão de obra, com menos gente entrando no mercado de trabalho, e a quantidade de idosos aumentando, tendo impacto sobre a Previdência e o sistema de saúde. (GOMBATA, 2022).
Apesar da pandemia, a mudança do padrão demográfico com o acelerado crescimento da população idosa, não será alterado. Os idosos de alto poder aquisitivo se constituem num grupo social que demanda por serviços de cuidados especializados. A relevância de investimentos em empresas de serviços e formação de mão de obra especializada será uma tendência.
A atividade de cuidados com a pessoa idosa, representa um amplo espectro de oportunidades de trabalho remunerado e de empresas com potencial de geração de receitas.
A atual tendência da transferência da economia do cuidado do setor público para as empresas, está focada principalmente nas chamadas empresas do terceiro setor. Teoricamente o objetivo da opção por este formato organizacional seria suprir as dificuldades dos governos na gestão das políticas públicas. As OS – Organizações Sociais, é o modelo organizacional principal. Estas empresas recebem repasses e subsídios da administração pública. As ONGs – Organizações Não Governamentais, que atuam basicamente como empresas de prestação de serviço, tem o suporte financeiro dos Fundos, Fundações e outros, que recebem recursos via renúncia fiscal de grandes empresas e doadores.
Grandes empresas nacionais e multinacionais estão investindo em equipamentos de residência permanente com padrão de hotelaria, num modelo tipo norte-americano. Médias e pequenas empresas investem no modelo “Day Care”, ou Centro Dia.
As atividades econômicas ligadas à formação de profissionais do cuidado são destaque em todos os formatos organizacionais: faculdades e cursos técnicos de gerontologia, ONGs que oferecem cursos de especialização e de formação.
A regulamentação das profissões de gerontólogo e cuidador estão na pauta dos sindicatos, associações profissionais e das escolas de todos os tipos de formação, procurando o apoio de parlamentares sensíveis ao tema.
A moderna gerontologia, baseada nos princípios do envelhecimento ativo, reforça a tese da independência da pessoa idosa como a condição ideal para o envelhecer saudável. O cuidado com a preservação da saúde física e mental, a preservação da capacidade cognitiva e de mobilidade, remete a um importante segmento do mercado de trabalho do cuidado para profissões e atividades tradicionais como: médicos, enfermeiros, dentistas, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas.
Uma diversificada gama de empresas prestadoras de serviço tem destaque nesta cadeia de negócios de cuidados:
– Formatos organizacionais mistos, privados e subsidiados, prestam serviços de Centro Dia – CDIs e Núcleos de Convivência de Idosos – NCIs
– Agências de fornecimento de mão de obra especializada de cuidadores
– Editoras e periódicos basicamente em formato digital
– Empresas de Teleatendimento, Tele Help
– Universidades, faculdades e cursos técnicos de capacitação e formação
– Empresas de residenciais de longa permanência e de co-housing. adaptadas aos idosos
– Empresas filantrópicas, beneficentes e assistenciais – CEBAS, que atuam principalmente como ILPIs. Atualmente passando por graves crises agravadas pela pandemia e pelo modelo de repasses e subsídios
Referências
FEDERICI, Silvia. Sobre o trabalho de cuidados de idosos e os limites do marxismo, Revista Nueva Sociedad especial em português, outubro de 2015, ISSN: 0251-3552.
GOMBATA, Marsílea. Expectativa de vida brasileira cai 4,4 anos com pandemia. Valor Econômico. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/02/21/expectativa-de-vida-brasileira-cai-44-anos-com-pandemia.ghtml
HIRATA, Helena. O Trabalho de Cuidados – Comparando Brasil, França e Japão, Publicado sob a licença de Creative Commons Noncommercial Attribution-NoDerivatives International License.
HIRATA, Helena e GUIMARÃES, Nádia (orgs.). Cuidado e Cuidadoras – As várias faces do trabalho do care, Editora Atlas, 2012.
La Organización Social del Cuidado, PSI Internacional de Servicios Publicos, 2021
Foto destaque de Pavel Danilyuk/Pexels