Suely Tonarque em entrevista: Aceito a minha velhice!

Suely Tonarque em entrevista: Aceito a minha velhice!

Suely nos convida a repensar nossa própria relação com a idade, a velhice, o corpo e, acima de tudo, conosco mesmos.


A sociedade supervaloriza a juventude, mas para a nossa convidada de hoje, a velhice é um processo natural e uma fase da vida. Suely Tonarque é uma voz fundamental na quebra de preconceitos, usando sua experiência como psicóloga e mestre em gerontologia para desafiar os padrões impostos sobre o envelhecimento.

Ela se autodenomina “velha” com orgulho e usa o cabelo branco como uma bandeira de liberdade.

Fundadora, juntamente com sua irmã Siuza Tonarque, da Duda By Duda, uma marca de roupas que celebra o corpo que envelhece, e autora de livros que desmistificam o tema, Suely nos convida a repensar nossa própria relação com a idade, o corpo e, acima de tudo, conosco mesmos.

Ela nos lembra que a verdadeira beleza está na singularidade, na história que cada um carrega e na coragem de ser quem se é, em qualquer fase da vida.

Sejam bem-vindos a uma conversa inspiradora sobre liberdade, autenticidade e a revolução de ser velho hoje.

Duas idosas de óculos escuros sentadas em um banco, tendo ao fundo uma parede laranja e parte de janela verde

Silmara: Como a sua visão sobre a beleza e a imagem do corpo mudou ao longo dos anos?
Suely: Me dei conta de que eu tinha envelhecido quando fui expulsa do mercado de trabalho. Até então, eu me entendia como uma mocinha de 55 anos. Mas não, eu já estava a caminho da velhice. Eu atuava no ramo do vestuário e precisei me reinventar. Em relação à beleza, nunca fiz botox e nem pretendo fazer. Meu corpo se transformou. Me cuido, caminho, faço ginástica, fico atenta aos dentes, à audição e à pele. O cabelo já não pinto, me libertei disso, e tenho a consciência de que cheguei à velhice. Não passei por esse processo de maneira sofrida.

E de que forma a sua própria jornada de envelhecimento influenciou o trabalho de criatividade artesanal autoral da Duda by Duda?
Com a mudança do nosso próprio corpo, queríamos roupas feitas de forma personalizada, pois minha irmã e eu não nos adequávamos a nenhuma grife do mercado. Nove anos atrás, quando lançamos o Duda By Duda, perguntavam: “Mas vocês vão fazer roupa para velhas?!” E a gente respondia que sim. Vestir o corpo é uma singularidade; cada pessoa é única e eu vou vestir meu corpo com aquilo que me faz sentir bem. Gostamos de ser diferentes, por isso não trabalhamos com moldes nem com produção em série, buscando uma criatividade sem repetição. Entendemos que devemos vestir bem o corpo no processo de envelhecimento. Eu trabalho na linha de frente estudando o envelhecimento, enquanto minha irmã faz a parte da criação das peças.

Ao olhar para sua vida hoje, quais aprendizados o processo de envelhecimento tem lhe revelado de mais importante?
Primeiro, vem o cuidado com a saúde, que é fundamental: alimentação e exercícios físicos. Isso vale para mim e minhas duas irmãs. Não pintamos os cabelos. Outro ponto em comum na nossa família é que falamos pouco de doenças. Investimos mais na pulsão de vida por meio do trabalho, dos bordados e da criação de vestidos. A doença não tem muito espaço em nossas vidas. Somos muito naturalistas. Não ignoramos os remédios e as vacinas, mas preferimos os chás de boldo e de louro. Até os cremes que usamos são mais naturais, evitando os de linhas de cosméticos industriais.

E quais sentimentos ou descobertas você não esperava?
Eu sou supersentimental, e isso eu já esperava. O sentimento que tenho é o de saudade dos pais, das madrinhas e dos ancestrais, meus avós. Minha primeira perda foi aos 11 anos, a de minha madrinha, eu a adorava. Lembro que foi o primeiro velório da minha vida. Sei que o tempo passou, mas até hoje me lembro dela. Ela me paparicava muito, cuidava de nós — éramos cinco irmãos — e ajudava minha mãe. Agora, aos meus 74 anos, entendo a finitude. A saudade fica e se acentua nesta fase, ainda mais a de meus pais. Tenho a consciência de que não vamos mais nos falar, não vamos mais nos ver. Às vezes, a saudade me visita em sonhos; eu sonho bastante. Esse viés transforma o corpo, esse viés que precisa vestir um outro vestido, e o viés da vida é que dá beleza a tudo.

Ao envelhecer, a sociedade muitas vezes impõe “regras” invisíveis sobre como devemos viver. Quais dessas convenções você sentiu que precisou quebrar para ser fiel a si mesma?
Eu tive a coragem de deixar meu cabelo branco, desde 2019. A decisão veio durante um congresso de geriatria e gerontologia no Rio de Janeiro. Eu mesma me senti cobrando: “Por que eu pinto o cabelo?”. Daquele momento em diante, nunca mais pintei. Recebi muitas críticas, mas não me importo com isso, me importo é comigo! Essa atitude foi muito libertadora, e isso é fundamental.

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Se a escola abordasse o processo de envelhecimento, o que você acha que mudaria nas relações com a vida e com a própria velhice?
Se houvesse essa educação desde a infância, acredito que os preconceitos seriam reduzidos. Hoje, estamos abrindo frestas, alguns buraquinhos, mas ainda há uma luta muito grande pela frente para que o envelhecimento e nossas velhices sejam aceitos. Isso se aplica a nós que já somos velhos agora, mas também serve para quem vem na sequência. Se estendermos essa responsabilidade também para a cultura familiar, o velho hoje teria um outro lugar na família e na sociedade.

Como o seu trabalho, que lida diretamente com a imagem do corpo, a fez repensar o desafio de envelhecer em uma sociedade que supervaloriza a juventude?
A sociedade supervaloriza a juventude, mas, em paralelo, cabe a cada velho que lê minhas palavras aceitar sua própria velhice, sua trajetória de vida e assumir que envelheceu. Não importa o que o outro acha, mas sim como eu sinto e como lido com meu envelhecimento. Não está fora, está dentro de cada velho.

Hoje, como você vê a sua influência na vida das pessoas? Como você as inspira a abraçar quem são e a celebrar o próprio envelhecimento?
Eu me vejo como uma pessoa que tem muito cuidado ao vestir o corpo no processo de envelhecimento. Nossa marca se preocupa em proporcionar conforto. Nossos vestidos não têm zíper, não têm pences, e o tecido é pensado e selecionado para ser recebido por uma pele que está mais áspera e que precisa de mais cuidado e delicadeza. O principal é que o vestido acolha esse corpo que está no processo de envelhecimento. Há uma frase do livro Orlando, de Virginia Woolf, que sempre repito: “Não somos nós que escolhemos os vestidos, são eles que nos escolhem”. Isso se deve à textura, ao conforto, ao braço caído, ao peito que cresceu. É nesse sentido que Virginia escreve e com o qual eu me identifico.

Como você se sente com esse trabalho?
Sinto que este é um trabalho pioneiro, uma bandeira que carrego. Tem clientes que vêm até nós e pedem, por exemplo, para colocarmos uma manga em um vestido para que cubra o braço flácido. Eu digo que é possível, mas explico que essa pele caída tem uma história: esse braço abraçou, acolheu e te carrega. Podemos cobrir, mas devemos ter a consciência de que aquele braço carrega parte de sua história. Esse é um trabalho que eu faço com muita delicadeza, pois é nisso que acredito. Se é para dar um tchau, deixe a pele flácida aparecer para que entendam que aqui há uma velha de 80 anos com uma singularidade única, que é a vida dela.

Além do significado pessoal, qual você acredita ser a importância social de reivindicar a palavra “velha” e a identidade da velhice, em vez de evitá-las?
Para mim, só uso a palavra velha. Quando falo em público, cito que sou uma velha de 74 anos. Alguns me corrigem, mas eu reafirmo que sou e gosto de ser. A palavra “velha” é muito rejeitada pela sociedade. Eu falo e faço questão de falar. Não uso “terceira-idade”, “idosa”, não, não, não… Entro no banco e digo: “Sou uma velha e preciso de ajuda!”. Vou ao restaurante e me apresentam o cardápio em QR Code. Novamente, digo não, não, não… Sou uma velha e coloco até os óculos para ler o cardápio. A mesma coisa acontece no cinema, com esses novos sistemas. Eu não fui alfabetizada digitalmente. Interajo e tento me atualizar.

É como no romance A Palavra que Resta, de Stênio Gardel, que tem o personagem Raimundo, um senhor que aprende a escrever aos 71 anos. Eu estou aprendendo agora a lidar com o digital, até para não cair em golpes. Mas lembro que também há jovens que caem em golpes. Falo sobre isso no meu livro, que fiz em parceria com a advogada Andrea Mottola, Golpes contra a Pessoa Idosa. Este livro terá a segunda edição lançada no Fórum Longevidade, em São Paulo. Gosto de falar velha para mostrar um registro e quebrar preconceitos!

O que seus livros representam para você?
Representa, tudo. Meu primeiro livro, Vestir com os Desafios do Envelhecimento, lançado há sete anos, está esgotado. O outro, Velhice e Moda; Velhice na Moda; Velhice é Moda, foi lançado no ano passado, em um congresso, juntamente com Golpes contra a Pessoa Idosa. Esses livros representam a minha vida de velha.

Serviço
Instagram: su_dudabyduda

Fotos: arquivo pessoal de Suely Tonarque


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Silmara Simmelink

Psicodramatista formada pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama. Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Gerontologia pelo Albert Einstein e fez curso de extensão da PUC-SP de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento. Pós graduada em psicanálise pela SBPI e Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP. Atua em clínica com abordagem psicodramática e desenvolve oficinas terapêuticas com grupos de idosos. É consultora em Desenvolvimento Humano e especialista em psicologia organizacional titulada pelo CRP/SP. E-mail: ssimmel@gmail.com

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Silmara Simmelink

Psicodramatista formada pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama. Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Gerontologia pelo Albert Einstein e fez curso de extensão da PUC-SP de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento. Pós graduada em psicanálise pela SBPI e Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP. Atua em clínica com abordagem psicodramática e desenvolve oficinas terapêuticas com grupos de idosos. É consultora em Desenvolvimento Humano e especialista em psicologia organizacional titulada pelo CRP/SP. E-mail: ssimmel@gmail.com

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