São Paulo, nossa cidade é amiga ou inimiga das pessoas idosas?

São Paulo, nossa cidade é amiga ou inimiga das pessoas idosas?

Não existe a possibilidade de uma cidade ser amiga das pessoas idosas se não há orçamento destinado à essa população e se a cada ano direitos lhes são retirados.


São Paulo é uma cidade com contradições proporcionais ao seu tamanho. Ao mesmo tempo em que vivemos na cidade mais rica do país, percebemos que o luxo dos prédios da Avenida Faria Lima não se reflete no restante das moradias e bairros da maior parte do território.

Estava num dia chuvoso e nublado – como tantos outros que justificam o apelido de nossa “Terra da Garoa” – quando uma mulher idosa desconhecida caminhava à minha frente, com sua bengala. Aparentemente, tinha uma marcha instável, andava com dificuldade e, ao mesmo tempo, lutava contra o campo minado de buracos que havia na calçada e com o território hostil do bairro, dominado pelas incorporadoras imobiliárias e suas obras ensurdecedoras.

Confesso que sou um curioso por excelência – sempre num ônibus ou em outro meio de transporte, penso na vida e na história de cada uma das pessoas ao meu redor e me pergunto: quais são suas angústias? Quem vive ao lado delas? Quais são seus amores?

E, nesse sentido, continuei meu caminho atrás dela, imaginando como é viver aqui sendo uma pessoa idosa, possivelmente vulnerável. Também me surpreendeu o fato de na última semana termos recebido o certificado de “Cidade Amiga da Pessoa Idosa” pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ou seja, o município se comprometeu a empreender esforços, em seus serviços e estruturas físicas, para ser mais inclusivo e receptivo às necessidades das pessoas idosas. O certificado foi entregue ao prefeito Ricardo Nunes durante o 7º Fórum São Paulo da Longevidade. Com isso, São Paulo foi incluída na Rede Global de Cidades e Comunidades Amigas da Pessoa Idosa.

Trata-se de um conceito amplo, no qual o município deveria desenvolver ações em oito eixos para adaptar o ambiente físico, social e de serviços de forma a promover o envelhecimento ativo, garantindo participação, saúde e segurança para as pessoas idosas. Será que aquela mulher desconhecida também atestaria sua cidade como um local amigável para sua existência? Esta é uma reflexão que convido a todos a realizarem também, já que uma cidade amiga da pessoa idosa é um território acolhedor para todas as idades, com acessibilidade, oportunidades, garantia de direitos fundamentais, segurança, dignidade e solidariedade.

Nesse contexto, lembro da realidade do SUS de nossa cidade. Apesar de contar com trabalhadores tão necessários que batalham e adoecem contra a pressão de organizações sociais, demissões políticas, falta de integração com os territórios e pressão para que apresentem uma produtividade insana – como atender pessoas idosas com diversos problemas de saúde em 15 minutos – não são incomuns casos de indivíduos vulneráveis que não recebem os cuidados básicos necessários para a promoção, proteção e recuperação de sua saúde.

Fora isso, essa mesma prefeitura que, em fotos de jornais, quer ser amiga de pessoas idosas, fere o direito à previdência social de seus servidores. Vimos recentemente projetos de lei que vão na contramão de uma política de direitos previdenciários, que embasam suas justificativas na “falta de financiamento” e na necessidade de cortes de gastos para garantir uma austeridade fiscal. Esquecem que, por trás dos números, existem pessoas, para as quais uma redução de poucos reais no final do mês já pode ser a diferença para terem de escolher entre o aluguel ou uma medicação em falta na Unidade Básica de Saúde.

Além disso, essa visão de que faltam contribuintes na previdência para garantir seu financiamento se ancora em uma justificativa da década de 1980, na qual a pirâmide etária era outra. Hoje, o envelhecimento populacional é uma realidade; ou seja, estamos vivendo mais e convivemos com muito mais pessoas idosas em nosso cotidiano. E isso não é, e nunca deverá ser, tratado como um problema. Nossa sociedade deve fazer uma escolha: viver onde seria cada um por si e todos contra todos, ou em um local baseado na solidariedade, no qual podemos discutir fontes diferentes de financiar a previdência social, para além da contribuição dos servidores que tanto necessitam desses valores para existirem em uma cidade tão excludente e possivelmente hostil como São Paulo.

Ademais, sobram dados sobre a situação insegura das moradias de pessoas idosas e a falta de equipamentos como núcleos de convivência e instituições de longa permanência públicos para atender uma população que cresce a cada ano.

Por fim, retorno àquela desconhecida que caminhava pela cidade e pergunto, em minha imaginação, se ela realmente sente viver em uma cidade amiga para si. Infelizmente, se meu caminho com ela foi em Moema, pode até ser que sim, mas com maior probabilidade de ser inimiga se esse mesmo trajeto foi realizado a poucos quilômetros de lá. Assim, não existe a possibilidade de uma cidade ser amiga de todas as pessoas idosas se o orçamento da saúde é terceirizado para organizações sociais, se a política de urbanismo é ditada pelas incorporadoras imobiliárias e se a cada ano direitos são retirados da previdência social.

Outro modelo é urgente, não só para garantir uma vida com qualidade para as mais de dois milhões de pessoas idosas da cidade, mas para todos os outros que sonham em envelhecer.

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Fotos: Divulgação prefeitura de São Paulo

De acordo com nota da OPAS, com a inclusão de São Paulo, o Brasil conta com 54 (dado de outubro de 2025) cidades certificadas como Amigas da Pessoa Idosa pela OMS e dois estados como membros afiliados da Rede Global, Paraná e Rio de Janeiro.

No total integram a Rede Global da OMS aproximadamente 1.700 membros, em mais de 60 países, e 993 cidades das Américas, em 18 países, já aderiram ou estão em processo de adesão à Rede, provenientes dos países: Argentina, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, México, Peru, Porto Rico, Estados Unidos da América e Uruguai.

A Rede Global da OMS tem por objetivo incentivar a criação de ambientes amigáveis às pessoas idosas e a troca de experiência e apoio entre os municípios. Também busca contribuir para que as cidades e comunidades façam adequações aos ambientes onde as pessoas idosas vivem às suas necessidades, ao longo do curso de suas vidas.

Quais ambientes amigáveis às pessoas idosas a cidade está construindo?

A prefeitura de São Paulo, que é a mais rica do Brasil e uma das mais ricas do mundo, cujo valor do orçamento para 2026 é 135 bilhões, não destinou recursos para a população idosa que já representa 17,7 % da população do município. O orçamento é plurianual e ao final de 2029 o valor será 540 bilhões. A única política pública mencionada no orçamento é a criação de 30 unidades do Programa Acompanhante de Idosos (PAI) ao longo de 4 anos da gestão. Os movimentos sociais organizados em defesa da população idosa estão participando de todas as audiências públicas temáticas e regionais, apresentando propostas e debatendo o vazio assistencial das políticas sociais na proposta orçamentária da prefeitura.

O Grito dos Excluídos e o Coletivo Envelhecer realizaram uma performance/protesto durante audiência realizada no dia 4 de novembro na Comissão de Finanças e Orçamento.


Milton Crenitte

Médico Geriatra, Doutor em ciências pela USP. Coordenador médico do ambulatório de sexualidade da pessoa idosa do HCFMUSP. Professor de curso de medicina da Universidade de São Caetano do Sul. Voluntário da ONG Eternamente SOU.

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Médico Geriatra, Doutor em ciências pela USP. Coordenador médico do ambulatório de sexualidade da pessoa idosa do HCFMUSP. Professor de curso de medicina da Universidade de São Caetano do Sul. Voluntário da ONG Eternamente SOU.

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