Meu VELHOS nasceu de um desafio feito pelo querido Marcelino Freire. Estávamos conversando sobre outro projeto e de repente ele me disse que eu deveria escrever sobre a velhice. No dia seguinte eu abri o computador e criei a pasta VELHOS.
Lacunas restam quando adentramos um assunto sem imergir na sua arte. Relativa e responsiva ao seu tempo, ela aborda seus temas com elementos inacessíveis a estudos guiados por outros métodos; possui a sensibilidade como recurso para desvendar mecanismos de funcionamento da sociedade e fomentar comportamentos transformativos. Pensando nessa potência e nas questões da velhice, me veio um livro: VELHOS, da Alê Motta (Reformatório, 2020). Ele reúne dezenas de personagens idosos em trinta pequenos contos acerca do ser-velho no Brasil contemporâneo.
Itamar Vieira Junior, na orelha, escreve que suas narrativas acabam por se inscrever com a densidade de um poema. Seu parecer fez sentido para mim; ainda, diria que, em virtude da concisão dos textos, cabe à imaginação do leitor preenchê-las com pormenores dos personagens e cenários, além de desenhar o que aconteceu fora das páginas.
Embora sua leitura ocorra em um ritmo veloz e constante, os temas que traz são densos, abordados sem maniqueísmos. Entre eles, está a violência, sexualidade, debilitação física, morte, os relacionamentos, o lazer e choque geracional.
Uma vez admirada pela obra e suas reverberações, convidei a autora para uma entrevista:
Quem são os velhos da sua vida?
Meu pai é o “meu velho” mais próximo. Mas vivemos um tempo em que olhamos ao nosso redor e vemos muitos com idade avançada. E estão em ação, fazendo diferença na sociedade.
CONFIRA TAMBÉM:
E os velhos que você conheceu nos livros?
Eita, não saberei listar todos. Mas sei que muitos personagens tinham vidas detalhadas até começarem a envelhecer. Na velhice os relatos eram escassos ou eram lembranças das “grandes conquistas do passado”.
Isso me incomoda. Há muito a ser contado, não só na juventude.
Como foi o processo de escrever VELHOS? Quais as suas inspirações?
Meu VELHOS nasceu de um desafio feito pelo querido Marcelino Freire. Estávamos conversando sobre outro projeto que tenho (que ainda não nasceu) e de repente ele me disse que eu deveria escrever sobre a velhice. No dia seguinte eu abri o computador e criei a pasta VELHOS. Um desafio do Marcelino não pode ser ignorado.
O tempo passou. Foram uns dois anos para eu entender que estava totalmente tomada pelo tema e já tinha um livro naquela pasta.
Vemos que VELHOS captou muito do que atravessa essa última etapa… separando seus contos em núcleos de sentido, temos morte, família, sexualidade, violência, debilitação, lazer e tecnologia. Alguns desses temas te toca especialmente? Por quê?
Todos me tocam. São temas reais, desafiantes. Alguns podem nos atordoar.
É preciso falar deles.
Pensando que alguns deles ainda são reservados ao senso comum (ou considerados tabus), como você entende a potência desconstrutiva da literatura?
Entendo que a literatura não faz milagres, mas pode auxiliar, pode encaminhar para reflexões que são muito necessárias.
Como você espera que uma pessoa não-velha emerja da sua leitura?
Tenho amigos de idades e realidades variadas que leram meu VELHOS antes da publicação. Essas leituras fazem muita diferença para mim no processo de confecção do livro.
Tenho tido muitos retornos interessantes de adolescentes e jovens que leram o meu VELHOS.
Quanto ao que eu espero da leitura, acredito que depois que um livro nasce, ele não pertence somente ao seu autor. Meu VELHOS é um pouco de cada um que o tem nas mãos. Mas se eu puder criar uma expectativa, que seja o leitor refletir, se envolver, se sentir atraído e incomodado.
E como foi imergir nas velhices diversas, sobre as quais você criou?
Uma experiência muito interessante…
Como espera sua futura velhice?
O futuro a Deus pertence.
A vida é um presente fantástico, dia após dia.
Sobre a autora
Alê Motta nasceu em São Fidélis, interior do Rio de Janeiro. É arquiteta formada pela UFRJ, participou da antologia 14 novos autores brasileiros, organizada pela escritora Adriana Lisboa. Publicou VELHOS (Editora Reformatório, 2020) e Interrompidos (Editora Reformatório, 2017). É colunista da Revista Vício Velho.
Foto: divulgação
Imagem destaque de analogicus/Pixabay