A perda da professora Suzana Medeiros, aos quase 96 foi sentida por muita gente que atua no envelhecimento na perspectiva social. Suzana formou muita gente, e mesmo tendo nos deixado, a Mestre permanece entre nós.
O homem não está no tempo é o tempo que está no homem. (Joel Martins)
O estudo do envelhecimento e da velhice é recente. Aquilo que é um direito do homem – viver muito – e o que sempre foi uma aspiração – ter vida longa -, quando alcançados, passam a ser uma questão social. Hoje o ser humano vive mais e a sociedade não sabe o que fazer com seus sujeitos envelhecidos. Assim começa o editorial da primeira edição da Revista kairós-Gerontologia (1998), assinado pela profa. Emérita da PUC-SP Suzana Aparecida Rocha Medeiros [1925-2021], que ontem (25/08) nos deixou, às vésperas de completar 96 anos.
Conheci Suzana Medeiros pouco tempo depois, quando bati às portas da PUC-SP, especificamente no Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento, em busca de uma carta de aceite para ali fazer minha pesquisa de pós.doc que estava apresentando à Fapesp. Como retribuição, me comprometi a ministrar um seminário para alunos do mestrado em Gerontologia recém implantado. Saiu a pesquisa, mas não a bolsa. E da PUC não saí mais, até o momento pelo menos.
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Em 2021 ingresso na equipe de docentes do mestrado em Gerontologia e durante 10 anos fui uma fiel aprendiz da profa. Suzana, que me inspirou e por quem sempre tive uma grande admiração pela sua capacidade visionária, pela serenidade de experienciar a instalação da velhice habitando aquele corpo frágil e potente ao mesmo tempo, e pela capacidade de refletir sempre sobre a existência desde a perspectiva do ser que envelhece e não unicamente que adoece.
Trajetória
Como escreve Guilherme Salgado Rocha na entrevista que fizemos com ela em 2012, um ano após sua saída da PUC, “ela é lenda viva na história de dois cursos da PUC de São Paulo: Serviço Social e Gerontologia. Foi estudante da antiga escola de Serviço Social, posteriormente incorporado pela PUC, onde começou a lecionar em 1964. Ajudou a implantar a pós-graduação em Serviço Social, e no final da década de 90, após pesquisa desenvolvida para a ONU, liderou a equipe que criou o curso de pós-graduação em Gerontologia” em 1997, e que foi finalizado em 2017.
Sua trajetória acadêmica começou em 1946 quando se graduou em Serviço Social pela PUC e também fez seu doutorado. Suzana fez parte do quadro de docentes da PUC-SP de 1964 até dezembro de 2011. No Serviço Social ela era a docente mais velha, e os trabalhos relacionados ao envelhecimento que chegavam, a ela lhe eram atribuídos. Ela não cansava de contar essa história, de forma engraçada, mas que sutilmente denunciava como a questão do envelhecimento também era negada pela academia, como expressa no editorial escrito há 23 anos:
“Ser velho traz um conjunto imenso de conotações pejorativas. Todos querem viver mais, mas ninguém quer ser velho. Essa ambiguidade levou o tema a “não ser”, e sobre o envelhecimento e a velhice montou-se uma “conspiração do silêncio”. Como se o não mencionar, a não reflexão sobre o problema garantissem a possibilidade do não existir. Essa atitude reforçou a permanência de mitos e concepções falsas… Numa sociedade em que o mito é a juventude, a beleza e a força física, ser velho é, contrastivamente, ser feio, fraco e, principalmente, improdutivo. Na academia, a situação não era muito diferente. O tema não tinha status. De uma certa maneira, parecia perda de tempo estudar um fenômeno terminal.”
Suzana sempre teve certeza da importância de se estudar o tempo kairós, tempo de energia acumulada pelas experiências vividas, inspirada em seu grande amigo, o professor Joel Martins que dizia: O tempo não é uma dimensão cronológica medido em dias, meses e anos, mas sim um horizonte de possibilidades do Ser.
E era sempre com esse olhar que Suzana Medeiros enxergava o envelhecimento e os velhos e nos sensibilizava para esse olhar, para olhar o tempo interno em que recolhemos nossas experiências, tempo aprendido de conversas com seu amigo e filósofo Joel Martins. Por isso, logo depois do editorial, segue uma homenagem a ele, que morreu aos 73 anos como Magnífico Reitor da PUC-SP.
Ao final dessa homenagem, Suzana escreve:
Lembro-me ainda, com clareza, de uma conversa que tivemos sobre a morte e a eternidade. Naquela ocasião ele me disse: “somos eternos porque mesmo após a morte nossas ideias permanecem com nossos amigos, com nossos alunos”.
A Mestre permanece!

Foto destaque de Alê Anselmo
