Os dentes só se perdem com motivos reais, concretos, como mau cuidado bucal/limpeza ineficiente, dieta, restos alimentares, doença nas gengivas, cáries, tratamentos não realizados quando indicados, entre outros motivos.
Fernando Montenegro (*)
As pessoas, empiricamente, acham que perder os dentes é algo natural, inevitável e característico da idade, e que “não há o que fazer”, pois vamos todos ficar desdentados (ou com dentaduras e pontes) com o passar dos anos. Isto, cientificamente, não é verdade, pois os dentes só se perdem com motivos reais, concretos (mau cuidado bucal/limpeza ineficiente pelo paciente, dieta muito causadora de cáries, de restos alimentares pararem nos dentes, doença nas gengivas (periodontais), cáries não cuidadas, tratamentos endodônticos (canal) não realizados quando indicados, tratamentos dentários mal feitos pelos dentistas e acidentes (que são menos de 1% dos casos de exodontias (extrações).
Vejam na primeira imagem à esquerda como os dentes estão com suas raízes inteiras e o desgaste na face que morde (face oclusal) é porque a dieta deles era rica em raízes e alimentos muito consistentes. Mas os dentes estão presentes após 130 mil anos!
Quer mais um exemplo? Veja o crânio de Luzia (de 11.000 anos, Brasil). Ele tem muito osso que segura os dentes (nas duas arcadas). Se o primeiro caso citado tinha 130.000 anos, a mandíbula, à direita, tem 11 mil anos, e é de um hominídeo, que viveu antes do homo sapiens.
Esta mandíbula com dentes e ossos de suporte presentes tem 3,2 milhões de anos e é de um hominídeo Australopithecus afarensis, que foi encontrado na Etiópia em 1974, recebendo o nome de LUCY (e esta não foi queimada no incêndio de setembro 2018 do Museu Nacional do Rio!)
Espectômetro de Massa por Acelerador Tandem é que permite datar a quantidade de Carbono 14 que ainda resta numa amostra de osso ou dente antigo. E não por menos coincidência geralmente os dentes são as estruturas do corpo humano que mais permanecem íntegras depois de séculos e milênios e permitem esta datação pelo remanescente deste radioisótopo numa técnica desenvolvida desde os anos 40 do século XX e que é o método ainda mais usado atualmente. Decidimos colocar esta máquina nesta matéria para que você entenda de onde surgiram estas idades de dentes que contamos nas fotos anteriores.
Então, pensem conosco: se os dentes resistem por tantos anos (até 3,2 milhões de anos pelo que se achou até hoje) como, em nossas bocas modernas eles não resistem meros 60-70-80-90 anos? O que causa esta degradação bucal e perda dos dentes que se observa na humanidade moderna?”
Moderna, mas nem tanto… Já na idade média, por volta de 1600, o dramaturgo William Shakespeare, na peça AS YOU LIKE IT, na última cena dizia:
CONFIRA TAMBÉM:
Última cena de todas
que finaliza sua estranha vida
é sua segunda infância e com um consumado esquecimento
e sem dentes, sem olhos, sem gosto, sem tudo
mostrando que já naquela época era comum o idoso ser considerado sem dentes dentre outros aspectos de sua decrepitude.
Mas como tudo começou?
Provavelmente começou por volta do ano de 711, na Península Ibérica, quando os muçulmanos trouxeram a cana de açúcar (e por decorrência o açúcar) para o Ocidente (leia o livro Sugar Blues – O Gosto Amargo do Açucar). A introdução deste alimento, altamente cariogênico numa época que nada se sabia de prevenção bucal, começou a criar enormes destruições nos dentes dos europeus que acabaram por refiná-lo (como conhecemos hoje – para ficar mais fácil de usá-lo em diversos alimentos) e assim potencializar sua capacidade destrutiva da superfície dentária.
Lembramos que crânios muito mais antigos podem ter perdido um ou outro dente, mas nunca a degradação vista desde a idade média nas bocas das pessoas.
Era comum, naqueles tempos, se extraírem dentes sem qualquer anestesia (não havia sido criada ainda, só por volta de 1853) nas praças públicas feitas por barbeiros ou pessoas “especializadas” nisto….. Não existiam restaurações, altas rotações, anestesias ou próteses e quando um dente doía, só restava sua avulsão (e/ou extração). E as bocas iam se mutilando, como na foto acima à direita.
Ao mesmo tempo e com o passar dos séculos, dietas mais e mais cariogênicas, de produtos cada vez trabalhados para alimentar as populações maiores das cidades que cresciam (e precisavam durar mais dias, logo com mais conservantes e fixadores) foram deixando os alimentos mais macios, para ficarem mais ao “gosto popular”. Quanto mais macios eles eram, mais se acumulavam restos deles nos dentes e hoje sabemos (na verdade desde 1950 nos EUA e Europa) que esta comida parada nos dentes e gengivas era a grande iniciadora das cáries (como vemos na foto acima) e dos problemas de gengiva.
Então não existia a Odontologia para cuidar dos dentes (só por volta de 1840), os alimentos iam cada vez parando nos dentes e assim os dentes foram se perdendo ao longo dos séculos. Por isto foi criada a ideia que “dentes vão se perder ao longo da vida e vamos morrer sem nenhum“, mas isto foi uma percepção popularesca, não algo científico/comprovado.
Veja os dentes de seus filhos e netos, eles parecem muito melhores que os dentes do seu pai ou seus avós!
Mas os dentes são iguais interna e externamente a milhões de anos atrás quando nossa espécie foi criada. Os crânios que achamos deles têm muitos dentes e poucos elementos faltando. Mas e quando encontrarem nossos pais e avós daqui a milhares de anos, o que será que vão pensar das bocas deles? Que eram de uma sub espécie que seus dentes não duraram em suas bocas? Ou os dentes de nossos antecessores diretos eram piores que os de milhões de anos atrás?
Olhem abaixo à esquerda este dente de 560.000 anos atrás. Ele parece diferente dos seus? Foi encontrado numa caverna na França há poucos anos.
Então, se os dentes e ossos maxilares não mudaram estruturalmente, o que é que a boca à direita tem de diferente?
Dentes, quebrados, cariados, ausentes num idoso “jovem” de 72 anos. Mas agora, além do açúcar, dos alimentos e da falta da odontologia no passado, o que acontece com este idoso, em sua boca? Vejam a enorme massa branca ao redor de todos os dentes (tanto nos “inteiros” quanto nos quebrados da frente. Ela começa dentro da gengiva e vem até a parte central dos dentes.
São restos enormes de alimentos que por não serem removidos a cada refeição (na verdade aumentam de volume a cada refeição) comprometendo os dentes com cáries e as gengivas estão muito vermelhas, quando deveriam ser rosa claro se saudáveis estivessem. Elas sangram só de um leve toque nelas, o que mostra enorme inflamação, o que também é anormal.
Sem contar do hálito deste idoso que era o verdadeiro BTL (Bafo de Tigre Louco – como dizia o querido Dr. Reynaldo Todescan) que devia incomodar muito até a ele mesmo (Imagine com quem ia falar com ele!). Mas volte nas fotos ancestrais e veja se você vê restos calcificados de alimentos nos dentes? Eles não existem por conta da dieta deles e por isto seus dentes duram até hoje!
Então, para que tenhamos uma boca assim saudável, nos dias de hoje precisamos seguir removendo muito bem os restos de comida que param a cada refeição (seja o café da manhã, um biscoitinho com cafezinho, mastigando salgadinhos industrializados e refrigerantes mexendo no computador o dia todo). Não existem comidas “inocentes” e que não vão fazer mal. Tudo parado nos dentes não para só do lado de fora e do lado de dentro e SIM para também ENTRE os dentes. É esta comida entre os dentes o dia todo que causa as cáries e os problemas de gengiva que farão você perder os dentes com o passar dos anos.
Mas a culpa não é de seus dentes, como você tem lido desde o início e sim do que fica parado nos dentes que se juntam a bactérias e aí estas aumentam de número e produzem um ácido que ataca os dentes e como não se limpa entre os dentes (era o fio dental que muitos só usam “de vez em quando” – na prática isto quer dizer NUNCA e as comidas modernas TEM de ser removidas entre os dentes COM CERTEZA uma vez por DIA) as cáries vão aumentando, chegam ao centro do dente, geram os tratamentos de canal, coroas, e tudo feito, sem o cuidado bucal adequado (isto quer dizer escovação correta COM USO DE FIO DENTAL diário) levando à perda dos dentes.
Então nós, as pessoas modernas, realmente – por conta do que comemos -, FATALMENTE para nos dentes, e por isso nós temos de escovar os dentes, tanto os da frente, quanto os do fundo, desde a gengiva até a ponta dos dentes, de 2 em 2 dentes, por vez, e depois usar o fio dental, pois nenhuma escova de dentes limpa ENTRE eles (é só propaganda delas, mas nenhuma entra nesta importantíssima região interdental) e sempre que comermos algo fora das refeições lembrar que temos de limpar os dentes, para que os restos não se fixem neles. Mas temos muito a continuar falando destes assuntos! Aguardem!
PS: Para alguns profissionais na área, estas informações podem parecer muito genéricas, mas depois de 43 anos de trabalho, continuo sendo questionado sobre muitos destes aspectos pela grande maioria de meus pacientes, o que valida este artigo de muitas formas…”.
Leituras sugeridas
BRUNETTI, RF, MONTENEGRO FLB. Odontogeriatria – Noções de interesse clínico. São Paulo: Artes Médicas, 2002, 481p.
MONTENEGRO FLB, MARCHINI L. Odontogeriatria: uma visão gerontológica. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2013, 360p
PROGER- Programa Atualização Gerontologia SBGG,Ciclo 2,vol 1, Porto Alegre, Ed. Artmed, 2016 , p.99 a 150.
SITES com informação sobre Odontogeriatria
www.odontogeriatria.dr.odo.br
www.portaldoenvelhecimento.com.br/odontogeriatria
www.jornaldosite.com.br em artigos de odontogeriatria
(*) Dr. Fernando Montenegro. Mestre e Doutor pela FOUSP. Coordenador de Odontogeriatria em 5 Sites Científicos. Texto publicado no Jornal do Site em 26 de Março de 2019, ISSN 1983-5493. E-mail: [email protected]
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A família é um sistema complexo, onde seus membros compartilham um mesmo contexto social de pertencimento, de construção de identidade, significados, cultura, trocas afetivas e emocionais. Sendo assim buscar compreender a dinâmica da família contemporânea em relação ao envelhecimento, possibilita um olhar diferenciado dos profissionais que trabalham com o tema do envelhecimento, facilitando o manejo de questões que possam surgir ao longo de suas práticas e que envolvam a família.
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