Apresentamos quatro características possíveis de um modelo futuro para os serviços sociais propostos na Espanha mas que pode nos guiar por aqui também.
No caso dos serviços sociais, em especial, é impossível imaginar uma prestação universal de cuidados, apoio e intervenções para a autonomia nas decisões e atividades da vida cotidiana nas relações familiares e comunitárias de todas as pessoas (dependendo de suas necessidades e capacidades) sem o suporte, por exemplo, de robótica domiciliar, comunicação telemática, inteligência artificial distribuída, processamento de grandes quantidades de dados, redes sociais, plataformas colaborativas ou a Internet das coisas.
O título deste artigo é, na realidade, a pergunta que Fernando Fantova faz em sua reflexão, a que passo a discorrer, mas que também me inspira a pensar nos modelos de serviços sociais, especialmente dedicados aos idosos, que teremos no futuro e que ficaram expostos com a pandemia. Nas minhas andanças com cursos de formação nos territórios na cidade de São Paulo, inicialmente presencial e depois virtualmente, observei a urgente necessidade de se pensar em modelos de serviços sociosanitários que possam ir até os domicílios. Essa mudança de paradigma, do serviço ir até a casa e não como é praxe hoje, será uma realidade cada vez mais presente com o aumento da população idosa cada vez mais longeva, de todas as classes sociais.
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Além dos serviços precisarem saírem de seus espaços físicos, eles terão, obrigatoriamente, de conversarem entre si, e não continuarem encerrados em suas áreas de conhecimento. O envelhecimento exige diálogo, em todos os sentidos, diálogo com outras gerações, diálogo com os mais diversos serviços, diálogo com os equipamentos. Exige também relação, com outras pessoas, com profissionais que prestam serviços, com os serviços em si e com os equipamentos. Hoje falta diálogo e as consequências disso são cruciais para o gerenciamento do que existe e sua otimização.
Mas a reflexão de Fernando Fantova, que é consultor social, vai além. Ele fala desde uma realidade espanhola, e aponta de cara em seu artigo que a pandemia que vivemos vai implicar, certamente muito em breve, um exigente exame geral (somado ao estresse que já estamos sofrendo) das diferentes áreas das políticas públicas, acentuado por circunstâncias como a formação de novos governos, reestruturações em equipes governamentais, reformas legais, planos estratégicos ou a elaboração dos orçamentos anuais seguintes em um cenário de forte queda na arrecadação de impostos. Não é muito diferente do que vivemos neste momento no Brasil, aliás aqui bem pior com o desmonte justamente dos serviços sociais e a tentativa permanente de se privatizar o SUS. Diz Fantova, que ter um modelo de futuro, atualizado ou renovado, será condição necessária (embora não suficiente) para passar neste exame e estar em condições de se sustentar, desenvolver e servir nos anos seguintes.
Ele elenca quatro características possíveis de um modelo futuro para os serviços sociais que reproduzimos a seguir:
1. Alguns serviços sociais dispostos a ser o sistema de cuidados
Prevê-se que, após as situações vivenciadas em instituições de longa permanência para idosos e na intensa convivência familiar ou da solidão dos lares, a preocupação com os cuidados (entendidos, em sentido estrito, como complemento da capacidade das pessoas de realizar atividades de vida diária) aumentem na sociedade e entre as pessoas com responsabilidades políticas. Nesse contexto, parece haver movimentos sociais e políticos considerando a criação de ex novo de um sistema de cuidados, reivindicação semelhante àquela que, quinze anos atrás, pensava em criar (ou acreditava estar criando) um sistema de dependência. No entanto, apesar de nossa qualificação e estrutura limitadas, ninguém está em melhor posição do que nossos sistemas públicos autônomos de serviços sociais para se configurar como esses sistemas desejados (não só, mas também) de cuidados. É difícil para nós conquistar essa posição, mas, curiosamente, ninguém a tem mais fácil do que nós.
2. Alguns serviços sociais configurados como serviços públicos essenciais
A pandemia demonstrou a necessidade e superioridade de grandes sistemas de alcance ou cobertura universal, funcionalmente especializados (em saúde, distribuição de alimentos, garantia de renda ou acesso à Internet, para dar quatro exemplos), como resposta às necessidades da população. Ninguém propôs expropriar as terras dos fazendeiros para garantir que todos tenham acesso à alimentação. Da mesma forma, a garantia de que “nossas meninas” ou “nossos mais velhos” tenham o cuidado e o apoio de que necessitam não depende de as Administrações serem donas das organizações que prestam serviços sociais domiciliares, tele assistência ou desenvolvimento comunitário, para colocar três exemplos. Depende de nossos governos autônomos terem fontes eficazes e suficientes de conhecimento, planejamento, regulação, financiamento, provisão, gestão, avaliação e controle de uma oferta clara e suficiente de serviços e intervenções que se conectem com certas demandas e necessidades bem definidas de toda a população.
3. Alguns serviços sociais comprometidos com a rápida digitalização
Não parece exagero afirmar que nenhum setor importante de atividade sobreviverá em nosso meio se não incorporar intensamente as tecnologias digitais em todos os seus processos operacionais, de gestão e governança. Na pandemia e na emergência, especificamente, as dificuldades para o desenvolvimento de atividades sem suporte digital estão sendo percebidas, bem como as sinergias entre as dimensões física, corporal, comunitária e territorial dos serviços e sua dimensão digital. No caso dos serviços sociais, em especial, é impossível imaginar uma prestação universal de cuidados, apoio e intervenções para a autonomia nas decisões e atividades da vida diária no seio das relações familiares e comunitárias de todas as pessoas (em função de suas necessidades e capacidades) sem o suporte, por exemplo, da robótica domiciliar, comunicação da telemedicina, inteligência artificial distribuída, processamento de grandes quantidades de dados, redes sociais, plataformas colaborativas ou a Internet das coisas.
4. Alguns serviços sociais de alto valor agregado
Os setores do futuro, profissional e socialmente atrativos (sobretudo no âmbito dos grandes sistemas públicos), são os que têm conseguido incorporar mais valor às suas atividades operacionais, gerando empregos de qualidade para muitos homens e, sobretudo, para muitas mulheres. Essa é a história e a perspectiva do desenvolvimento dos sistemas públicos como, por exemplo, o da saúde, educacional ou judicial (deixando para trás o tempo do barbeiro-cirurgião, aquele em que se falava em passar mais fome do que um professor de escola ou a da eficácia civil das decisões dos supostos tribunais eclesiásticos). Não é incompatível sublinhar e reforçar a capacidade dos serviços sociais de incorporar na sua força de trabalho (frequentemente através da economia solidária) muitas pessoas com Formação Profissional (por vezes de outros setores de atividade, como o turismo) e, ao mesmo tempo, destacar e promover uma imprescindível e crescente aplicação do conhecimento científico e tecnológico nos serviços sociais.
Essas quatro características possíveis de um modelo futuro para os serviços sociais pode ser uma bússola para nossos gestores que estão assumindo seus cargos a partir de janeiro. Estas reflexões, segundo Fernando Fantova, são partilhadas no âmbito dos trabalhos em curso nos sistemas de serviços públicos sociais do País Basco, Múrcia, Catalunha, La Rioja, Andaluzia, Castela e Leão, Cantábria, Madrid e Galiza.
Foto destaque de Matthias Zomer no Pexels