O filme “Tempo” é como um sonoro soco no estômago no mais resolvido dos seres humanos.
Quando chegar a plenitude do tempo, tudo aquilo que vive morrerá. Por mais de 3 bilhões de anos, à medida que espécies simples e complexas encontravam seu lugar na hierarquia da Terra, a foice da morte lançou uma sombra persistente sobre a vida que florescia. […] E, no entanto, esse fim iminente, tão inevitável quanto o pôr do sol, é algo que apenas nós, humanos, parecemos compreender. (Greene, p. 15)
Será mesmo que compreendemos a “conclusão inexorável” do caráter finito do tempo de viver? Creio que não. Acorrentados ao passado, sofremos pelas escolhas de outrora. Obcecados pelo futuro, acabamos por negligenciar algo precioso: o tempo do dia de hoje. Um novo ano já surge das sombras, mostra sua cara, e para lá nos projetamos: compromissos de fazer isso, realizar aquilo, viagens, projetos, sonhos… incluindo mil outras ideias do que seria o melhor para a realização do nosso tão desejado bem viver.
Assim, pensamos – eu só preciso de “tempo”, um pouco mais desses segundos, minutos, horas, dias, anos, mas… e se alguém nos dissesse: nós não temos “isso”.
Em “Tempo”, novo filme de M. Night Shyamalan, o não ter mais qualquer possibilidade de continuar, de seguir com o que nos parece algo simples e elementar – viver – faz do inimaginável, algo concreto, impiedoso, avassalador e cruel. É como um sonoro soco no estômago no mais resolvido dos seres humanos.
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Shyamalan, craque nos enigmas da existência, no suspense angustiante já sentido em sucessos como O Sexto Sentido, A Vila e Sinais, provoca-nos a pensar no valor ou não que damos às coisas simples da vida, nos instantes de afeto, no exercício da generosidade, na compreensão das fragilidades do outro, na prática da sinceridade e honestidade nas relações.
“Tempo” usa inúmeros elementos psicológicos para atingir aquilo que mais nos ameaça e, pior, que vem de um mundo invisível: o roubo dos anos que nos pertencem. Rompe-se uma fronteira e, de um dia para o outro, os ponteiros do relógio aceleram loucamente, insanamente, tornando-nos presas fáceis do inevitável, que sabemos que um dia virá, mas não assim tão rápido e implacável.
O resort, as boas-vindas, a praia
Nenhum aviso, nenhum preparo, nenhuma recomendação, afinal, é a natureza impondo suas regras, é a armadilha inescapável para um grupo formado por três famílias que passa um dia em uma praia paradisíaca onde o tempo inquieto corre rápido demais, mas, até então, eles não sabem.
Isso não quer dizer que o dia dure menos; apenas que as células envelhecem mais rápido, fazendo com que cada um dos humanos naquela costa sinta os efeitos do tempo de modo acelerado em seu corpo. Não demora para que um menino se torne um adolescente, e apesar do crescimento das crianças chamar muito mais atenção, lentamente os adultos presentes também começam a sentir a aproximação do fim ameaçador, esperado um dia – talvez o do outro, mas nunca o meu ou dos meus queridos, meus mais amados.
Quando os visitantes da praia finalmente chegam à conclusão de que existe algo nas rochas que causa o envelhecimento acelerado, eles também percebem que a fenda pela qual entraram no local seria impossível de atravessar em busca do retorno. Como explica Jarin, um enfermeiro, o processo de retornar à normalidade é parecido com o retorno à superfície de uma grande profundidade, e as diferenças de pressão são grandes demais para o cérebro humano.
Passa-se o tempo escasso e aqueles mesmos indivíduos que não tinham qualquer relação entre si, começam a apresentar certas semelhanças. Em cada núcleo familiar, percebe-se que há sempre alguém com algum problema de saúde: Mid-Sized Sedan, um rapper que já se encontrava no local, sofre de uma doença sanguínea; Prisca, mãe da família protagonista, tem um tumor em crescimento; Charles, um médico, tem esquizofrenia; e Patricia, uma psicóloga, sofre de ataques de epilepsia. O agravamento destes mesmos males é acelerado, exceto para Patricia, que passa aproximadamente dezesseis anos – ou oito horas no tempo da praia – sem convulsionar.
O Experimento
Pela variedade de sintomas e condições médicas, já seria possível imaginar que os visitantes foram vítimas de um experimento, ainda mais porque eles foram selecionados pelos funcionários do hotel de modo bem específico.
É importante lembrar que estes mesmos indivíduos – como pode ser visto logo no início do filme – são presenteados com coquetéis cortesia assim que chegam no resort. A palavra “coquetel” não é coincidência – eles foram todos cobaias da eficácia de diferentes medicamentos, e colocados na praia para fazer uma única testagem humana, tornando desnecessário um teste farmacológico que dure anos.
Toda a conclusão acontece a partir do instante em que o funcionário do hotel que levou os visitantes à praia – interpretado pelo próprio Shyamalan – não vê mais ninguém no local, chegando à conclusão de que “as cobaias” foram todas vítimas do tempo.
Alguém escapará?
No início do filme, quando ainda estão nas dependências do resort, Trent, o garoto filho do casal protagonista conhece Idlib, sobrinho do dono do resort, que diz não ter amigos, já sinalizando que seus conhecidos talvez sumam sem explicações. Quando vê que a família de Trent é convidada à praia pelo seu tio, Idlib passa ao amigo o enigma cuja solução ainda é desconhecida.
A mensagem de “Tempo”
Shyamalan como o supervisor de um experimento, como o comandante dos vulneráveis, das ingênuas cobaias, observa, monitora e colhe dados, não intervindo no ambiente, dando livre Passagem a quem lidera a tudo e a todos: o Senhor Tempo.
Importante ainda ressaltar que o casal protagonista teceu seus anos em comum de vidas um tanto opostas: Guy é um atuário, e analista de riscos de uma seguradora, e por isso só planeja e calcula o futuro, e Prisca é uma curadora de museu, sempre olhando para o passado. É apenas com a passagem acelerada do tempo que os dois conseguem se enxergar e se encontrar no presente.
Como nossa jornada através do tempo deixará claro, tudo leva a crer que a vida é efêmera, e é quase certo que o entendimento ensejado pelo surgimento da vida se dissolverá quando ela desparecer. Nada é permanente. Nada é absoluto. E assim, nessa procura por valor e propósito, as únicas ideias relevantes, as únicas respostas importantes e cheias de significado são aquelas formuladas por nós mesmos. Afinal, durante esse nosso breve momento ao Sol, somos incumbidos da nobre tarefa de encontrar nosso próprio sentido. (Greene, p. 29)